Ronaldo Pereira (na foto com mulher, Regina Pereira, em frente a sua casa) é professor temporário do estado de São Paulo |
Uma lata de óleo, um pacote de arroz e um gomo de linguiça. Foi isso que Ronaldo Pereira, de 44 anos, conseguiu comprar com os 10 reais que ganhou depois de passar um dia inteiro catando papelão na rua e revendendo para reciclagem.
“Teve uma vez que conseguimos comprar uns bolinhos de carne. Minha mulher juntou tudo, enrolou e fomos picando de pouquinho em pouquinho para render mais”, contou.
Ronaldo não era catador de ofício. Recolher lixo na rua para revender foi a forma que encontrou para complementar o salário que recebe como professor da rede pública do estado de São Paulo. Ele dá aulas de História e Sociologia em duas escolas estaduais na cidade de Birigui, no interior paulista, e ganha R$ 1.800 por mês, de acordo com o dado mais recente disponível no portal da Transparência do governo. O piso salarial da categoria é de R$ 2.585 e só vale para professores de carreira da rede pública. Quem é temporário, como Ronaldo, recebe um valor proporcional ao número de aulas que dá por mês. E nem sempre a carga horária é suficiente para chegar ao piso.
Desde 2011, ele pertence a um grupo específico de professores que, de tempos em tempos, são afastados dos cargos, deixam de receber o salário e, depois, são recontratados. É a chamada categoria O, criada em 2009 por um decreto assinado pelo então governador tucano José Serra e mantida até os dias de hoje. Por conta dessa renda variável, Ronaldo passou a catar lixo em março de 2015. Assim, garantiu um dinheiro extra para sustentar a família, incluindo a mensalidade do filho de 19 anos numa universidade particular.
“Teve uma vez que conseguimos comprar uns bolinhos de carne. Minha mulher juntou tudo, enrolou e fomos picando de pouquinho em pouquinho para render mais”, contou.
Ronaldo não era catador de ofício. Recolher lixo na rua para revender foi a forma que encontrou para complementar o salário que recebe como professor da rede pública do estado de São Paulo. Ele dá aulas de História e Sociologia em duas escolas estaduais na cidade de Birigui, no interior paulista, e ganha R$ 1.800 por mês, de acordo com o dado mais recente disponível no portal da Transparência do governo. O piso salarial da categoria é de R$ 2.585 e só vale para professores de carreira da rede pública. Quem é temporário, como Ronaldo, recebe um valor proporcional ao número de aulas que dá por mês. E nem sempre a carga horária é suficiente para chegar ao piso.
Desde 2011, ele pertence a um grupo específico de professores que, de tempos em tempos, são afastados dos cargos, deixam de receber o salário e, depois, são recontratados. É a chamada categoria O, criada em 2009 por um decreto assinado pelo então governador tucano José Serra e mantida até os dias de hoje. Por conta dessa renda variável, Ronaldo passou a catar lixo em março de 2015. Assim, garantiu um dinheiro extra para sustentar a família, incluindo a mensalidade do filho de 19 anos numa universidade particular.
O que é a categoria O
Na prática, é por meio dessa categoria que o estado evita o déficit de professores na rede pública estadual e, ao mesmo tempo, economiza gastos com pessoal. Sem vínculo empregatício, esses professores temporários recebem menos em direitos trabalhistas. O decreto determina que os contratados sob esse regime recebam apenas salário, férias e décimo terceiro. Eles não têm direito a FGTS (o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), plano de saúde, vale transporte, ou vale alimentação.
Hoje, há cerca de 30 mil professores nesse grupo, segundo o Sindicato de Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo – mais do que um em cada sete profissionais. A entidade informou que um professor da categoria O recebe R$ 11,50 por hora de aula.
Professores concursados também ganham por aulas dadas. A diferença é que o docente de carreira tem prioridade na escolha da quantidade de aulas, bem como onde pretende lecionar.
Os temporários possuem contrato válido por três anos. Depois disso, são afastados por 200 dias – a chamada duzentena. Durante esse período, o professor fica sem receber salário até o dia em que for recontratado pelo estado. Algumas vezes, o professor pode ficar ainda mais tempo na “geladeira” do que o previsto no decreto.
