Por Emiliano José, na revista Teoria e Debate:
Uma coisa nós podemos afirmar, sem receio de errar: as forças democráticas de qualquer matiz, as organizações populares e de esquerda, os que têm compromisso com a soberania nacional e com os direitos da população brasileira, especialmente aqueles voltados a garantir vida digna aos mais pobres, não terão vida fácil nessa quadra histórica se depender da atuação da mídia hegemônica. Uma palavra: não obstante as notáveis mudanças provocadas pela emergência das novas tecnologias da informação, com o surgimento das redes sociais, as grandes redes de televisão, com destaque para a Rede Globo, continuam a exercer o papel mais poderoso na construção do consenso por parte dos dominantes, tendo como coadjuvantes os grandes jornais, malgrado em decadência, e as revistas semanais de informação e os veículos impressos regionais, que fazem eco da grande mídia.
A mídia hegemônica atua como partido. Não há dissonância no interior dela. Funciona como partido único, com discurso unificado. Parece viver, para brincar com nossa tradição de esquerda, sob centralismo democrático. Quando um jornalista sai dos trilhos, quando chora emocionado diante da injusta prisão de Lula, quando vaza um vídeo evidenciando sua indignação, é logo chamado às falas pelo general-editor, como ocorreu recentemente. Desde o surgimento do jornalismo como o conhecemos até hoje, a discussão em torno do papel da mídia está posta, e Antonio Gramsci já dizia que um grupo de jornais poderia se constituir numa espécie de partido, e olha que tem tempo isso. Não há inocência no jornalismo, nunca houve, e desde o seu nascedouro as publicações tiveram lado, tomaram partido. Recentemente, Barack Obama caracterizava a Fox News como um autêntico partido político pela sua insistência em combater qualquer iniciativa do governo dele.
Mas desde o surgimento do jornalismo havia, e há ainda, algumas regras, alguns cuidados, relação com a verdade dos fatos, algum rigor factual. Quem conhece o episódio de Watergate sabe o quanto penaram os repórteres para colocar o assunto na rua. Checar, olhar uma vez, duas, apurar quantas vezes fosse necessário. Não dar nada sem ter certeza era uma espécie de paradigma. Descontado o seu pendor político à direita, nunca abandonado, também o jornalismo brasileiro cultivava mais cuidados em relação aos fatos – vivi esse tempo em redações, inclusive no velho Estadão. Atualmente, os critérios liberais do jornalismo foram inteiramente abandonados pelas redações brasileiras. O que importa é o rumo prévio ditado pela pauta, o que deve ser noticiado independentemente da verdade ou não revelada pelos fatos, especialmente no campo político.
A revista Veja é impressionante na produção no que hoje se chama fake news, e curiosamente ela anda falando em combater o fenômeno. Tratei disso no meu livro Intervenção da Imprensa na Política Brasileira – 1954-2014 (baixe o pdf) no capítulo “O golpe de Veja na eleição de 2014”, abordando especificamente a matéria “Eles sabiam de tudo”, cujo esforço era o de criminalizar Lula e Dilma no escândalo da Petrobras, sem o mínimo de comprovação, como é de seu estilo. Nesse livro, trato da atuação político-partidária da imprensa brasileira desde 1954. Sob esse aspecto, nada mudou, ela continua absolutamente coerente com seu espírito de casa-grande, cultiva os mesmos valores conservadores, mantém o seu programa político destinado a excluir os pobres, os trabalhadores de qualquer protagonismo político na vida do país, e sua visão submissa aos centros do capitalismo internacional, particularmente os Estados Unidos, entreguistas por convicção.
Não pretendo voltar ao início desse processo, que resultou no golpe de abril de 2016, 52 anos após o outro abril, o de 1964. Registro apenas que o golpe desferido contra a democracia, derrubando a presidenta Dilma Rousseff, eleita com 54 milhões de votos, não nasceu assim de repente, como um raio caído num dia de céu azul, para expressão consagrada de Marx. As primeiras manobras de flanco começaram em 2005, com o chamado Mensalão, e visavam de cara lideranças fundamentais do PT, a destacar José Dirceu e José Genoino. E a mídia sempre teve desde lá papel essencial. A mídia por evidência não atua só. Ela ecoa voz e decisões do sistema de Justiça e também dos setores mais conservadores da política, aqueles que antes de tirar Dilma já haviam revelado a disposição para o golpe.
