Por Marcelo Zero, no site Brasil Debate:
Passou praticamente despercebido, no Brasil, o anúncio da Nuclear Posture Review, a nova política nuclear norte-americana, divulgada agora em fevereiro.
A omissão não se justifica, pois a nova política nuclear norte-americana assume claramente mudanças geoestratégicas de peso, com profundas implicações para todo o mundo.
Em primeiro lugar, a nova política prevê gastos da ordem US$ 1,2 trilhão, nos próximos 30 anos, para “modernizar” o arsenal nuclear norte-americano. Muitos analistas consideram que, na verdade, tais gastos, para cumprir os objetivos amplos propostos, deverão chegar ao redor de US$ 2 trilhões, sem levar em conta a inflação. Trata-se de uma ampliação gigantesca dos US$ 70 bilhões que Obama já havia disponibilizado para a modernização do arsenal nuclear dos EUA.
É uma montanha de dinheiro destinada ao desenvolvimento de novas e sofisticadas armas nucleares. Os EUA pretendem desenvolver, entre várias outras, uma nova geração de mísseis nucleares “cruise”, capazes de evitar os radares do inimigo, novos mísseis nucleares de rápido acionamento lançados de submarinos e uma nova geração de mísseis dotados de armas nucleares táticas, de poder explosivo menor que a de armas nucleares estratégicas.
Conforme a nova política, essas armas nucleares táticas estariam destinadas a responder a ameaças nucleares ou não nucleares à segurança dos EUA ou de seus aliados. Assim, pela nova política, os EUA admitem explicitamente uma resposta nuclear a um ataque não nuclear. No texto, menciona-se um ataque cibernético aos EUA ou a aliados como uma das possíveis motivações para uma resposta nuclear tática.
Isso é muito preocupante, pois se borra intencionalmente a fronteira entre guerra convencional e guerra nuclear. Uma resposta nuclear, ainda que limitada, a um ataque convencional poderia escalar fácil e rapidamente numa guerra nuclear total, capaz de destruir o planeta várias vezes.
Outro ponto de grande preocupação tange à mistura de armas táticas e estratégicas nos mesmos sistemas de lançamentos, como proposto pela nova política.
Assim, os mísseis lançados de submarinos poderão conter uma ogiva tática, de baixo potencial, ou até oito ogivas estratégicas de grande poder de destruição (475 kilotons, cada). Mas como o “inimigo” poderá distinguir uma coisa de outra? Não há como. Portanto, a tendência natural é a de que a resposta a um míssil com ogiva tática seja a mesma que a de um míssil com ogivas estratégicas: contraofensiva nuclear total.
Esse gigantesco investimento da ordem de trilhões de dólares é, além de extremamente perigoso, totalmente desnecessário.
Andrew C. Weber, que foi uma espécie de subsecretário de defesa (assistant secretary) para política nuclear durante a administração de Obama, chamou o novo plano de “perigosa loucura”, que torna a guerra nuclear “mais provável”.
Segundo ele, “nós (os EUA) já podemos conter qualquer ataque”. Nós já temos numerosas armas táticas. O novo plano é uma ficção destinada a justificar a fabricação de novas armas. Eles vão aumentar o potencial de seu uso mal calculado. A lógica dessa administração é kafkiana.”
Obama havia prometido diminuir a dependência da segurança dos EUA, em relação às armas nucleares, o que não aconteceu. Mas, pelo menos, ele não aumentou muito os gastos na área. Agora, porém, a administração Trump investe pesadamente em novos armamentos nucleares para fazer frente às ameaças ou supostas ameaças aos interesses dos EUA.
O pior é contra quem o novo plano imagina que essas novas armas se destinariam. De acordo com o texto oficial divulgado, a fabricação desses novos armamentos se justificaria em razão de que Rússia e China teriam tomado “rumo oposto aos dos EUA” na questão armamentista. Conforme a peça de ficção divulgada pelos norte-americanos, enquanto os Estados Unidos continuaram a reduzir o número e a importância das armas nucleares, outros, incluindo a Rússia e a China, foram na direção oposta. Eles adicionaram novos tipos de capacidades nucleares aos seus arsenais, aumentaram a importância das forças nucleares em suas estratégias e planos e se comprometeram com um comportamento cada vez mais agressivo, inclusive no espaço exterior e no espaço cibernético.”
Dessa forma, a nova política nuclear norte-americana considera explicitamente que a Rússia e a China, aliados do Brasil nos BRICS, são inimigas ou, ao menos, ameaças potenciais aos EUA, dado o seu comportamento “cada vez mais agressivo”.
