Por Ivan Longo, na revista Fórum:
O termo fake news está em alta, no Brasil e no mundo. Não à toa. A palavra, que traduzida para o português quer dizer “notícia falsa”, foi difundida principalmente durante a campanha de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. As agências de checagem começaram a se fortalecer, naquele país, com o intuito de desmentir informações falsas que eram disseminadas pelo então candidato à presidência. O termo, no entanto, também foi utilizado pelo próprio alvo, o Trump, que começou também a taxar de fake news as informações que o prejudicavam de alguma maneira. Trata-se de um tema complexo, permeado de nuances, e que pode se adequar de acordo com os interesses de quem detém o poder de classificar o que é e o que não falso. É tudo uma questão de interesse.
Por essência, qualquer cidadão civilizado e que preze pela democracia é contra a produção de notícias falsas. Assim como dizer que é “contra a corrupção” é algo que se espera de qualquer pessoa. Até mesmo um corrupto sabe que não pode dizer que é “a favor da corrupção”. Mais uma vez, é tudo uma questão de interesses. É sobre de que lado parte o discurso.
Neste sentido, a onda de combate às fake news no Brasil, com seu discurso fácil e moralizador, foi muito bem aceito no país e de dois anos para cá as agências de checagem ganharam nome. “Lupa”, “Aos Fatos” e “Truco” são algumas delas. Grandes empresas, atualmente, também se debruçam sobre o tema, tais como Google e Facebook.
No início deste mês de junho o Facebook deu início a uma experiência de identificação e coibição de fake news no Brasil através de parcerias com algumas dessas agências de checagem. A primeira atuação neste sentido ocorreu em 12 de junho, quando a rede social notificou três veículos pela publicação de uma notícia sobre um terço enviado pelo Papa Francisco ao ex-presidente Lula, preso em Curitiba, através de um emissário. Os veículos notificados, que tiveram a matéria retirada da rede social e o alcance de suas publicações diminuído, “coincidentemente”, foram três das maiores páginas da mídia alternativa brasileira: esta Revista Fórum, o Brasil 247 e o Diário do Centro do Mundo.
O debate acalorado, as trocas de versões e a discussão sobre se era ou não era fake news durou aproximadamente dois dias e o que se revelou, ao final da polêmica, foi que as agências de checagem que motivaram a censura do Facebook usaram como base para suas “checagens” uma informação equivocada de apenas uma fonte. Ou seja, utilizaram de fake news para chancelar o que seria fake news. O que essas agências apontavam como falso era verdadeiro e o que elas, supostas detentoras da verdade, apresentavam como verdadeiro, era falso.
Ao analisar de onde parte o discurso que taxa esses veículos de disseminadores de fake news, bem como os detalhes de como se deu a polêmica e a forma de atuação dessas agências, pode-se ver que o “combate às fake news” ou “a busca pela verdade”, pode levar ao silenciamento de veículos – profissionais – que atuam no sentido antagônico aos dos grandes grupos econômicos que controlam a mídia tradicional no Brasil.
Entenda o que aconteceu
No dia 11 de junho, por meio de suas redes sociais, o Partido dos Trabalhadores anunciou que o advogado argentino Juan Grabois, amigo do Papa Francisco e consultor do Pontifício Conselho Justiça e Paz do Vaticano, viria ao Brasil para visitar o ex-presidente Lula, preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba há mais de dois meses.
A visita de Grabois acabou sendo frustrada. A juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução penal de Lula, avaliou que o consultor não era um líder religioso e que por isso não poderia usar do benefício de assistência espiritual concedido a Lula para poder visitá-lo, e ele foi barrado na porta da PF.
Grabois, então, concedeu uma entrevista falando sobre sua decepção em não conseguir visitar Lula e levar a ele as palavras de Francisco. Enquanto isso, as redes sociais do PT e do ex-presidente Lula postavam uma foto de um rosário e informavam que aquele era um terço abençoado pelo próprio pontífice para ser entregue ao petista.
