Por Horacio Rovelli, no site Carta Maior:
O Novo Testamento nos fala dos quatro cavaleiros do apocalipse, que são a peste, a guerra, a fome e a morte, esta última monta um cavalo de pelagem marrom.
Podemos comparar a fuga de capitais, para salvar os lucros das empresas estrangeiras que operam na Argentina, ou o déficit da balança comercial e a dolarização do déficit fiscal – que, por imperícia e maldade manifesta do governo de Macri, foram exacerbados, sem limites ou restrições de nenhum tipo. E quando os bancos, que são os mesmos que propiciaram a eliminação de restrições para entrar e tirar dinheiro da Argentina, e lideraram a colocação de títulos de dívida no exterior (falamos do JP Morgan, Merril Lynch, Deustche Bank, HSBC, Stanley Morgan, entre outros), decidiram que era momento de sair, foram os principais compradores de dólares do Banco Central, que vendeu segundo a cotação oficial. Um grande negócio para eles, por transformar ao dólar os seus já grandes lucros em pesos, através de títulos e ações, fazendo estourar a bolha criada pelo governo, que aceitou e aceita todas as suas imposições, já que se trata de um grande negócio para o capital financeiro.
Nesse cenário de corrida cambiária, o governo argentino faz um acordo com o FMI, um duríssimo plano de ajuste fiscal, monetário e inflacionário, com “liberdade” cambiária, similar ao que impuseram a Eduardo Duhalde assim que este assumiu a Presidência, no dia 2 de janeiro de 2002, quando o plano de convertibilidade e tipo de câmbio fixo de um dólar um peso, havia voado pelos ares, junto com o governo de De la Rúa.
Recordemos que em abril daquele ano 2002, o dólar valia 4 pesos argentinos, no mercado de Montevidéu, que funciona quase como um mercado paralelo. A teoria econômica nos diz que a desvalorização – a brutal desvalorização de 50% neste ano, até agora – leva a uma queda do poder aquisitivo dos salários, pelo Teorema de Carlos Díaz Alejandro, que diz existe na Argentina uma relação inversamente proporcional entre o valor do dólar e o valor dos salários, e se o dólar sobe o salário real cai. Como mais de 70% do que se produz vai ao mercado interno – depende da capacidade aquisitiva do salário – e o que se vende ao exterior é basicamente o mesmo que se consome – consumimos relativamente pouca soja, mas a substituímos por outros cultivos, e pela criação de animais, incrementando seu preço, por deixar menos hectares de terras às plantações, e não as melhores –, razão pela qual a busca para que os salários em dólares na Argentina sejam menores que no Brasil pode levar a uma recessão que será tão profunda quanto a queda do poder aquisitivo dos que trabalham.
Dois traders no Banco Central: Sturzenegger e Macri
Nesse cenário de corrida cambiária, o governo decide demitir o inútil Federico Sturzenegger e todos os infradotados diretores que o secundavam no Banco Central, que emitiam títulos chamados lebacs (letras do Banco Central) que absorviam a quantidade de dinheiro que se criava ao ingressar os dólares da dívida que o Tesouro da Nação tomava, de tal forma que esses mesmos título passaram de 296 bilhões em 9 de dezembro de 2015 a $1.2 trilhão em 19 de junho de 2018 – valores que se renovam majoritariamente de forma mensal.
Então, Macri apela a Luis Caputo, seu ex-ministro das Finanças e primo de seu maior sócio empresarial (Nicolás Caputo, seu vizinho de Country Club), nomeando-o presidente do Banco Central, e colocando Gustavo Cañonero, o segundo era chefe do primeiro no Deustche Bank, e ambos esboçaram a ação pela qual o Fundo de Investimentos Franklin Templeton, diante do vencimento de lebacs no dia 15 de maio, apareceu vendendo ao Tesouro da Nação cerca de 3 bilhões para comprar títulos de dívida em pesos a 3, 6 e 8 anos de prazo.
Obviamente, temos todas as razões para supor que os fundo Franklin Templeton, Black Rock e outros que ingressaram dólares – supõe-se que por cima dos 25 pesos – e que compraram botes (bônus do Tesouro da Nação) por 73,2 bilhões de pesos (U$S 3 bilhões de dólares) a uma taxa em pesos de 20% anual – alguns com vencimentos para 2021, outros para 2023 e outros mais para 2026 – foram os que compraram dólares a 20 pesos de Sturzenegger, dias antes.