Esse cenário é montado sobre uma falácia grosseira.
Em primeiro lugar, porque os EUA não diminuíram as suas armas nucleares e tampouco seus investimentos em armamento convencional sofisticado. Na realidade, de acordo com o International Institute for Strategic Studies, os EUA teriam gasto, em 2017, US$ 602,8 bilhões em defesa, ao passo que a China teria gasto US$ 150,5 bilhões e a Rússia apenas US$ 61,2 bilhões. Ou seja, os EUA gastaram quase três vezes mais com defesa que a China e a Rússia somadas.
Em segundo lugar, porque nenhum desses países assumiu comportamento agressivo no cenário mundial, ao contrário do que costuma demonstrar sistematicamente os EUA. No caso específico da Rússia, o texto da nova política menciona a anexação da Crimeia como um exemplo de agressividade. Ora, todos sabem que a anexação da Crimeia, que tem larga maioria de população russa, foi uma resposta à ofensiva dos EUA e Europa na Ucrânia, visando incorporá-la à OTAN. Tal ofensiva estratégica contra a Rússia já estava delineada, aliás, desde 1997, quando Zbigniew Brzezinski, scholar extremamente influente, que fora assessor presidencial para assuntos de segurança nacional no período de 1977 a 1981, publicou, na Foreign Affairs, um artigo intitulado Uma Geoestratégia para a Eurásia, que já antecipava algumas teses de seu livro O Grande Tabuleiro de Xadrez.
A geoestratégia concebida por Brzezinski implicava várias ações de longo prazo concomitantes. Em primeiro lugar, o fortalecimento da Europa unida, sob a liderança dos EUA. Para tanto, Brzezinski já sugeria, inclusive, a celebração de um tratado de livre comércio transatlântico, como o anunciado recentemente. Em segundo, o fortalecimento das novas nações independentes da Ásia Central e do Leste Europeu, que surgiram após o colapso da União Soviética, e a consequente expansão da OTAN até a Ucrânia.
Em terceiro lugar, e mais importante, a geoestratégia de Brzezinski previa o enfraquecimento da Rússia e o enquadramento de sua política externa nos imperativos geopolíticos dos EUA e seus aliados.
Tal geoestratégia, bastante agressiva e ambiciosa, encontrou firme resistência em Putin, que busca o fortalecimento da Rússia e, por consequência, dos BRICS, como atores independentes, que podem se contrapor à hegemonia unilateralista dos EUA.
Indepedentemente das justificativas falaciosas, o fato concreto é que a nova doutrina de segurança dos EUA não considera mais o combate ao terrorismo como seu alvo prioritário. Segundo o Secretário de Defesa, Jim Mattis, “a grande competição pelo poder (mundial) – e não o terrorismo – é agora o foco principal da segurança nacional dos EUA”.
Nessa observação, Jim ou James Mattis, também conhecido como Mad Dog (Cachorro Louco), foi secundado pelo Almirante Richardson, Chefe das Operações Navais dos EUA, que afirmou:
“Pela primeira vez em 25 anos, os Estados Unidos enfrentam um retorno à grande competição pelo poder. A Rússia e a China avançaram suas capacidades militares para atuar como potências globais … Outros estão agora buscando tecnologias avançadas, incluindo tecnologias militares que já eram de exclusiva propriedade de grandes poderes – essa tendência só continuará “.
Assim sendo, a nova política norte-americana assume escancaradamente que seu objetivo principal é se contrapor à ascensão dessas (e outras) novas potências mundiais. Os EUA afirmam, com todas as letras, que não tolerarão que outros países compitam contra sua hegemonia.
Essa nova política coloca, de modo explícito, os EUA em rota de colisão frontal com potências emergentes e com um mundo mais multilateral. Nesse contexto, o golpe de 2016, que desconstruiu nossa política externa independente, a qual apostava na aliança estratégica com outras nações emergentes, ganha um novo e claro sentido geopolítico. Nosso novo nanismo diplomático é funcional para a nova política norte-americana.
A nova política dá medo. O terror nuclear voltou com toda a força. Afinal, é difícil imaginar um mundo mais pacífico e seguro com os EUA investindo tanto em novas armas nucleares e com um sujeito como Donald Trump com o dedo no botão do holocausto da humanidade.
Voltamos ao terror da Guerra Fria.