Minutos depois, esta Fórum, assim como o Brasil 247, o DCM e dezenas de outros veículos, tanto da mídia tradicional quanto da mídia alternativa, noticiaram o fato: o Papa teria enviado a Lula um terço abençoado. Todos esses veículos ainda frisaram que aquela era uma informação fornecida pelo PT e pela equipe de comunicação de Lula.
No dia seguinte o site Vatican News, veículo de comunicação ligado ao Vaticano, divulgou uma nota, não assinada por nenhuma autoridade do Vaticano, em que relativizava o teor da vinda de Grabois ao Brasil. A nota dizia que o argentino era um ex-consultor do Papa e que sua visita tinha motivação pessoal, e não institucional. E ainda frisava que o fato de o Papa abençoar terços para serem enviados a prisioneiros seria uma prática comum, e que neste caso não seria, necessariamente, um gesto especial a Lula.
Não demorou muito, então, para que Fórum, Brasil 247 e Diário do Centro do Mundorecebessem uma notificação do Facebook informando que o conteúdo sobre o terço do Papa havia sido removido, que o alcance dessas páginas seria reduzido e que, se continuassem a disseminar fake news, as páginas seriam derrubadas. Leitores desses veículos que compartilharam o post também receberam notificações de que estavam compartilhando notícia falsa, um dano irreparável à reputação dos sites, todos editados por jornalistas profissionais, com empresas constituídas e com vários profissionais contratados.
Quem indicou ao Facebook que a notícia veiculada por Fórum e esses outros veículos seria fake news foi a Agência Lupa, que não contatou nenhum desses sites antes de lhes impor o selo de notícia falsa. Em seu próprio site, a Lupa destacava ainda uma matéria apontando quais veículos teriam disseminado a suposta fake news. Estranhamente não mencionava o UOL, seu parceiro editorial.
O tiro, no entanto, acabou saindo pela culatra. No mesmo dia, já à noite, o site Vatican News apagou a nota em que relativizava o teor da vinda de Grabois e, poucos minutos depois, divulgou uma nova, em que confirmava que o argentino era, sim, um consultor do Vaticano e que trazia consigo não só um terço abençoado pelo Papa, mas também as palavras do pontífice ao ex-presidente.
Como se não bastasse, no dia seguinte o próprio Juan Grabois, vendo seu nome em torno em uma polêmica sobre fake news, divulgou uma carta que endereçou a Lula reafirmando o teor de sua visita e sacramentando: ele vinha ao Brasil visitar Lula, sim, em nome do Santo Padre. E trazia consigo, sim, um terço abençoado pelo Papa e as palavras do pontífice a Lula, proferidas em um encontro que o consultor teve com Francisco em maio, quando o ex-presidente brasileiro já estava preso.
A Agência Lupa, responsável pela “checagem” que culminou na censura do Facebook, no entanto, não se retratou e nem mesmo tirou o selo de notícia falsa com relação à Fórume aos outros veículos. No final das contas, a agência de checagem que apontou o erro é quem estava errada.
Interesses: o importante não é se o Papa deu o terço, mas o que o fato revelou
O papa ter ou não ter enviado um terço a Lula não é o fato mais importante. O fato é que ele enviou. Mas ainda que ele não tivesse enviado e alguns veículos, dado o contexto com que a informação chegou, tivessem noticiado que ele enviou, não é razoável que se taxe os veículos de propagadores de fake news.
Erros – que não foi o caso – acontecem diariamente, tanto em redações de grandes veículos da mídia tradicional como em pequenas iniciativas de mídia independente. O que é muito diferente de uma fake news, produzida já com o intuito malicioso de enganar.