De outra forma, não se explica a jogada desses traders, de vender dólares e comprar títulos em pesos. Como se pudéssemos explicar o freio e até a baixa do preço do dólar (por baixo dos 28 pesos na compra) destes dias, mas é um fenômeno temporário, de um par de meses, como tudo no governo de Macri. E dizemos que é temporário porque por um lado o Banco Central, no acordo como Fundo Monetário Internacional (FMI), criou um mecanismo que consiste em:
Primeiro: o Banco Central compra lebacs dos bancos, através da emissão de pesos.
Segundo: com esses pesos, os bancos compram outros títulos, chamados letes 2020 (letras do Tesouro, que vencem no ano de 2020), emitidos pelo Tesouro da Nação, e que são em pesos, mas que se ajustam pelo valor do dólar.
Terceiro: os bancos compram letes, aos quais o Banco Central impôs que não podem ter mais de 5% do seu RPC (Responsabilidade Patrimonial Computável) em divisas (até agora era de 10%), mas se são letes podem chegar até os 30% do seu patrimônio.
Quarto: com os pesos dessa colocação de letes, o governo pagaria a dívida por títulos intransferíveis – os chamados fondea, que eram títulos de dívida intransferíveis do Tesouro da Nação, emitidos na época dos Kirchner para pagar dívida externa, o que contrai a base monetária.
Quinto e último passo: os bancos aos quais subiram o efetivo mínimo, que é a parte dos depósitos que captam e que devem deixar no Banco Central, podem constituir os encaixes em botes 2020, com o que se passa a remunerar os encaixes.
Junto com isso, a pressão sobre os exportadores de grãos, de restabelecer as retenções (direitos de exportação) e/ou frear o processo de redução do 0,5% mensal das retenções de soja, o que os leva a se comprometer com liquidar exportações por cerca de 400 milhões de dólares por semana, e com isso aparece a ponta vendedora de dólares no mercado de câmbio local, além dos 15 bilhões entregues pelo FMI, os quais foram leiloados diariamente até os 100 milhões, para controlar o valor do dólar.
Mas a realidade não é tão simples, nem linear. No acordo assinado com o FMI, o governo se comprometeu com uma flutuação limpa do tipo de câmbio. Após o primeiro desembolso da ordem de 15 bilhões de dólares, no dia 20 de junho, estão planejados desembolsos trimestrais de 3 bilhões até junho de 2021, sempre e quando se cumpram as férreas condições exigidas, entre elas, que a inflação não dispare.
Mas existe na Argentina um fator a mais nesse contexto, que é a sua classe dominante, cujo objetivo é tirar dólares do país, razão pela qual, independentemente das datas de vencimento dos títulos e do aumento da dívida externa do macrismo, o governo deve priorizar principalmente a demanda de dólares do 1% da população argentina que tem em seus ativos financeiros fora do país o equivalente ao produto interno bruto nacional (cerca de 500 bilhões de dólares), e que, na gestão de Macri, já compraram dólares e retiraram do país mais de 45,7 bilhões de dólares, segundo o balanço cambiário do Banco Central.
Conclusão
O governo de Macri nunca teve um plano, nem um programa a seguir, ofereceu pequenos negócios de diversas índoles, dolarizou os principais preços (combustível, gás, água, eletricidade, etc) confiando em que entrariam divisas, tanto que previam uma “chuva de investimentos”, e o único que chegou foi uma dívida, pelo déficit fiscal, que eles também dolarizaram ao financiá-lo com dívida externa.
Agora voltam seu pensamento mágico à crença numa suposta boa vontade dos financistas – que já fugiram com cerca de 13 bilhões de dólares este ano – e sobretudo dos setores mais ricos do país (ao qual eles pertencem), torcendo para esses não peguem seus dólares e tirem ainda mais dinheiro da economia argentina, apesar de ser o que eles mais fizeram nas últimas semanas.
Mas que inocência, essa crença se confunde com a convicção desse setor mais rico, de que eles devem viver como os mais privilegiados deste planeta e o povo argentino como se fossem as colônias africanas. Nem ex-presidentes históricos e também elitistas como Mitre e Sarmiento animaram a tanto. É hora de fazer com que as coisas se ponham em seu lugar, a greve massiva do dia 25 de junho demonstra já não há confiança no governo, e muitos (muitos mesmo) dos que votaram por ele também perderam a paciência. Os cavaleiros do apocalipse cavalgam, mas destroem tudo pelo caminho.
* Hugo Rovelli é economista especializado em temas tributários e monetários. Professor de Política Econômica na Universidade de Buenos Aires. Ex-diretor de Políticas Macroeconômicas do Ministério da Economia. Texto distribuído pelo Centro Latino-Americano de Análise Estratégica
www.estrategia.la
O Novo Testamento nos fala dos quatro cavaleiros do apocalipse, que são a peste, a guerra, a fome e a morte, esta última monta um cavalo de pelagem marrom.
