terça-feira, 24 de julho de 2018

A rebelião integralista de 1938

Por Augusto C. Buonicore, no site da Fundação Maurício Grabois:

Este ano completaram-se 80 anos da chamada intentona integralista contra o governo Vargas. Algo pouco discutido na nossa historiografia, ao contrário do que acontece com o levante da Aliança Nacional Libertadora (ANL) ocorrido em 1935. Este último acontecimento sempre foi demonizado pelas classes dominantes como símbolo do espírito violento da esquerda comunista. O dia 25 de novembro era anualmente exorcizado nos quartéis em solenidades anticomunistas.

Recentemente a professora Marly de Almeida Gomes Vianna, especialista nos estudos sobre a ANL, publicou um importante artigo no livro-coletânea Militares e política no Brasil, lançado pela editora Expressão Popular. Na entrevista abaixo, dada ao historiador Augusto Buonicore, Marly nos fornece um retrato mais preciso do que foi a rebelião de maio de 1938.

Fale-nos um pouco sobre a criação da Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado. Ela parece ter sido o desaguadouro natural de todas as correntes reacionárias existentes no país no início do século XX.

Foi, sem dúvida. Uma série de pequenos partidos – como Partido Fascista Brasileiro, Ação Social Brasileira (Partido Nacional Fascista), Legião Cearense do Trabalho, Legião de Outubro, Partido Nacional Sindicalista, Partido Nacional de São Paulo, Partido Nacional Regenerador – iriam todos desaguar na Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado. Plínio era um intelectual obscuro. Participara da Semana de Arte Moderna e do grupo Verde Amarelo (ou Anta) que dela se separou – ou melhor, divergiu do grupo progressista de Mário e Oswald de Andrade.

Plínio Salgado estava na Itália, quando da Revolução de 1930. Lá, encantou-se com Mussolini e ao voltar ao Brasil organizou a Ação Integralista Brasileira, lançada em outubro de 1932. A AIB, no entanto, só passou a ter maior atuação a partir de 1934, ao mesmo tempo em que aumentavam as manifestações da esquerda, às quais se opunha violentamente.

Qual a diferença entre o integralismo brasileiro e o fascismo italiano?

Penso que a maior dela é não ter chegado ao poder. Mas houve diferenças. Apesar de ser antissemita, pois de acordo com a demagogia nazi-fascista eram os judeus os responsáveis pelo capitalismo internacional que diziam combater, o movimento não era racista no sentido de inventar uma “raça pura”. O povo eleito que diziam ser o brasileiro, que formaria uma Quarta Humanidade, era fruto da miscigenação. Enalteciam o negro e o índio, em especial o índio, de quem diziam ter tirado a saudação “anauê”.

A exaltação da guerra e a busca de um espaço vital também não tinham espaço no Brasil, mas não deixou de haver certo culto à violência.

As semelhanças entre integralismo e fascismo são maiores quanto: à proposta de criação de um Estado corporativo, ao anticomunismo, que sempre foi o cimento a unificar a extrema-direita, ao desprezo pelas instituições liberais e à proposta de um governo forte; à formação de grupos paramilitares; ao culto à obediência a um líder carismático, o “chefe” (como o duce); ao apelo à mística, às grandes marchas, ao uniforme, à saudação nazi-fascista, aos apelos à juventude. Podem parecer apenas questões de aparência, mas com elas tentavam recrutar as massas para unificá-las num só partido.

Porque os integralistas romperam com o governo Vargas logo no início do Estado Novo, que eles haviam ajudado a implantar?

Porque, buscando apoio para a implantação da ditadura do Estado Novo (e também pensando em possível utilização de suas milícias), Vargas sugeriu, através de vários interlocutores de Plínio Salgado, que o novo regime tivesse por base as propostas integralistas e que Plínio fosse o novo ministro da Educação. Isso fortaleceu as simpatias integralistas por Vargas (que já eram grandes desde a derrota das rebeliões da ANL de novembro de 1935) e gerou um entusiástico apoio à ditadura que se preparava. É conhecida a marcha em homenagem a Vargas, que os integralistas organizaram, a 1º de novembro de 1937. Cerca de 25 mil deles, reunidos na frente do Hotel Glória, desfilaram até o Palácio do Catete onde Vargas, da sacada, recebeu sorridente suas saudações.