Havia, desde os primeiros movimentos do golpe, aquilo que o próprio Lula nas últimas horas chamou de sonho de consumo da elite brasileira e internacional – inviabilizá-lo para a disputa política no Brasil. Não se admitia que um “estrangeiro” como ele, um estranho no ninho, nordestino, pobre, sem curso superior, tivesse o atrevimento de governar o país, e ainda mais promovendo políticas públicas voltadas aos mais pobres como nunca fora feito antes no país.
E mais do que isso, afirmando a Nação no resto do mundo, tornando-se ele próprio um dos maiores interlocutores da cena internacional. As classes dominantes locais e as internacionais não podiam admitir isso. Uma liderança como ele era um péssimo exemplo. Tentaram durante a crise do Mensalão. Insinuaram devesse ele desistir de concorrer em 2006, mas esbarraram em sua coragem e disposição política, nos seus compromissos com o povo brasileiro. Foi adiante, e se reelegeu, e garantiu a eleição de Dilma em 2010 e 2014. Houve 2013, e manifestações encampadas pela mídia, que prepararam terreno para outras, aí da direita, e chegamos ao desfecho de 2016.
Faltava derrubar a pedra principal. A mídia nunca esqueceu Lula, e havia alguns anos ela tentava naturalizar a prisão dele. De variadas maneiras. E isso desde antes do golpe de abril de 2016. Precisava criar o clima. Deposta Dilma, a caçada se intensificou. O sistema de justiça apertou o cerco, e pouco importavam a ele as chamadas provas, que não vinham ao caso, pouco importava fosse um processo eivado de erros e absurdos, e a mídia batia os tambores. As manchetes se sucediam, decorrentes dos sucessivos vazamentos. Nos últimos dias, nos acontecimentos que levariam Lula à masmorra de Curitiba, a mídia desnudou-se inteiramente – televisão, emissoras de rádio, jornalões, portais monopolistas da internet desenvolveram uma intensa guerra de movimento rumo ao ataque final. O Supremo Tribunal Federal (STF), caso necessitasse, foi cercado de todos os lados para recusar o habeas corpus que evitasse a prisão do ex-presidente. Não aceitou. A pressão midiática funcionou, ajudada pela intervenção do comandante do Exército, que resolveu também chamar o STF às falas, mandando às favas quaisquer escrúpulos, ou qualquer observância da legalidade. O juiz de Curitiba decretou a prisão em tempo recorde, e determinou que Lula se apresentasse na capital paranaense em 24 horas.
Havia uma pedra no meio do caminho: o próprio Lula. O juiz de Curitiba não o conhecia. Nem a mídia, porque ele sempre surpreende no meio dos vendavais em que o mergulham. A Nação, naquelas horas, girou em torno de Lula, não de qualquer outro ator. Foi o editor da mídia, que não sabia bem o que fazer com o fato de ele não se apressar, preocupada com as fotos dele caminhando como cordeiro para a execução – da pena. A história já registrou: o ataque a ele provocou uma das mais impressionantes e emocionantes mobilizações do país, ele voltando à sua origem, ao sindicato que o construiu, que o levou ao destino de maior presidente de nossa história.
Dirigiu aqueles momentos com toda sua capacidade de liderança. Revelou-se ali o tino político, a ousadia, a coragem, a disposição para a luta, a superação dos tormentos que a iminência de uma prisão provocam, a clareza do que fazer, a capacidade de formulação ao produzir um extraordinário discurso para se despedir daquela massa gigantesca – tudo isso fugia do controle da mídia, do sistema de justiça. Era ele o timoneiro, e isso nas proximidades de sua prisão. O juiz de Curitiba, depois que o prazo foi desrespeitado, ainda tentava se explicar que ele não era um fugitivo, a mídia mal conseguindo cobrir porque até entrar era difícil, e era evidente também, como natural, a agressividade dos que o cercavam – sabiam a perseguição de que ele era vítima tanto pelo sistema de justiça quanto pela mídia. Como havia se determinado, não entraria de cabeça baixa, não se deixaria humilhar, e assim se fez, e dessa maneira ele seguiu para a masmorra de Curitiba, como um digno preso político.