“A gente teve um conteúdo retirado da nossa página, que é uma página de empresa jornalística constituída legalmente, com CNPJ, com diretor de redação, com jornalistas profissionais registrados, com endereço conhecido, ou seja, um veículo de comunicação. Nós não estamos falando de uma espécie de página criada em algum país distante que foi construída para distribuir fakenews”, frisou o editor da Fórum, Renato Rovai, em um debate na Comissão Geral, no plenário da Câmara dos Deputados, sobre notícias falsas ou fakenews.
Meses antes do caso do terço do Papa vir à tona, a ativista pela democratização da mídia, Renata Mielli, em entrevista à Fórum, já explicava os perigos que a narrativa de fake news pode trazer à democracia quando aplicada desta maneira.
“Quem vai ser o árbitro do que é verdadeiro e do que é falso? Nós vamos a partir desse momento criar selos de qualidade para a informação? Quem vai fazer esse processo de credenciamento da notícia? Como tratar esses casos? Erro de apuração, que sempre aconteceu no jornalismo, não necessariamente é a propagação de uma notícia falsa. Uma mesma notícia pode ter tratamentos diferenciados a partir da perspectiva de que esse fato é narrado, como você vai dizer que uma perspectiva X e uma perspectiva Y é uma notícia verdadeira ou falsa, ou que uma tem mais qualidade que a outra? Esse processo pode trazer muitos perigos para a democracia e para liberdade de expressão”.
Fórum, por exemplo, ao ser notificada pelo Facebook e taxada de disseminadora de notícia falsa, imediatamente contatou a redação da Agência Lupa para ponderar sua “checagem” e dar explicações sobre a notícia veiculada. Houve a preocupação, por parte desta redação, de frisar ainda mais na matéria em questão que a informação havia sido fornecida pelo PT e, paralelamente, foi dado início a um processo ainda mais rigoroso de apuração. O editor da Fórum, por exemplo, buscou pessoas próximas a Juan Grabois e ao Papa para saber se, de fato, poderia ser verdade que Francisco enviou um terço a Lula. E se confirmou que sim. E isso tudo foi sendo reportado, em tempo real, à agência.
A Lupa tem como investidora a Editora Alvinegra, que pertence a João Moreira Salles, um dos herdeiros do banco Itaú, e é parceira do UOL, da família Frias, que edita a Folha de S. Paulo, jornal que, em editoriais, apoiou a deposição da presidente Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Lula – dois processos amplamente questionados por intelectuais, acadêmicos e juristas do Brasil e do mundo. Ou seja, é a mesma mídia comercial do Brasil, que recorrentemente apoia golpes e mente, que tem hoje a chancela, junto ao Facebook, de determinar o que é falso ou não.
Em entrevista concedida à Fórum em abril, também antes do caso do terço, o sociólogo, professor da Universidade Federal do ABC e representante da comunidade acadêmica no Comitê Gestor da Internet (CGI.Br), Sergio Amadeu da Silveira, já analisava como o discurso do combate às fake news poderia ser facilmente instrumentalizado por grandes grupos econômicos e como essa instrumentalização atenta contra a democracia.
“A mídia tradicional encampou a partir de 2016 a pauta lançada nos Estados Unidos de combate às fake news. É claro que isso tem um interesse muito claro. A internet trouxe uma diversidade de discursos. E, sem dúvida, trouxe a possibilidade de espalhar mentiras em larga escala. Mas não é isso que preocupa a grande mídia e os think thanks norte-americanos. Eles perceberam a oportunidade de vetar o discurso anti-neoliberal. Tenho muita preocupação quando eu vejo determinadas fundações ligadas a interesses econômicos neoliberais, interesses imperialistas, defendendo a veracidade da informação, a verdade. Eles nunca se preocuparam com isso. Mas viram uma oportunidade de garantir o silenciamento e a desmoralização do discurso alheio, do outro, principalmente os discursos contra-hegemônicos.”
É por isso que o fato de o Papa ter ou não enviado o terço a Lula, mais do que o fato em si, revela um sinal de alerta. É a censura com novo nome. A censura 2.0.