Passou praticamente despercebido, no Brasil, o anúncio da Nuclear Posture Review, a nova política nuclear norte-americana, divulgada agora em fevereiro.
A omissão não se justifica, pois a nova política nuclear norte-americana assume claramente mudanças geoestratégicas de peso, com profundas implicações para todo o mundo.
Em primeiro lugar, a nova política prevê gastos da ordem US$ 1,2 trilhão, nos próximos 30 anos, para “modernizar” o arsenal nuclear norte-americano. Muitos analistas consideram que, na verdade, tais gastos, para cumprir os objetivos amplos propostos, deverão chegar ao redor de US$ 2 trilhões, sem levar em conta a inflação. Trata-se de uma ampliação gigantesca dos US$ 70 bilhões que Obama já havia disponibilizado para a modernização do arsenal nuclear dos EUA.
É uma montanha de dinheiro destinada ao desenvolvimento de novas e sofisticadas armas nucleares. Os EUA pretendem desenvolver, entre várias outras, uma nova geração de mísseis nucleares “cruise”, capazes de evitar os radares do inimigo, novos mísseis nucleares de rápido acionamento lançados de submarinos e uma nova geração de mísseis dotados de armas nucleares táticas, de poder explosivo menor que a de armas nucleares estratégicas.
Conforme a nova política, essas armas nucleares táticas estariam destinadas a responder a ameaças nucleares ou não nucleares à segurança dos EUA ou de seus aliados. Assim, pela nova política, os EUA admitem explicitamente uma resposta nuclear a um ataque não nuclear. No texto, menciona-se um ataque cibernético aos EUA ou a aliados como uma das possíveis motivações para uma resposta nuclear tática.
Isso é muito preocupante, pois se borra intencionalmente a fronteira entre guerra convencional e guerra nuclear. Uma resposta nuclear, ainda que limitada, a um ataque convencional poderia escalar fácil e rapidamente numa guerra nuclear total, capaz de destruir o planeta várias vezes.
Outro ponto de grande preocupação tange à mistura de armas táticas e estratégicas nos mesmos sistemas de lançamentos, como proposto pela nova política.
Assim, os mísseis lançados de submarinos poderão conter uma ogiva tática, de baixo potencial, ou até oito ogivas estratégicas de grande poder de destruição (475 kilotons, cada). Mas como o “inimigo” poderá distinguir uma coisa de outra? Não há como. Portanto, a tendência natural é a de que a resposta a um míssil com ogiva tática seja a mesma que a de um míssil com ogivas estratégicas: contraofensiva nuclear total.
Esse gigantesco investimento da ordem de trilhões de dólares é, além de extremamente perigoso, totalmente desnecessário.
Andrew C. Weber, que foi uma espécie de subsecretário de defesa (assistant secretary) para política nuclear durante a administração de Obama, chamou o novo plano de “perigosa loucura”, que torna a guerra nuclear “mais provável”.
Segundo ele, “nós (os EUA) já podemos conter qualquer ataque”. Nós já temos numerosas armas táticas. O novo plano é uma ficção destinada a justificar a fabricação de novas armas. Eles vão aumentar o potencial de seu uso mal calculado. A lógica dessa administração é kafkiana.”
Obama havia prometido diminuir a dependência da segurança dos EUA, em relação às armas nucleares, o que não aconteceu. Mas, pelo menos, ele não aumentou muito os gastos na área. Agora, porém, a administração Trump investe pesadamente em novos armamentos nucleares para fazer frente às ameaças ou supostas ameaças aos interesses dos EUA.
O pior é contra quem o novo plano imagina que essas novas armas se destinariam. De acordo com o texto oficial divulgado, a fabricação desses novos armamentos se justificaria em razão de que Rússia e China teriam tomado “rumo oposto aos dos EUA” na questão armamentista. Conforme a peça de ficção divulgada pelos norte-americanos, enquanto os Estados Unidos continuaram a reduzir o número e a importância das armas nucleares, outros, incluindo a Rússia e a China, foram na direção oposta. Eles adicionaram novos tipos de capacidades nucleares aos seus arsenais, aumentaram a importância das forças nucleares em suas estratégias e planos e se comprometeram com um comportamento cada vez mais agressivo, inclusive no espaço exterior e no espaço cibernético.”
Dessa forma, a nova política nuclear norte-americana considera explicitamente que a Rússia e a China, aliados do Brasil nos BRICS, são inimigas ou, ao menos, ameaças potenciais aos EUA, dado o seu comportamento “cada vez mais agressivo”.