Podemos comparar a fuga de capitais, para salvar os lucros das empresas estrangeiras que operam na Argentina, ou o déficit da balança comercial e a dolarização do déficit fiscal – que, por imperícia e maldade manifesta do governo de Macri, foram exacerbados, sem limites ou restrições de nenhum tipo. E quando os bancos, que são os mesmos que propiciaram a eliminação de restrições para entrar e tirar dinheiro da Argentina, e lideraram a colocação de títulos de dívida no exterior (falamos do JP Morgan, Merril Lynch, Deustche Bank, HSBC, Stanley Morgan, entre outros), decidiram que era momento de sair, foram os principais compradores de dólares do Banco Central, que vendeu segundo a cotação oficial. Um grande negócio para eles, por transformar ao dólar os seus já grandes lucros em pesos, através de títulos e ações, fazendo estourar a bolha criada pelo governo, que aceitou e aceita todas as suas imposições, já que se trata de um grande negócio para o capital financeiro.
Nesse cenário de corrida cambiária, o governo argentino faz um acordo com o FMI, um duríssimo plano de ajuste fiscal, monetário e inflacionário, com “liberdade” cambiária, similar ao que impuseram a Eduardo Duhalde assim que este assumiu a Presidência, no dia 2 de janeiro de 2002, quando o plano de convertibilidade e tipo de câmbio fixo de um dólar um peso, havia voado pelos ares, junto com o governo de De la Rúa.
Recordemos que em abril daquele ano 2002, o dólar valia 4 pesos argentinos, no mercado de Montevidéu, que funciona quase como um mercado paralelo. A teoria econômica nos diz que a desvalorização – a brutal desvalorização de 50% neste ano, até agora – leva a uma queda do poder aquisitivo dos salários, pelo Teorema de Carlos Díaz Alejandro, que diz existe na Argentina uma relação inversamente proporcional entre o valor do dólar e o valor dos salários, e se o dólar sobe o salário real cai. Como mais de 70% do que se produz vai ao mercado interno – depende da capacidade aquisitiva do salário – e o que se vende ao exterior é basicamente o mesmo que se consome – consumimos relativamente pouca soja, mas a substituímos por outros cultivos, e pela criação de animais, incrementando seu preço, por deixar menos hectares de terras às plantações, e não as melhores –, razão pela qual a busca para que os salários em dólares na Argentina sejam menores que no Brasil pode levar a uma recessão que será tão profunda quanto a queda do poder aquisitivo dos que trabalham.
Dois traders no Banco Central: Sturzenegger e Macri
Nesse cenário de corrida cambiária, o governo decide demitir o inútil Federico Sturzenegger e todos os infradotados diretores que o secundavam no Banco Central, que emitiam títulos chamados lebacs (letras do Banco Central) que absorviam a quantidade de dinheiro que se criava ao ingressar os dólares da dívida que o Tesouro da Nação tomava, de tal forma que esses mesmos título passaram de 296 bilhões em 9 de dezembro de 2015 a $1.2 trilhão em 19 de junho de 2018 – valores que se renovam majoritariamente de forma mensal.
Então, Macri apela a Luis Caputo, seu ex-ministro das Finanças e primo de seu maior sócio empresarial (Nicolás Caputo, seu vizinho de Country Club), nomeando-o presidente do Banco Central, e colocando Gustavo Cañonero, o segundo era chefe do primeiro no Deustche Bank, e ambos esboçaram a ação pela qual o Fundo de Investimentos Franklin Templeton, diante do vencimento de lebacs no dia 15 de maio, apareceu vendendo ao Tesouro da Nação cerca de 3 bilhões para comprar títulos de dívida em pesos a 3, 6 e 8 anos de prazo.
Obviamente, temos todas as razões para supor que os fundo Franklin Templeton, Black Rock e outros que ingressaram dólares – supõe-se que por cima dos 25 pesos – e que compraram botes (bônus do Tesouro da Nação) por 73,2 bilhões de pesos (U$S 3 bilhões de dólares) a uma taxa em pesos de 20% anual – alguns com vencimentos para 2021, outros para 2023 e outros mais para 2026 – foram os que compraram dólares a 20 pesos de Sturzenegger, dias antes.