Houve choro e ranger de dentes. Havia os que queriam resistir, não permitir a prisão. Desse a palavra de ordem, e o povo resistiria. Mas uma liderança como ele não iria submeter tanta gente aos riscos de um banho de sangue. Soube convencer as milhares de pessoas, homens e mulheres, velhos e crianças, que o melhor a fazer era seguir para a masmorra, com a certeza da inocência, com o olhar na história, com a certeza de que nunca abandonara seus compromissos mais profundos com o povo, como disse no seu magistral discurso. Fez o certo.
A mídia frustrou-se. Queria mais. Queria vê-lo atrás das grades, a foto gloriosa, sonho de consumo dela – insista-se. Veja viu-se obrigada a produzir uma caricatura dele, atrás das grades, na capa, numa edição especial. Como diria a voz atribuída ao jornalista Chico Pinheiro, o que eles farão agora? Não tem mais Lula, e agora José? A mídia gira, gira, não sabe o que fazer sem Lula, a festa acabou, a noite esfriou, e agora você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, está sem discurso, e tudo acabou, e tudo fugiu, e tudo mofou, sua incoerência, seu ódio – e agora?
As organizações populares e democráticas, os setores políticos comprometidos com o Estado de direito não pararam, não vão parar de lutar pela liberdade de Lula e não deixarão de desmascarar a mídia hegemônica cada vez mais partidária, cada vez mais longe de compromissos com o jornalismo, aquele disposto a revelar a verdade dos fatos. Tem tempo que li um livro de pouco mais de duzentas páginas, que me impressionou. O autor é Camilo Taufic – Periodismo y Lucha de Clases. A primeira edição é de 1973, chilena. A segunda, 1976, feita em Madri. Ouso citar a abertura do capítulo I, “Comunicación Social y Dominación”, está à página 13, é 13:
El periodismo es parte – y quizás la más dinâmica – de un proceso vital para cada individuo y día a día más importante en la sociedad planetária y tecnologizada que habitamos: la comunicación. Se trata de un fenômeno omnipresente en el mundo contemporâneo; uma especie de común denominador de las diversas actividades del hombre, e inseparable, además, de la lucha de clases, por el uso privilegiado que hacen de ella los que detentan el poder político. Los problemas del periodismo son, pues, los de la comunicación, y éstos, los de la sociedad en su conjunto.
Yo creo que nosotros compreendemos pouco, durante os 13 anos que governamos o Brasil, o papel da mídia como partido político, como uma autêntica casamata do poder, para lembrar conceito gramsciano. Subestimamos sua capacidade de articulação, não a compreendemos como participante ativa da luta de classes desde o seu nascedouro, dormíamos pacificamente com o inimigo como se ele fosse nos aceitar, aceitar que nos colocássemos numa linha de confrontação com os grandes países capitalistas ao liderar o conjunto Brics, que nos ombreássemos com os países latino-americanos, africanos, asiáticos.
Não, não entendemos que a mídia tinha lado, sempre teve, por razões econômicas, por ser do mundo monopolista do capital, e pelos valores daí decorrentes. E que se bateria contra nós dia a dia como o fez, luta de classes sem disfarces, que não abriria mão disso, e que desfecharia o golpe contra Dilma a hora que pudesse, e que não deixaria o crime de Lula impune: o de ter sido o melhor presidente da história do país, especialmente por sua lealdade com os pobres, que ela sempre detestou.
Não falo da eleição de 2018, nem da conjuntura, preso ao objetivo do texto, mais voltado à mídia e seu papel, ainda assim fazendo-o ligeiramente. Mas é óbvio. Para que o golpe se consumasse, era preciso detê-lo. O povo brasileiro vê uma luz no fim do túnel, vê uma maneira de resolver a tragédia social de mais de 13 milhões de brasileiros procurando emprego, outros tantos sem procurar, muito mais de 20 milhões de pessoas desempregadas, tudo em consequência do golpe em favor do capital rentista: Lula. Não por acaso, ele é líder em qualquer pesquisa que se faça, não por acaso, entra em beco, sai em beco, e a esperança manifestada pela população é ele. A população tem noção do que ele fez, e sabe de sua capacidade de enfrentar desafios sociais. O governo feito por ele demonstra. Por isso o prenderam, tentaram encarcerar a esperança, eliminar o sonho. É essa esperança, esse sonho que garantirão a continuidade da luta para tê-lo de volta nos braços de nossa gente.