O termo fake news está em alta, no Brasil e no mundo. Não à toa. A palavra, que traduzida para o português quer dizer “notícia falsa”, foi difundida principalmente durante a campanha de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. As agências de checagem começaram a se fortalecer, naquele país, com o intuito de desmentir informações falsas que eram disseminadas pelo então candidato à presidência. O termo, no entanto, também foi utilizado pelo próprio alvo, o Trump, que começou também a taxar de fake news as informações que o prejudicavam de alguma maneira. Trata-se de um tema complexo, permeado de nuances, e que pode se adequar de acordo com os interesses de quem detém o poder de classificar o que é e o que não falso. É tudo uma questão de interesse.
Por essência, qualquer cidadão civilizado e que preze pela democracia é contra a produção de notícias falsas. Assim como dizer que é “contra a corrupção” é algo que se espera de qualquer pessoa. Até mesmo um corrupto sabe que não pode dizer que é “a favor da corrupção”. Mais uma vez, é tudo uma questão de interesses. É sobre de que lado parte o discurso.
Neste sentido, a onda de combate às fake news no Brasil, com seu discurso fácil e moralizador, foi muito bem aceito no país e de dois anos para cá as agências de checagem ganharam nome. “Lupa”, “Aos Fatos” e “Truco” são algumas delas. Grandes empresas, atualmente, também se debruçam sobre o tema, tais como Google e Facebook.
No início deste mês de junho o Facebook deu início a uma experiência de identificação e coibição de fake news no Brasil através de parcerias com algumas dessas agências de checagem. A primeira atuação neste sentido ocorreu em 12 de junho, quando a rede social notificou três veículos pela publicação de uma notícia sobre um terço enviado pelo Papa Francisco ao ex-presidente Lula, preso em Curitiba, através de um emissário. Os veículos notificados, que tiveram a matéria retirada da rede social e o alcance de suas publicações diminuído, “coincidentemente”, foram três das maiores páginas da mídia alternativa brasileira: esta Revista Fórum, o Brasil 247 e o Diário do Centro do Mundo.
O debate acalorado, as trocas de versões e a discussão sobre se era ou não era fake news durou aproximadamente dois dias e o que se revelou, ao final da polêmica, foi que as agências de checagem que motivaram a censura do Facebook usaram como base para suas “checagens” uma informação equivocada de apenas uma fonte. Ou seja, utilizaram de fake news para chancelar o que seria fake news. O que essas agências apontavam como falso era verdadeiro e o que elas, supostas detentoras da verdade, apresentavam como verdadeiro, era falso.
Ao analisar de onde parte o discurso que taxa esses veículos de disseminadores de fake news, bem como os detalhes de como se deu a polêmica e a forma de atuação dessas agências, pode-se ver que o “combate às fake news” ou “a busca pela verdade”, pode levar ao silenciamento de veículos – profissionais – que atuam no sentido antagônico aos dos grandes grupos econômicos que controlam a mídia tradicional no Brasil.
Entenda o que aconteceu
No dia 11 de junho, por meio de suas redes sociais, o Partido dos Trabalhadores anunciou que o advogado argentino Juan Grabois, amigo do Papa Francisco e consultor do Pontifício Conselho Justiça e Paz do Vaticano, viria ao Brasil para visitar o ex-presidente Lula, preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba há mais de dois meses.
A visita de Grabois acabou sendo frustrada. A juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução penal de Lula, avaliou que o consultor não era um líder religioso e que por isso não poderia usar do benefício de assistência espiritual concedido a Lula para poder visitá-lo, e ele foi barrado na porta da PF.
Grabois, então, concedeu uma entrevista falando sobre sua decepção em não conseguir visitar Lula e levar a ele as palavras de Francisco. Enquanto isso, as redes sociais do PT e do ex-presidente Lula postavam uma foto de um rosário e informavam que aquele era um terço abençoado pelo próprio pontífice para ser entregue ao petista.