“A secretaria tem feito uma gestão que implanta uma visão gerencial de educação, tendo a eficiência nos gastos como meta de qualidade”, avalia Débora Goulart, uma das líderes da ONG Rede Escola, que também é professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo. “É a eficiência a todo custo. Não está evidente que não está funcionando?”.
Foi o caso de Ronaldo. Ele amargou a primeira duzentena por entre dezembro de 2014 e agosto de 2015. Ao longo de 240 dias, o professor de História ficou sem remuneração. Por conta disso, decidiu catar reciclado na rua.
“Eu não vou falar que é humilhante, porque não acho. Mas sofro muito preconceito. Sofri muito preconceito na sala dos professores mesmo”, afirmou Ronaldo. “Teve um empresário aqui em Birigui que perguntou para mim: ‘Por que não vai trabalhar?’ Pô, mas eu tô trabalhando! É um trabalho digno como outro qualquer”.
Na prática, é por meio dessa categoria que o estado evita o déficit de professores na rede pública estadual e, ao mesmo tempo, economiza gastos com pessoal. Sem vínculo empregatício, esses professores temporários recebem menos em direitos trabalhistas. O decreto determina que os contratados sob esse regime recebam apenas salário, férias e décimo terceiro. Eles não têm direito a FGTS (o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), plano de saúde, vale transporte, ou vale alimentação.
Hoje, há cerca de 30 mil professores nesse grupo, segundo o Sindicato de Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo – mais do que um em cada sete profissionais. A entidade informou que um professor da categoria O recebe R$ 11,50 por hora de aula.
Professores concursados também ganham por aulas dadas. A diferença é que o docente de carreira tem prioridade na escolha da quantidade de aulas, bem como onde pretende lecionar.
Os temporários possuem contrato válido por três anos. Depois disso, são afastados por 200 dias – a chamada duzentena. Durante esse período, o professor fica sem receber salário até o dia em que for recontratado pelo estado. Algumas vezes, o professor pode ficar ainda mais tempo na “geladeira” do que o previsto no decreto.
“A secretaria tem feito uma gestão que implanta uma visão gerencial de educação, tendo a eficiência nos gastos como meta de qualidade”, avalia Débora Goulart, uma das líderes da ONG Rede Escola, que também é professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo. “É a eficiência a todo custo. Não está evidente que não está funcionando?”.
Foi o caso de Ronaldo. Ele amargou a primeira duzentena por entre dezembro de 2014 e agosto de 2015. Ao longo de 240 dias, o professor de História ficou sem remuneração. Por conta disso, decidiu catar reciclado na rua.
“Eu não vou falar que é humilhante, porque não acho. Mas sofro muito preconceito. Sofri muito preconceito na sala dos professores mesmo”, afirmou Ronaldo. “Teve um empresário aqui em Birigui que perguntou para mim: ‘Por que não vai trabalhar?’ Pô, mas eu tô trabalhando! É um trabalho digno como outro qualquer”.
A rotina
Ronaldo dá aula de segunda à sexta a alunos de ensino fundamental e médio e, antes de chegar à escola, sempre cata recicláveis. Acorda cedo, pega sua motocicleta e acopla a ela à caçambinha que comprou em prestações (e que está pagando até hoje) para conseguir recolher um volume maior de lixo. Graças a isso, em alguns meses, já chegou a tirar R$ 1.400 só com revenda de material reciclado. Hoje, os melhores meses não chegam a R$ 400 – uma renda diária de R$ 13 por dia. Ele conta também com a ajuda da mulher – Regina Pedrosa da Silva Pereira, de 42 anos –, que fabrica sapatos em casa para aumentar a renda familiar. “O reciclado está cada dia mais difícil por causa da crise econômica”, disse o professor.
“Eu me sinto abandonado pelo estado mais rico do Brasil. Vou entrar em duzentena de novo no final deste ano. Acho difícil que renovem meu contrato de maneira mais rápida, porque o governo tem fechado salas de aula todo ano”, prevê.