Uma coisa nós podemos afirmar, sem receio de errar: as forças democráticas de qualquer matiz, as organizações populares e de esquerda, os que têm compromisso com a soberania nacional e com os direitos da população brasileira, especialmente aqueles voltados a garantir vida digna aos mais pobres, não terão vida fácil nessa quadra histórica se depender da atuação da mídia hegemônica. Uma palavra: não obstante as notáveis mudanças provocadas pela emergência das novas tecnologias da informação, com o surgimento das redes sociais, as grandes redes de televisão, com destaque para a Rede Globo, continuam a exercer o papel mais poderoso na construção do consenso por parte dos dominantes, tendo como coadjuvantes os grandes jornais, malgrado em decadência, e as revistas semanais de informação e os veículos impressos regionais, que fazem eco da grande mídia.
A mídia hegemônica atua como partido. Não há dissonância no interior dela. Funciona como partido único, com discurso unificado. Parece viver, para brincar com nossa tradição de esquerda, sob centralismo democrático. Quando um jornalista sai dos trilhos, quando chora emocionado diante da injusta prisão de Lula, quando vaza um vídeo evidenciando sua indignação, é logo chamado às falas pelo general-editor, como ocorreu recentemente. Desde o surgimento do jornalismo como o conhecemos até hoje, a discussão em torno do papel da mídia está posta, e Antonio Gramsci já dizia que um grupo de jornais poderia se constituir numa espécie de partido, e olha que tem tempo isso. Não há inocência no jornalismo, nunca houve, e desde o seu nascedouro as publicações tiveram lado, tomaram partido. Recentemente, Barack Obama caracterizava a Fox News como um autêntico partido político pela sua insistência em combater qualquer iniciativa do governo dele.
Mas desde o surgimento do jornalismo havia, e há ainda, algumas regras, alguns cuidados, relação com a verdade dos fatos, algum rigor factual. Quem conhece o episódio de Watergate sabe o quanto penaram os repórteres para colocar o assunto na rua. Checar, olhar uma vez, duas, apurar quantas vezes fosse necessário. Não dar nada sem ter certeza era uma espécie de paradigma. Descontado o seu pendor político à direita, nunca abandonado, também o jornalismo brasileiro cultivava mais cuidados em relação aos fatos – vivi esse tempo em redações, inclusive no velho Estadão. Atualmente, os critérios liberais do jornalismo foram inteiramente abandonados pelas redações brasileiras. O que importa é o rumo prévio ditado pela pauta, o que deve ser noticiado independentemente da verdade ou não revelada pelos fatos, especialmente no campo político.
A revista Veja é impressionante na produção no que hoje se chama fake news, e curiosamente ela anda falando em combater o fenômeno. Tratei disso no meu livro Intervenção da Imprensa na Política Brasileira – 1954-2014 (baixe o pdf) no capítulo “O golpe de Veja na eleição de 2014”, abordando especificamente a matéria “Eles sabiam de tudo”, cujo esforço era o de criminalizar Lula e Dilma no escândalo da Petrobras, sem o mínimo de comprovação, como é de seu estilo. Nesse livro, trato da atuação político-partidária da imprensa brasileira desde 1954. Sob esse aspecto, nada mudou, ela continua absolutamente coerente com seu espírito de casa-grande, cultiva os mesmos valores conservadores, mantém o seu programa político destinado a excluir os pobres, os trabalhadores de qualquer protagonismo político na vida do país, e sua visão submissa aos centros do capitalismo internacional, particularmente os Estados Unidos, entreguistas por convicção.
Não pretendo voltar ao início desse processo, que resultou no golpe de abril de 2016, 52 anos após o outro abril, o de 1964. Registro apenas que o golpe desferido contra a democracia, derrubando a presidenta Dilma Rousseff, eleita com 54 milhões de votos, não nasceu assim de repente, como um raio caído num dia de céu azul, para expressão consagrada de Marx. As primeiras manobras de flanco começaram em 2005, com o chamado Mensalão, e visavam de cara lideranças fundamentais do PT, a destacar José Dirceu e José Genoino. E a mídia sempre teve desde lá papel essencial. A mídia por evidência não atua só. Ela ecoa voz e decisões do sistema de Justiça e também dos setores mais conservadores da política, aqueles que antes de tirar Dilma já haviam revelado a disposição para o golpe.