Mas, para fúria dos camisas-verdes, mal estabelecido o novo regime ditatorial, Getúlio proibiu todos os partidos políticos, inclusive o integralista. Os integralistas argumentaram, em vão, que não constituíam um partido, mas uma “ação” (um movimento); mas não adiantou. Tentaram então transformar-se numa Associação Brasileira de Cultura, o que também não foi permitido. Aí passaram a fazer-lhe ferrenha oposição, declarando que haviam sido traídos, humilhados e ofendidos.

A intentona integralista, ocorrida em maio de 1938, quase desapareceu da historiografia brasileira, enquanto o levante de 1935 foi, durante décadas, anualmente exorcizado em festejos organizados pelas Forças Armadas. Qual a razão disso?

O virulento anticomunismo de nossa sociedade. Embora eu considere que a chamada intentona integralista tenha sido muito mais militar do que integralista, estes participaram dela. A maioria dos integralistas presos era de militares que nada tinham contra a ditadura, muito pelo contrário. Estavam contra por não participarem dela em postos de direção. Mas principalmente porque as classes dominantes não consideravam os integralistas um perigo para a sociedade burguesa. Por isso, tratou-se de minimizar o ocorrido. Já os levantes de novembro de 1935, que foram também principalmente militares, contando com o apoio dos comunistas – e com sua principal figura, Luiz Carlos Prestes –, tinham um programa democrático de governo: era anti-imperialista e pela reforma agrária. Isso incomodava.

Embora se refira a rebeliões integralistas, você parece não concordar integralmente com essa denominação. Qual foi, de fato, o papel dos integralistas naquela tentativa de derrubar Vargas?

A meu ver, e creio não ser difícil comprovar isso, as rebeliões de maio foram planejadas e dirigidas por militares de alta patente. Os integralistas participaram delas, mas não eram seus dirigentes principais, contribuíram mais no terreno da logística. Na direção da ação, nos planos da ação – e no apoio que teriam caso conseguissem derrubar Vargas –, estavam militares. As figuras de maior destaque eram o coronel Euclydes Figueiredo e o tenente Severo Fournier – nenhum dos dois integralistas. Caso o movimento tivesse sucesso, o chefe da nação seria o general João Cândido Pereira de Castro Júnior. O general, que buscou – e obteve – amplo apoio nos meios militares, foi preso e, apesar de absolvido mais tarde, chegou a cumprir um ano e meio de pena, sendo depois colocado na reserva. Estava clara para os tribunais da época – o Tribunal de Segurança Nacional – a responsabilidade dos militares. Contudo, não interessava ao governo, cujo apoio principal era o Exército, evidenciar tal participação.

Os integralistas civis, como disse, deram apoio logístico – casas para reuniões, arrecadação de dinheiro – e tentaram recrutar a militância, que estaria às ordens dos chefes militares. Mas foi um fracasso.

Poderia descrever brevemente aquela revolta. À primeira vista pareceu-me bastante desorganizada.

Sim, foi muito desorganizada. O plano da rebelião foi elaborado pelo tenente Severo Fournier, que contou com a assessoria do coronel Euclydes Figueiredo, de quem tinha sido ajudante de ordens na Revolta paulista de 1932.

Em março de 1938 tinha havido uma frustrada tentativa de golpe. A polícia conseguiu prender os que pretendiam praticar ações “revolucionárias” antes que elas se concretizassem. Os rebeldes pretendiam atacar os quartéis do 5º e do 2º Batalhões da Polícia Militar. Os militantes deveriam estar concentrados na rua Primeiro de Março (à espera de desembarque de marinheiros), na Praça da República, perto da Polícia Central. Mas foram denunciados. Otávio Mangabeira e o coronel Euclydes Figueiredo foram presos e Plínio Salgado, que desde o Estado Novo participava da conspiração, foi para São Paulo com outros integralistas conhecidos.

Apesar da prisão de Euclydes Figueiredo, Severo Fournier, em contato com ele, continuou a conspirar, e nova rebelião foi marcada para o dia 11 de maio, quando um oficial de dia comprometido com a revolta estaria no comando da guarda do Palácio Guanabara – residência de Vargas e um dos pontos principais do ataque.