Esse cenário é montado sobre uma falácia grosseira.
Em primeiro lugar, porque os EUA não diminuíram as suas armas nucleares e tampouco seus investimentos em armamento convencional sofisticado. Na realidade, de acordo com o International Institute for Strategic Studies, os EUA teriam gasto, em 2017, US$ 602,8 bilhões em defesa, ao passo que a China teria gasto US$ 150,5 bilhões e a Rússia apenas US$ 61,2 bilhões. Ou seja, os EUA gastaram quase três vezes mais com defesa que a China e a Rússia somadas.
Em segundo lugar, porque nenhum desses países assumiu comportamento agressivo no cenário mundial, ao contrário do que costuma demonstrar sistematicamente os EUA. No caso específico da Rússia, o texto da nova política menciona a anexação da Crimeia como um exemplo de agressividade. Ora, todos sabem que a anexação da Crimeia, que tem larga maioria de população russa, foi uma resposta à ofensiva dos EUA e Europa na Ucrânia, visando incorporá-la à OTAN. Tal ofensiva estratégica contra a Rússia já estava delineada, aliás, desde 1997, quando Zbigniew Brzezinski, scholar extremamente influente, que fora assessor presidencial para assuntos de segurança nacional no período de 1977 a 1981, publicou, na Foreign Affairs, um artigo intitulado Uma Geoestratégia para a Eurásia, que já antecipava algumas teses de seu livro O Grande Tabuleiro de Xadrez.
A geoestratégia concebida por Brzezinski implicava várias ações de longo prazo concomitantes. Em primeiro lugar, o fortalecimento da Europa unida, sob a liderança dos EUA. Para tanto, Brzezinski já sugeria, inclusive, a celebração de um tratado de livre comércio transatlântico, como o anunciado recentemente. Em segundo, o fortalecimento das novas nações independentes da Ásia Central e do Leste Europeu, que surgiram após o colapso da União Soviética, e a consequente expansão da OTAN até a Ucrânia.
Em terceiro lugar, e mais importante, a geoestratégia de Brzezinski previa o enfraquecimento da Rússia e o enquadramento de sua política externa nos imperativos geopolíticos dos EUA e seus aliados.
Tal geoestratégia, bastante agressiva e ambiciosa, encontrou firme resistência em Putin, que busca o fortalecimento da Rússia e, por consequência, dos BRICS, como atores independentes, que podem se contrapor à hegemonia unilateralista dos EUA.
Indepedentemente das justificativas falaciosas, o fato concreto é que a nova doutrina de segurança dos EUA não considera mais o combate ao terrorismo como seu alvo prioritário. Segundo o Secretário de Defesa, Jim Mattis, “a grande competição pelo poder (mundial) – e não o terrorismo – é agora o foco principal da segurança nacional dos EUA”.
Nessa observação, Jim ou James Mattis, também conhecido como Mad Dog (Cachorro Louco), foi secundado pelo Almirante Richardson, Chefe das Operações Navais dos EUA, que afirmou:
“Pela primeira vez em 25 anos, os Estados Unidos enfrentam um retorno à grande competição pelo poder. A Rússia e a China avançaram suas capacidades militares para atuar como potências globais … Outros estão agora buscando tecnologias avançadas, incluindo tecnologias militares que já eram de exclusiva propriedade de grandes poderes – essa tendência só continuará “.
Assim sendo, a nova política norte-americana assume escancaradamente que seu objetivo principal é se contrapor à ascensão dessas (e outras) novas potências mundiais. Os EUA afirmam, com todas as letras, que não tolerarão que outros países compitam contra sua hegemonia.
Essa nova política coloca, de modo explícito, os EUA em rota de colisão frontal com potências emergentes e com um mundo mais multilateral. Nesse contexto, o golpe de 2016, que desconstruiu nossa política externa independente, a qual apostava na aliança estratégica com outras nações emergentes, ganha um novo e claro sentido geopolítico. Nosso novo nanismo diplomático é funcional para a nova política norte-americana.
A nova política dá medo. O terror nuclear voltou com toda a força. Afinal, é difícil imaginar um mundo mais pacífico e seguro com os EUA investindo tanto em novas armas nucleares e com um sujeito como Donald Trump com o dedo no botão do holocausto da humanidade.
Voltamos ao terror da Guerra Fria.
O objetivo é aterrorizar o mundo inteiro para submetê-lo à nova doutrina fascista do imperialismo estadunidense.
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