Havia, desde os primeiros movimentos do golpe, aquilo que o próprio Lula nas últimas horas chamou de sonho de consumo da elite brasileira e internacional – inviabilizá-lo para a disputa política no Brasil. Não se admitia que um “estrangeiro” como ele, um estranho no ninho, nordestino, pobre, sem curso superior, tivesse o atrevimento de governar o país, e ainda mais promovendo políticas públicas voltadas aos mais pobres como nunca fora feito antes no país.
E mais do que isso, afirmando a Nação no resto do mundo, tornando-se ele próprio um dos maiores interlocutores da cena internacional. As classes dominantes locais e as internacionais não podiam admitir isso. Uma liderança como ele era um péssimo exemplo. Tentaram durante a crise do Mensalão. Insinuaram devesse ele desistir de concorrer em 2006, mas esbarraram em sua coragem e disposição política, nos seus compromissos com o povo brasileiro. Foi adiante, e se reelegeu, e garantiu a eleição de Dilma em 2010 e 2014. Houve 2013, e manifestações encampadas pela mídia, que prepararam terreno para outras, aí da direita, e chegamos ao desfecho de 2016.
Faltava derrubar a pedra principal. A mídia nunca esqueceu Lula, e havia alguns anos ela tentava naturalizar a prisão dele. De variadas maneiras. E isso desde antes do golpe de abril de 2016. Precisava criar o clima. Deposta Dilma, a caçada se intensificou. O sistema de justiça apertou o cerco, e pouco importavam a ele as chamadas provas, que não vinham ao caso, pouco importava fosse um processo eivado de erros e absurdos, e a mídia batia os tambores. As manchetes se sucediam, decorrentes dos sucessivos vazamentos. Nos últimos dias, nos acontecimentos que levariam Lula à masmorra de Curitiba, a mídia desnudou-se inteiramente – televisão, emissoras de rádio, jornalões, portais monopolistas da internet desenvolveram uma intensa guerra de movimento rumo ao ataque final. O Supremo Tribunal Federal (STF), caso necessitasse, foi cercado de todos os lados para recusar o habeas corpus que evitasse a prisão do ex-presidente. Não aceitou. A pressão midiática funcionou, ajudada pela intervenção do comandante do Exército, que resolveu também chamar o STF às falas, mandando às favas quaisquer escrúpulos, ou qualquer observância da legalidade. O juiz de Curitiba decretou a prisão em tempo recorde, e determinou que Lula se apresentasse na capital paranaense em 24 horas.
Havia uma pedra no meio do caminho: o próprio Lula. O juiz de Curitiba não o conhecia. Nem a mídia, porque ele sempre surpreende no meio dos vendavais em que o mergulham. A Nação, naquelas horas, girou em torno de Lula, não de qualquer outro ator. Foi o editor da mídia, que não sabia bem o que fazer com o fato de ele não se apressar, preocupada com as fotos dele caminhando como cordeiro para a execução – da pena. A história já registrou: o ataque a ele provocou uma das mais impressionantes e emocionantes mobilizações do país, ele voltando à sua origem, ao sindicato que o construiu, que o levou ao destino de maior presidente de nossa história.
Dirigiu aqueles momentos com toda sua capacidade de liderança. Revelou-se ali o tino político, a ousadia, a coragem, a disposição para a luta, a superação dos tormentos que a iminência de uma prisão provocam, a clareza do que fazer, a capacidade de formulação ao produzir um extraordinário discurso para se despedir daquela massa gigantesca – tudo isso fugia do controle da mídia, do sistema de justiça. Era ele o timoneiro, e isso nas proximidades de sua prisão. O juiz de Curitiba, depois que o prazo foi desrespeitado, ainda tentava se explicar que ele não era um fugitivo, a mídia mal conseguindo cobrir porque até entrar era difícil, e era evidente também, como natural, a agressividade dos que o cercavam – sabiam a perseguição de que ele era vítima tanto pelo sistema de justiça quanto pela mídia. Como havia se determinado, não entraria de cabeça baixa, não se deixaria humilhar, e assim se fez, e dessa maneira ele seguiu para a masmorra de Curitiba, como um digno preso político.