Minutos depois, esta Fórum, assim como o Brasil 247, o DCM e dezenas de outros veículos, tanto da mídia tradicional quanto da mídia alternativa, noticiaram o fato: o Papa teria enviado a Lula um terço abençoado. Todos esses veículos ainda frisaram que aquela era uma informação fornecida pelo PT e pela equipe de comunicação de Lula.
No dia seguinte o site Vatican News, veículo de comunicação ligado ao Vaticano, divulgou uma nota, não assinada por nenhuma autoridade do Vaticano, em que relativizava o teor da vinda de Grabois ao Brasil. A nota dizia que o argentino era um ex-consultor do Papa e que sua visita tinha motivação pessoal, e não institucional. E ainda frisava que o fato de o Papa abençoar terços para serem enviados a prisioneiros seria uma prática comum, e que neste caso não seria, necessariamente, um gesto especial a Lula.
Não demorou muito, então, para que Fórum, Brasil 247 e Diário do Centro do Mundorecebessem uma notificação do Facebook informando que o conteúdo sobre o terço do Papa havia sido removido, que o alcance dessas páginas seria reduzido e que, se continuassem a disseminar fake news, as páginas seriam derrubadas. Leitores desses veículos que compartilharam o post também receberam notificações de que estavam compartilhando notícia falsa, um dano irreparável à reputação dos sites, todos editados por jornalistas profissionais, com empresas constituídas e com vários profissionais contratados.
Quem indicou ao Facebook que a notícia veiculada por Fórum e esses outros veículos seria fake news foi a Agência Lupa, que não contatou nenhum desses sites antes de lhes impor o selo de notícia falsa. Em seu próprio site, a Lupa destacava ainda uma matéria apontando quais veículos teriam disseminado a suposta fake news. Estranhamente não mencionava o UOL, seu parceiro editorial.
O tiro, no entanto, acabou saindo pela culatra. No mesmo dia, já à noite, o site Vatican News apagou a nota em que relativizava o teor da vinda de Grabois e, poucos minutos depois, divulgou uma nova, em que confirmava que o argentino era, sim, um consultor do Vaticano e que trazia consigo não só um terço abençoado pelo Papa, mas também as palavras do pontífice ao ex-presidente.
Como se não bastasse, no dia seguinte o próprio Juan Grabois, vendo seu nome em torno em uma polêmica sobre fake news, divulgou uma carta que endereçou a Lula reafirmando o teor de sua visita e sacramentando: ele vinha ao Brasil visitar Lula, sim, em nome do Santo Padre. E trazia consigo, sim, um terço abençoado pelo Papa e as palavras do pontífice a Lula, proferidas em um encontro que o consultor teve com Francisco em maio, quando o ex-presidente brasileiro já estava preso.
A Agência Lupa, responsável pela “checagem” que culminou na censura do Facebook, no entanto, não se retratou e nem mesmo tirou o selo de notícia falsa com relação à Fórume aos outros veículos. No final das contas, a agência de checagem que apontou o erro é quem estava errada.
Interesses: o importante não é se o Papa deu o terço, mas o que o fato revelou
O papa ter ou não ter enviado um terço a Lula não é o fato mais importante. O fato é que ele enviou. Mas ainda que ele não tivesse enviado e alguns veículos, dado o contexto com que a informação chegou, tivessem noticiado que ele enviou, não é razoável que se taxe os veículos de propagadores de fake news.
Erros – que não foi o caso – acontecem diariamente, tanto em redações de grandes veículos da mídia tradicional como em pequenas iniciativas de mídia independente. O que é muito diferente de uma fake news, produzida já com o intuito malicioso de enganar.