De outra forma, não se explica a jogada desses traders, de vender dólares e comprar títulos em pesos. Como se pudéssemos explicar o freio e até a baixa do preço do dólar (por baixo dos 28 pesos na compra) destes dias, mas é um fenômeno temporário, de um par de meses, como tudo no governo de Macri. E dizemos que é temporário porque por um lado o Banco Central, no acordo como Fundo Monetário Internacional (FMI), criou um mecanismo que consiste em:
Primeiro: o Banco Central compra lebacs dos bancos, através da emissão de pesos.
Segundo: com esses pesos, os bancos compram outros títulos, chamados letes 2020 (letras do Tesouro, que vencem no ano de 2020), emitidos pelo Tesouro da Nação, e que são em pesos, mas que se ajustam pelo valor do dólar.
Terceiro: os bancos compram letes, aos quais o Banco Central impôs que não podem ter mais de 5% do seu RPC (Responsabilidade Patrimonial Computável) em divisas (até agora era de 10%), mas se são letes podem chegar até os 30% do seu patrimônio.
Quarto: com os pesos dessa colocação de letes, o governo pagaria a dívida por títulos intransferíveis – os chamados fondea, que eram títulos de dívida intransferíveis do Tesouro da Nação, emitidos na época dos Kirchner para pagar dívida externa, o que contrai a base monetária.
Quinto e último passo: os bancos aos quais subiram o efetivo mínimo, que é a parte dos depósitos que captam e que devem deixar no Banco Central, podem constituir os encaixes em botes 2020, com o que se passa a remunerar os encaixes.
Junto com isso, a pressão sobre os exportadores de grãos, de restabelecer as retenções (direitos de exportação) e/ou frear o processo de redução do 0,5% mensal das retenções de soja, o que os leva a se comprometer com liquidar exportações por cerca de 400 milhões de dólares por semana, e com isso aparece a ponta vendedora de dólares no mercado de câmbio local, além dos 15 bilhões entregues pelo FMI, os quais foram leiloados diariamente até os 100 milhões, para controlar o valor do dólar.
Mas a realidade não é tão simples, nem linear. No acordo assinado com o FMI, o governo se comprometeu com uma flutuação limpa do tipo de câmbio. Após o primeiro desembolso da ordem de 15 bilhões de dólares, no dia 20 de junho, estão planejados desembolsos trimestrais de 3 bilhões até junho de 2021, sempre e quando se cumpram as férreas condições exigidas, entre elas, que a inflação não dispare.
Mas existe na Argentina um fator a mais nesse contexto, que é a sua classe dominante, cujo objetivo é tirar dólares do país, razão pela qual, independentemente das datas de vencimento dos títulos e do aumento da dívida externa do macrismo, o governo deve priorizar principalmente a demanda de dólares do 1% da população argentina que tem em seus ativos financeiros fora do país o equivalente ao produto interno bruto nacional (cerca de 500 bilhões de dólares), e que, na gestão de Macri, já compraram dólares e retiraram do país mais de 45,7 bilhões de dólares, segundo o balanço cambiário do Banco Central.
Conclusão
O governo de Macri nunca teve um plano, nem um programa a seguir, ofereceu pequenos negócios de diversas índoles, dolarizou os principais preços (combustível, gás, água, eletricidade, etc) confiando em que entrariam divisas, tanto que previam uma “chuva de investimentos”, e o único que chegou foi uma dívida, pelo déficit fiscal, que eles também dolarizaram ao financiá-lo com dívida externa.
Agora voltam seu pensamento mágico à crença numa suposta boa vontade dos financistas – que já fugiram com cerca de 13 bilhões de dólares este ano – e sobretudo dos setores mais ricos do país (ao qual eles pertencem), torcendo para esses não peguem seus dólares e tirem ainda mais dinheiro da economia argentina, apesar de ser o que eles mais fizeram nas últimas semanas.
Mas que inocência, essa crença se confunde com a convicção desse setor mais rico, de que eles devem viver como os mais privilegiados deste planeta e o povo argentino como se fossem as colônias africanas. Nem ex-presidentes históricos e também elitistas como Mitre e Sarmiento animaram a tanto. É hora de fazer com que as coisas se ponham em seu lugar, a greve massiva do dia 25 de junho demonstra já não há confiança no governo, e muitos (muitos mesmo) dos que votaram por ele também perderam a paciência. Os cavaleiros do apocalipse cavalgam, mas destroem tudo pelo caminho.
* Hugo Rovelli é economista especializado em temas tributários e monetários. Professor de Política Econômica na Universidade de Buenos Aires. Ex-diretor de Políticas Macroeconômicas do Ministério da Economia. Texto distribuído pelo Centro Latino-Americano de Análise Estratégica
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