Outra professora da categoria O relata que é obrigada a fazer bicos para sobreviver. Luciana Pereira Silva, de 39 anos, dá aulas de Geografia a alunos de ensino médio e do Educação de Jovens e Adultos, uma espécie de supletivo oferecido pelo governo paulista. Para conseguir pagar as contas, Luciana faz faxina três vezes por semana em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo. Como professora, ela recebe R$ 1.700. “Fui ao médico e ele me disse que, por causa da limpeza, já estou apresentando sinais de tendinite e bursite”, lamenta.
Além da faxina, Luciana também faz bolos, vendidos pelo filho de 19 anos com a ajuda de uma amiga. A professora contou que seus patrões, donos das casas onde faz faxina, vivem perguntando a ela o motivo de não ter mudado de profissão ainda. Luciana responde que tem amor pelo que faz. Mas, ultimamente, ela tem reconsiderado: “Às vezes não tem giz na escola, não dá para passar filme, não dá para dar xerox aos alunos. Eu acreditava no ensino público. Fazia daqueles 50 minutos o melhor possível. Mas hoje penso em parar e estudar Direito”, afirmou.
Procuramos a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para comentar a história dos dois professores e sobre a atual postura com relação à categoria O. A secretaria nos enviou uma nota sem responder diretamente às questões. Informou apenas que o salário de um professor de carreira da rede estadual pode chegar a R$ 9.300 “em pouco mais de 20 anos” de serviço e “contando com adicionais”. Sobre a situação de Ronaldo e Luciana, a pasta afirmou que “a dedicação dos profissionais contratados (da categoria O) não é exclusiva, portanto, é totalmente permitido outras formas de trabalho”.
Ronaldo dá aula de segunda à sexta a alunos de ensino fundamental e médio e, antes de chegar à escola, sempre cata recicláveis. Acorda cedo, pega sua motocicleta e acopla a ela à caçambinha que comprou em prestações (e que está pagando até hoje) para conseguir recolher um volume maior de lixo. Graças a isso, em alguns meses, já chegou a tirar R$ 1.400 só com revenda de material reciclado. Hoje, os melhores meses não chegam a R$ 400 – uma renda diária de R$ 13 por dia. Ele conta também com a ajuda da mulher – Regina Pedrosa da Silva Pereira, de 42 anos –, que fabrica sapatos em casa para aumentar a renda familiar. “O reciclado está cada dia mais difícil por causa da crise econômica”, disse o professor.
“Eu me sinto abandonado pelo estado mais rico do Brasil. Vou entrar em duzentena de novo no final deste ano. Acho difícil que renovem meu contrato de maneira mais rápida, porque o governo tem fechado salas de aula todo ano”, prevê.
Outra professora da categoria O relata que é obrigada a fazer bicos para sobreviver. Luciana Pereira Silva, de 39 anos, dá aulas de Geografia a alunos de ensino médio e do Educação de Jovens e Adultos, uma espécie de supletivo oferecido pelo governo paulista. Para conseguir pagar as contas, Luciana faz faxina três vezes por semana em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo. Como professora, ela recebe R$ 1.700. “Fui ao médico e ele me disse que, por causa da limpeza, já estou apresentando sinais de tendinite e bursite”, lamenta.
Além da faxina, Luciana também faz bolos, vendidos pelo filho de 19 anos com a ajuda de uma amiga. A professora contou que seus patrões, donos das casas onde faz faxina, vivem perguntando a ela o motivo de não ter mudado de profissão ainda. Luciana responde que tem amor pelo que faz. Mas, ultimamente, ela tem reconsiderado: “Às vezes não tem giz na escola, não dá para passar filme, não dá para dar xerox aos alunos. Eu acreditava no ensino público. Fazia daqueles 50 minutos o melhor possível. Mas hoje penso em parar e estudar Direito”, afirmou.
Procuramos a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para comentar a história dos dois professores e sobre a atual postura com relação à categoria O. A secretaria nos enviou uma nota sem responder diretamente às questões. Informou apenas que o salário de um professor de carreira da rede estadual pode chegar a R$ 9.300 “em pouco mais de 20 anos” de serviço e “contando com adicionais”. Sobre a situação de Ronaldo e Luciana, a pasta afirmou que “a dedicação dos profissionais contratados (da categoria O) não é exclusiva, portanto, é totalmente permitido outras formas de trabalho”.
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