segunda-feira, 4 de junho de 2018

O medo da população como aposta eleitoral

Por Marina Gama Cubas, na revista CartaCapital:

Em 12 de maio, Márcio França, sucessor de Geraldo Alckmin no governo de São Paulo, homenageou a cabo da Policia Militar Katia Sastre, que matou um bandido em frente a uma escola infantil no seu período de folga. Uma enquete que chegou à sua equipe mediu que 90% dos entrevistados apoiaram a atitude do governador.

O gesto de França ocorreu em meio à sua pré-candidatura ao Palácio dos Bandeirantes pelo PSB. Ele não é o único a tentar capitalizar com o episódio. A própria Sastre flerta com a possibilidade de deixar a atuação na PM para começar uma nova carreira na política. Ela aceitou se filiar ao PR e deve disputar uma vaga na Câmara dos Deputados em 2018.

À frente nas pesquisas presidenciais nos cenários sem Lula, Jair Bolsonaro não perdeu tempo. Identificado pelos eleitores pelo discurso duro em matéria de segurança pública, o pré-candidato do PSL gravou um vídeo com a PM e seu marido no qual elogia sua atitude, "ainda mais por ser mulher". "Eu acho que protege muito mais a mulher do que a lei do feminicídio uma pistola na bolsa", afirmou.

França, Bolsonaro e a própria Sastre têm motivos para investir eleitoralmente no episódio. Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública calculou o medo da população a partir de um índice em que 0 significa nenhum medo e 1 muito medo de sofrer todos os tipos de violência. A média do temor chega a 0,68 - sendo que o índice dos 25% que mais medo sentem é de 0,98.

Usando e abusando desse sentimento e dos números recordes de violência, pré-candidatos exploram discurso duros na busca de votos. Além de Bolsonaro e França, o presidenciável tucano Geraldo Alckmin também investiu na estratégia.

Para Renato Sérgio de Lima, sociólogo e diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o descontrole da violência junto com o debate sobre a corrupção eclodiu em um sentimento que algo precisa ser feito, seja o quer for. "Criou-se a tempestade perfeita para que a população ceda a tentações autoritárias. E mais: ceda a discursos salvacionistas, de salvadores da pátria. São lideranças que falam aquilo que as pessoas estão querendo ouvir em função do medo", explica.

“Temos quase como um pedido de socorro da população para alguma perspectiva de futuro, de ordem, que ninguém está conseguindo atender. As pessoas estão não só decepcionadas, mas completamente cansadas de um discurso tradicional, de promessa vazia. Aí quando se tem um discurso radical, de direita, que oferece soluções mesmo que extralegais, surge um certo encanto por isso."

Lima classifica o ato de França como "esdrúxulo". "Nenhum governo deveria usar uma situação como a da cabo, que precisou atirar, para fazer propaganda política. Foi um marketing político gigantesco, ele agradou um segmento grande da população e com a grita geral que se deu na imprensa ele acabou sendo conhecido, algo que ele não era. Estava em desvantagem em relação a [João] Doria”, afirma.

Questionado sobre a homenagem à polícia militar, Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública, não quis comentar: “Não me cabe, como ministro, autoridade administrativa, contestar atos do governador de São Paulo. Acho que ele tem suficiente discernimento para tomar a decisão que lhe couber. Então eu não vou me posicionar a essa história".

O secretário de segurança pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho, assim como o chefe da PM, o coronel Marcelo Vieira Salles, compareceram à homenagem à cabo.

Salles afirmou a CartaCapital que a homenagem não teve o intuito de passar a imagem de que a polícia que mata deve servir de exemplo. Segundo ele, as forças de segurança devem agir somente em cima do excludentes de criminalidade, como a legítima defesa. “Eu compareci junto ao governador e não houve o condão de celebrar a morte. Foi justamente de apoiá-la. Porque a difusão foi muito grande”.

Após a celebração, ao menos outros dois casos como o dela foram divulgados na mídia. Nenhum deles ficou imune a mortos e feridos.