“A gente teve um conteúdo retirado da nossa página, que é uma página de empresa jornalística constituída legalmente, com CNPJ, com diretor de redação, com jornalistas profissionais registrados, com endereço conhecido, ou seja, um veículo de comunicação. Nós não estamos falando de uma espécie de página criada em algum país distante que foi construída para distribuir fakenews”, frisou o editor da Fórum, Renato Rovai, em um debate na Comissão Geral, no plenário da Câmara dos Deputados, sobre notícias falsas ou fakenews.
Meses antes do caso do terço do Papa vir à tona, a ativista pela democratização da mídia, Renata Mielli, em entrevista à Fórum, já explicava os perigos que a narrativa de fake news pode trazer à democracia quando aplicada desta maneira.
“Quem vai ser o árbitro do que é verdadeiro e do que é falso? Nós vamos a partir desse momento criar selos de qualidade para a informação? Quem vai fazer esse processo de credenciamento da notícia? Como tratar esses casos? Erro de apuração, que sempre aconteceu no jornalismo, não necessariamente é a propagação de uma notícia falsa. Uma mesma notícia pode ter tratamentos diferenciados a partir da perspectiva de que esse fato é narrado, como você vai dizer que uma perspectiva X e uma perspectiva Y é uma notícia verdadeira ou falsa, ou que uma tem mais qualidade que a outra? Esse processo pode trazer muitos perigos para a democracia e para liberdade de expressão”.
Fórum, por exemplo, ao ser notificada pelo Facebook e taxada de disseminadora de notícia falsa, imediatamente contatou a redação da Agência Lupa para ponderar sua “checagem” e dar explicações sobre a notícia veiculada. Houve a preocupação, por parte desta redação, de frisar ainda mais na matéria em questão que a informação havia sido fornecida pelo PT e, paralelamente, foi dado início a um processo ainda mais rigoroso de apuração. O editor da Fórum, por exemplo, buscou pessoas próximas a Juan Grabois e ao Papa para saber se, de fato, poderia ser verdade que Francisco enviou um terço a Lula. E se confirmou que sim. E isso tudo foi sendo reportado, em tempo real, à agência.
A Lupa tem como investidora a Editora Alvinegra, que pertence a João Moreira Salles, um dos herdeiros do banco Itaú, e é parceira do UOL, da família Frias, que edita a Folha de S. Paulo, jornal que, em editoriais, apoiou a deposição da presidente Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Lula – dois processos amplamente questionados por intelectuais, acadêmicos e juristas do Brasil e do mundo. Ou seja, é a mesma mídia comercial do Brasil, que recorrentemente apoia golpes e mente, que tem hoje a chancela, junto ao Facebook, de determinar o que é falso ou não.
Em entrevista concedida à Fórum em abril, também antes do caso do terço, o sociólogo, professor da Universidade Federal do ABC e representante da comunidade acadêmica no Comitê Gestor da Internet (CGI.Br), Sergio Amadeu da Silveira, já analisava como o discurso do combate às fake news poderia ser facilmente instrumentalizado por grandes grupos econômicos e como essa instrumentalização atenta contra a democracia.
“A mídia tradicional encampou a partir de 2016 a pauta lançada nos Estados Unidos de combate às fake news. É claro que isso tem um interesse muito claro. A internet trouxe uma diversidade de discursos. E, sem dúvida, trouxe a possibilidade de espalhar mentiras em larga escala. Mas não é isso que preocupa a grande mídia e os think thanks norte-americanos. Eles perceberam a oportunidade de vetar o discurso anti-neoliberal. Tenho muita preocupação quando eu vejo determinadas fundações ligadas a interesses econômicos neoliberais, interesses imperialistas, defendendo a veracidade da informação, a verdade. Eles nunca se preocuparam com isso. Mas viram uma oportunidade de garantir o silenciamento e a desmoralização do discurso alheio, do outro, principalmente os discursos contra-hegemônicos.”
É por isso que o fato de o Papa ter ou não enviado o terço a Lula, mais do que o fato em si, revela um sinal de alerta. É a censura com novo nome. A censura 2.0.
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