Houve choro e ranger de dentes. Havia os que queriam resistir, não permitir a prisão. Desse a palavra de ordem, e o povo resistiria. Mas uma liderança como ele não iria submeter tanta gente aos riscos de um banho de sangue. Soube convencer as milhares de pessoas, homens e mulheres, velhos e crianças, que o melhor a fazer era seguir para a masmorra, com a certeza da inocência, com o olhar na história, com a certeza de que nunca abandonara seus compromissos mais profundos com o povo, como disse no seu magistral discurso. Fez o certo.
A mídia frustrou-se. Queria mais. Queria vê-lo atrás das grades, a foto gloriosa, sonho de consumo dela – insista-se. Veja viu-se obrigada a produzir uma caricatura dele, atrás das grades, na capa, numa edição especial. Como diria a voz atribuída ao jornalista Chico Pinheiro, o que eles farão agora? Não tem mais Lula, e agora José? A mídia gira, gira, não sabe o que fazer sem Lula, a festa acabou, a noite esfriou, e agora você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, está sem discurso, e tudo acabou, e tudo fugiu, e tudo mofou, sua incoerência, seu ódio – e agora?
As organizações populares e democráticas, os setores políticos comprometidos com o Estado de direito não pararam, não vão parar de lutar pela liberdade de Lula e não deixarão de desmascarar a mídia hegemônica cada vez mais partidária, cada vez mais longe de compromissos com o jornalismo, aquele disposto a revelar a verdade dos fatos. Tem tempo que li um livro de pouco mais de duzentas páginas, que me impressionou. O autor é Camilo Taufic – Periodismo y Lucha de Clases. A primeira edição é de 1973, chilena. A segunda, 1976, feita em Madri. Ouso citar a abertura do capítulo I, “Comunicación Social y Dominación”, está à página 13, é 13:
El periodismo es parte – y quizás la más dinâmica – de un proceso vital para cada individuo y día a día más importante en la sociedad planetária y tecnologizada que habitamos: la comunicación. Se trata de un fenômeno omnipresente en el mundo contemporâneo; uma especie de común denominador de las diversas actividades del hombre, e inseparable, además, de la lucha de clases, por el uso privilegiado que hacen de ella los que detentan el poder político. Los problemas del periodismo son, pues, los de la comunicación, y éstos, los de la sociedad en su conjunto.
Yo creo que nosotros compreendemos pouco, durante os 13 anos que governamos o Brasil, o papel da mídia como partido político, como uma autêntica casamata do poder, para lembrar conceito gramsciano. Subestimamos sua capacidade de articulação, não a compreendemos como participante ativa da luta de classes desde o seu nascedouro, dormíamos pacificamente com o inimigo como se ele fosse nos aceitar, aceitar que nos colocássemos numa linha de confrontação com os grandes países capitalistas ao liderar o conjunto Brics, que nos ombreássemos com os países latino-americanos, africanos, asiáticos.
Não, não entendemos que a mídia tinha lado, sempre teve, por razões econômicas, por ser do mundo monopolista do capital, e pelos valores daí decorrentes. E que se bateria contra nós dia a dia como o fez, luta de classes sem disfarces, que não abriria mão disso, e que desfecharia o golpe contra Dilma a hora que pudesse, e que não deixaria o crime de Lula impune: o de ter sido o melhor presidente da história do país, especialmente por sua lealdade com os pobres, que ela sempre detestou.
Não falo da eleição de 2018, nem da conjuntura, preso ao objetivo do texto, mais voltado à mídia e seu papel, ainda assim fazendo-o ligeiramente. Mas é óbvio. Para que o golpe se consumasse, era preciso detê-lo. O povo brasileiro vê uma luz no fim do túnel, vê uma maneira de resolver a tragédia social de mais de 13 milhões de brasileiros procurando emprego, outros tantos sem procurar, muito mais de 20 milhões de pessoas desempregadas, tudo em consequência do golpe em favor do capital rentista: Lula. Não por acaso, ele é líder em qualquer pesquisa que se faça, não por acaso, entra em beco, sai em beco, e a esperança manifestada pela população é ele. A população tem noção do que ele fez, e sabe de sua capacidade de enfrentar desafios sociais. O governo feito por ele demonstra. Por isso o prenderam, tentaram encarcerar a esperança, eliminar o sonho. É essa esperança, esse sonho que garantirão a continuidade da luta para tê-lo de volta nos braços de nossa gente.
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