O Plano de Operações de Severo Fournier era otimista quanto ao apoio militar nos estados do Pará, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Só na Bahia e no Espírito Santo contavam principalmente com os integralistas. No Rio Grande do Sul tinham sólido apoio em Flores da Cunha. Sobre as milícias integralistas, Fournier informou que dispunha dos homens necessários.

Entre os conspiradores militares, a maioria era oposição a Getúlio Vargas desde 1930 e 1932. Já os integralistas só se colocaram no campo da oposição a partir do Estado Novo.Os militares contavam com figuras como o coronel Euclydes Figueiredo e o general Castro Jr. (este chefe-maior do movimento). Eram essas as principais cabeças da ação.

Do lado civil-integralista, os dois mais importantes chefes eram os médicos Belmiro Valverde e Raymundo Barbosa Lima, responsáveis principalmente pela logística – como conseguir casas, dinheiro e armas, tentando mobilizar a militância integralista que teve uma atuação pífia.

Além do Guanabara, os revoltosos planejaram ataques às instituições e à residência de autoridades. Alguns alvos, especificamente militares, como a tomada de navios e unidades da Marinha de Guerra, contavam exclusivamente com a participação de militares. Outras ações reuniam militares e civis. A mobilização previa encontros em diversos pontos da cidade, perto dos alvos estabelecidos. Mas a maioria das ações não chegou a se realizar, por ausência de comando ou por absoluta incompetência dos mobilizados. Das ações que chegaram a ser iniciadas, a esmagadora maioria foi desbaratada de início e as que se realizaram acabaram também em fracasso total.

O palácio Guanabara era o alvo mais importante.O objetivo era prender e depor o presidente da República. Foi comandado pelo tenente Severo Fournier. Desde o início da missão, a confusão foi grande. Nem todos os convocados compareceram e, ao chegar ao palácio, um dos caminhões não desembarcou os atacantes, afastando-se e levando embora muita munição.

Incompreensivelmente – pelo comprometimento do Exército com a revolta –, o socorro a Getulio demorou horas. Em certo momento, Fournier desistiu do ataque. Ele e um pequeno grupo fugiram pelo morro que fica nos fundos do palácio; outro grupo, que não teve a mesma sorte, foi sumariamente fuzilado ali mesmo, o que não se comenta na maioria dos textos sobre o assunto. Entre os mortos estavam os tenentes Teófilo Ottoni Jaccourd, Dionísio Pereira da Silva, Mário Salgueiro Viana, Waldemiro Petrone, José Rodrigues, Luís Cândido, Manoel Gomes Vidal, Artur Pereira de Holanda e o cabo Juvêncio Henrique Pereira Dias.

Outra ação de peso foi o ataque ao Ministério da Marinha, comandado pelo tenente Arnoldo Hasselmann Fairbairns, ferido no ataque que também fracassou.

Havia o plano de atacar a sede da Polícia Militar; outro desastre. O ataque à Chefatura da Polícia nem ocorreu. O responsável pela tomada do Ministério da Guerra desistiu da incumbência no meio do caminho e desapareceu. Isso ocorreu praticamente com tudo o que fora planejado para ficar sob responsabilidade dos grupos integralistas.

Os ataques às residências de personalidades políticas, militares e policiais, apesar da violência de alguns deles, também foi um verdadeiro fiasco.

A conspiração abarcou setores importantes: aos militares autodenominados liberais se juntaram políticos de prestígio, como Otávio Mangabeira e Flores da Cunha.

Plínio Salgado havia fugido para São Paulo, procurando desvincular-se do movimento depois do fracasso de março. Claro que Plínio sabia e apoiava a conspiração, mas a maioria dos integralistas presos procurou livrá-lo de participação na tentativa de golpe, e Plínio não chegou a ser indiciado, apesar de ter sido detido e obrigado a deixar o país, tendo boa acolhida no Portugal salazarista.

Ao contrário do que ocorreu com os que lideraram o levante de 1935, os da rebelião de 1938 trataram de se desvencilhar de todas as responsabilidades por aquele movimento derrotado. Isso de fato ocorreu? Há nisso também diferença no campo moral, além do ideológico?

