domingo, 24 de junho de 2018

EUA temem e desprezam o multilateralismo

Por Oscar Sánchez Serra, no blog Resistência:

Abandonar o Conselho de Direitos Humanos é a última das piruetas estadunidenses no mundo das relações internacionais. E o argumento da nova manobra poderia ser qualificado como mais um gesto de paroxismo da atual administração da maior potência econômica e militar do planeta.

Ao que parece, o chefe da Casa Branca se olhou no espelho e viu o mesmo que esgrime como argumento para sair desse organismo das Nações Unidas. Deve ter visto as lágrimas nos rostos das mais de 2.300 crianças que desde maio foram separadas de seus pais pelas autoridades migratórias estadunidenses, algo que, parece, se atenuaria pela própria pressão internacional, que obrigou Donald Trump a assinar uma ordem executiva na última quarta-feira (20) para unir as crianças com suas famílias.

Contudo, segundo a Prensa Latina, fontes do Pentágono revelaram que o governo dos Estados Unidos avaliava na sexta-feira (22) a possibilidade de albergar até 20 mil crianças imigrantes sem o acompanhamento em quatro bases militares localizadas no Texas e Arkansas. De acordo com The Washington Post, não estava claro se os espaços militares também abrigariam os pais sem documentos que foram detidos, pois funcionários da Casa Branca, do Departamento da Defesa e do de Saúde e Serviços Humanos disseram que não podiam proporcionar detalhes. Poderá confiar-se na ordem executiva?

Retornando à notícia de 18 de junho último, no organismo da ONU em Genebra, a realidade é que a única coisa que os Estados Unidos fizeram foi mostrar seu manifesto desprezo pelo multilateralismo, como também não respeitou o direito dessas crianças. A verdadeira razão pela qual se retira também do organismo que tem sede na cidade suíça é porque fracassou em seus intentos de controlá-lo.

Não é a primeira vez que Donald Trump, com seu egoísta lema ‘Estados Unidos em primeiro lugar’, desconhece as normas das relações internacionais. Já tinha ido embora da Organização Mundial de Comércio, da Unesco ou dos acordos sobre a mudança climática e do programa nuclear iraniano, estes dois últimos dos mais recentes êxitos em matéria multilateral. Ao magnata presidente ninguém e nada lhe cai bem, quando se trata de relações entre os Estados para resolver problemas comuns, que põem em risco a sobrevivência da humanidade.

Até seus próprios aliados do Grupo dos 7 agendaram em sua última cúpula no Canadá, a análise sobre o porquê deste êxodo do tecido multilateral.

Mas se o G7 pretendia uma resposta, o peruano Humberto Campodónico, em sua coluna no jornal La República, já a tem e a ilustra com a recente imposição da alta das tarifas, ao dizer que “viola os acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o expõe a sanções. Mas não lhe importa, porque não crê no multilateralismo. Atenção, na OMC as decisões são tomadas por consenso, diferentemente do FMI e do Banco Mundial, onde mandam os que põem mais dinheiro”.

O colunista argumenta: “Por que? Porque pensa que a abertura comercial prejudicou os EUA. Em 1960, o PIB dos EUA representava 40 % de um PIB mundial de 1,37 trilhões de dólares. Em 2018, segundo o FMI, seu PIB foi de 20,4 trilhões de dólares, o que corresponde a apenas 25 % do PIB mundial que é de 79,8 trilhões.

“Sigamos. Em 2018, o PIB da China foi de 14,1 trilhões de dólares. E dentro de dez anos? Se o dos EUA e da China continuam crescendo 2,5% e 6,5% por ano respectivamente, em 2028 a China exibiria 26,5 trilhões e os EUA 26,1 trilhões.

O jornalista peruano fixa o que está em jogo: a hegemonia mundial em que hoje os EUA continuam sendo a primeira potência econômica, assim como militar. Mas a história não mente, os fins de hegemonia são acompanhados de guerras. Quer dizer, o desconhecimento do multilateralismo por parte do senhor do império não só é desrespeitoso, mas põe em perigo a vida no planeta, porque essa guerra seria nuclear, na qual se Trump pensa que vai salvar-se, então não há dúvida de que não está bem da cabeça.

O multilateralismo é profundamente democrático, porque garante que os pequenos, médios e grandes Estados se encontrem no cenário internacional. É, por excelência, um instrumento dos países que têm interesse em promover um mundo de normas, valores, certeza jurídica e política.

As ações unilaterais continuam sendo a sombra que persegue o multilateralismo, particularmente em temas considerados de alta política internacional, e os Estados Unidos o estão demonstrando. Tinha razão o Che, quando em 1964, no multilateral plenário da ONU, durante a 19ª sessão da Assembleia Geral, disse: “ao imperialismo, nem um tantinho assim”.

Cuba mostrou seu apoio à multilateralidade como o princípio básico em suas relações: o respeito e o direito à livre determinação dos povos, como garantia da paz mundial. Fidel, em 1960, também na ONU, expressou: “desapareça a filosofia do despojo, e terá desaparecido a filosofia da guerra”. E ali mesmo, no 70º aniversário desta organização mundial, o General de Exército Raúl Castro Ruz, afirmou: “A comunidade internacional poderá contar sempre com a sincera voz de Cuba frente à injustiça, a desigualdade, o subdesenvolvimento, a discriminação e a manipulação; e pelo estabelecimento de uma ordem internacional mais justa e equitativa, em cujo centro esteja realmente o ser humano, sua dignidade e bem-estar”.

Exigências e desafios

– O multilateralismo moderno exige um novo marco de cooperação que, além dos inevitáveis equilíbrios de poder, tenha em conta a diversidade dos desafios atuais e o respeito aos direitos humanos.

– O multilateralismo é um conceito amplamente difundido dentro das Relações Internacionais, já que se refere à situação de vários países trabalhando em conjunto em um mesmo aspecto ou questão.

– A meta dos organismos multilaterais é conseguir acordos globais em relação a temas de interesse que afetam a maioria, tal é o caso da cultura, do comércio e da paz, entre outros; o contrário aos organismos unilaterais impostos para dominar.

– Líderes políticos e mandatários nacionais destacam que graças a esta ferramenta se alcançam acordos mediante o diálogo, em temas da agenda internacional como mudança climática, segurança e paz, desenvolvimento e os objetivos do milênio.

– As organizações mundiais fazem o possível para manter o multilateralismo. Afrontar a globalização crescente requer uma organização que dê ênfase a programas que tenham repercussão prática nos países membros e que signifiquem respostas aos problemas de maior importância e preocupação.

– Lamentavelmente, nas últimas décadas não se viu um verdadeiro multilateralismo, mas um unilateralismo disfarçado de multiplural.

– As negociações internacionais refletiram um viés para com vários grupos de países sem uma plena participação ou legitimidade de todos os membros da comunidade internacional. “Uma nação, um voto” não foi verdadeiramente um princípio que guie as organizações internacionais nos temas transcendentais de segurança e bem-estar.

– Um dos desafios que o multilateralismo enfrenta é a grande divergência de interesses e posições do sistema internacional. Definir termos de segurança e defesa dentro das organizações dedicadas ao tema tem sido uma tarefa complicada.

– Para que o multilateralismo funcione devem existir algumas mudanças profundas nas instituições como o FMI e o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

– O objetivo deve ser a verdadeira democratização dos foros multilaterais para permitir que as opiniões e necessidades dos cidadãos sejam manifestadas e incluídas.

– O sistema multilateral se parece com a democracia: é o menos mau dos sistemas de governança internacional.

* Publicado originalmente no jornal cubana Granma. Tradução de José Reinaldo Carvalho.

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