O primeiro ocorreu em uma farmácia no Guarujá, onde um policial militar reagiu a uma tentativa de assalto e disparou contra o ladrão, que morreu. Outro caso foi um assalto a uma padaria no Morumbi, zona sul da capital paulista, em que o policial civil também reagiu a um roubo. Na troca de tiros, ele foi baleado e seu amigo foi morto.

Maurício dos Santos, sargento da reserva que atuava na Corregedoria da PM, afirmou recentemente a Folha de S. Paulo que defende o desarmamento de policiais nos horários de folga. Segundo ele, a medida diminuiria a quantidade de mortes, especialmente nos casos de roubos.

Alckmin não chegou a comentar sobre a homenagem à PM feita por seu ex-vice, mas também tem buscado se consolidar como um presidenciável comprometido com a pauta da segurança, algo natural para quem sempre defendeu o discurso de ordem como governador. O seu objetivo também é tentar captar votos de quem atualmente apoia Bolsonaro.

Sem chegar aos dois dígitos de intenção de votos, segundo pesquisa mais recente do CNT/MDA, ele defendeu facilitar o porte de armas no campo um dia depois de outro presidenciável, Jair Bolsonaro, do PSL, propor a distribuição de fuzis aos produtores rurais.

O número de mortes em conflitos agrários bateu recorde em 2017, com 70 assassinatos - o maior desde 2003 de acordo com a Pastoral da Terra.

Para Lima, ainda que Alckmin diga ser defensor do Estatuto do Desarmamento, o tucano tenta captar os votos que estão indo para o ex-militar. “Ele busca enfraquecer o discurso do Bolsonaro, fazendo um discurso de centro-direita, tentando ser a alternativa ao Bolsonaro. Ele quer ser aquela centro-direita em que 'as pessoas já sabe o que esperar'”, afirma.

De acordo com o sociólogo, o tucano não tem espaço na centro-esquerda. “Ele disputa o mesmo perfil de eleitor do Bolsonaro porque do centro para a esquerda está congestionado com as opções, então ele tem que fazer seus movimento do centro para direita. É um lance de gerenciamento político nacional”

A proposta do tucano e do próprio Bolsonaro para facilitar o porte de armas no campo vai contra com o que pensa Jungmann. “Sempre fui um defensor histórico do Estatuto do Desarmamento e do controle de armas. Se um cidadão comprova a necessidade tem condições psicológicas de ter um porte de arma, eu acho que a lei tem que ser seguida. Agora, acredito eu que quanto mais armas em circulação, maior a possibilidade de acontecer casos de violência dolosa e fatal."

Para Lima, os discursos que alimentam o medo e o ódio ganham espaço em razão da confiança da sociedade no uso da força como resposta eficaz no combate à criminalidade.

"As pessoas aceitam que a violência continue sendo uma das linguagens correntes da nossas relações sociais. É importante que a gente frise, em termos sociológicos, que ela faz parte da história social e política do país desde a sua colonização e nós nunca interditamos nem moral nem politicamente essa violência. A gente aceita. Num descontrole da violência, o medo é um péssimo conselheiro porque, quando se transforma em terror, paralisa. A partir daí se tem um ambiente propício para oportunistas explorarem e se venderem como salvadores da pátria."

O que falta, afirma o sociólogo, é uma liderança que transforme o tema em um discurso coletivo, uma vez que o que tem sido colocado em pauta são falas no plano individual de armar a população e que a propriedade está acima da vida.

Lima faz críticas sobre a ausente da esquerda do debate da Segurança Pública, que não tem apresentado contrapontos para o discurso mais radical que vem sendo apoiado por parte considerável do eleitorado.

"Os governos do PT foram governos muito tímidos na Segurança Pública, extremamente omissos em conduzir reformas que de fato fizesse a diferença, tanto no plano federal, como no plano estadual. Claro que existem gloriosas exceções, mas no geral, os governos de esquerda dependiam sempre da liderança de um político mais próximo ao tema, como o Eduardo Campos em Pernambuco, e foram deixando essas agendas para setores do tipo Bolsonaro."

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