Ocorreu sim. Os militares de alta patente indiciados trataram de dizer que nada tinham a ver com o golpe. Os militares integralistas citaram os companheiros envolvidos, com raras exceções, como a do tenente Hasselmann Fairbairns. A situação foi completamente diferente da dos revolucionários de 1935: todos assumiram suas responsabilidades, e nenhum oficial delatou qualquer companheiro. É que a ideologia dos de 1935 implicava uma posição ética e moral, ao contrário da dos militantes de extrema-direita.

A tentativa dos integralistas para derrubar Vargas acarretou uma mudança de rumo na política do Partido Comunista do Brasil, que vivia na mais dura clandestinidade e com parte de sua direção nas masmorras. Poderia explicar esse processo?

Eu não estou certa de que foi o golpe dito integralista que acarretou na mudança de rumo no PCB. É verdade que a política de União Nacional surge em 1938, mas surgiu antes do golpe. Por exemplo, A Classe Operária de 28 de abril de 1938 (nº207, de São Paulo) reproduz um documento da direção do partido, de março daquele ano: União Nacional pela democracia. Depois do golpe de 11 de maio, reforça-se tal posição (A Classe Operária de julho de 1938, nº 215 do Rio de Janeiro), dizendo que o golpe mostrava que os comunistas tinham razão ao denunciarem um golpe integralista e a consequente intervenção estrangeira (sic). No mesmo número, saúda o governo por ter derrotado o fascismo, um equívoco a meu ver e, pior, os oficiais presos na Ilha Grande, pela revolta de 1935, escreveram a Getúlio felicitando-o. Nada disso contribuiu para que o partido saísse das catacumbas. Basta lembrar a prisão, em maio de 1940, do que restava da direção nacional e os escândalos que se fizeram quando, nessa ocasião, foram descobertos os restos mortais da Elza Fernandes, que diziam ter sido morta pelos comunistas com o aval de Prestes.

E a figura do tenente Severo Fournier, uma das principais lideranças militares da rebelião de 1938? Prestes, na prisão, tinha uma admiração por ele, e inclusive trocaram cartas. O que os ligava naquele momento?

Penso que duas coisas. A primeira é que Severo Fournier era um idealista que estava lutando contra a ditadura do Estado Novo e que sofria com a repressão – acabou por morrer tuberculoso por causa dela. Era jovem e parecia ser uma pessoa decente. Em segundo lugar, pela identificação que Prestes fez de Fournier com os tenentes que comandou. Na primeira carta que lhe escreveu, comparou-o “a meus bons companheiros de 1924”.

Poderia falar na diferença de tratamento dispensado pelo governo Vargas e pela cúpula das Forças Armadas aos oficiais que participaram do levante da ANL em 1935 e aos que se envolveram na rebelião integralista de 1938?

Os oficiais que se envolveram na rebelião de maio de 1938 foram tratados com consideração (com poucas exceções), e principalmente foram anistiados em pouco tempo; anistia que os fez voltar à ativa. Os de 1935, com exceção dos que saíram na Macedada (anistia concedida pelo Ministro da Justiça José Macedo Soares), em maio de 1937 e foram lutar na Espanha, ficaram presos dez anos, até a anistia de abril de 1945. Levaram mais de 50 anos para serem anistiados e foram todos para a reserva. O governo sabia o que era “fogo amigo” e quais eram os inimigos de classe.

Em 1964 os remanescentes do integralismo novamente se uniram aos liberal-conservadores para derrubar Jango. Que relação existe entre essas duas correntes?

Em relação aos integralistas – que se transformaram no Partido de Representação Popular –, estes sempre estiveram com o poder. O episódio de 1938 deveu-se não a questões político-ideológicas de princípio, mas ao fato de não galgarem o poder como esperavam. Estavam prontos a reconciliar-se com os poderosos e sempre apoiaram o status quo.

Quanto aos militares que participaram do golpe de 1938, tinham, a meu ver, uma total incompatibilidade com Getúlio – não pela ditadura, mas por sua posição em relação ao movimento operário. Combateram Vargas e o que ele representava em relação à política trabalhista, desde 1930. Rebelaram-se em 1932, apoiaram a derrubada de Vargas em 1945, tentaram golpes em 1955, em 1961 e foram por fim vitoriosos em 1964. Como gostavam de repetir, 32 32=64.

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