Por Glenn Greenwald e Victor Pougy, no site The Intercept-Brasil:
No Brasil, os setores midiático, legal, judiciário e corporativo passaram os últimos três anos insistindo enfaticamente que a corrupção política sistêmica é o problema mais grave do país. Esses setores estavam tão revoltados com a corrupção que se uniram – quase sem espaço para dissidência – em favor da ação mais drástica que pode ser tomada em uma democracia: a remoção de um presidente eleito antes do término de seu mandato.
Estava óbvio desde o início que a indignação frente à corrupção e ao crime não passava de um pretexto – longe de ser o real motivo por trás do impeachment. Ao remover Dilma Rousseff, esses setores conscientemente entregaram de bandeja o poder a verdadeiros criminosos e gângsters, pessoas cujos crimes fazem os truques contábeis de Dilma parecerem tão graves quanto atravessar a rua fora da faixa de pedestres.
Em meio ao panteão de irregularidades que vemos em Brasília no pós-impeachment, as “pedaladas fiscais” parecem tão inofensivas que chega a ser difícil acreditar que as estrelas do jornalismo global e os burocratas do PMDB e do PSDB conseguissem manter um semblante sério enquanto fingiam indignação para as câmeras.
Michel Temer, político fisiológico de carreira instalado na presidência, foi gravado encomendando propinas para silenciar Eduardo Cunha, o gângster que chefiou o processo de impeachment. O mesmo Congresso que discursou espalhafatosamente contra a corrupção passou os últimos dois anos recebendo propina legalizada de Temer para protegê-lo da justiça e mantê-lo no poder.
É uma fraude grande demais para ser explicada em palavras, mas que também dispensa explicações por ser tão óbvia.
Ao longo da corrida eleitoral de 2018, entretanto, vai ficando evidente a farsa que era a máscara ética que vestiam as estrelas da mídia e seus patrões oligárquicos. O que a mídia brasileira agora faz é tão corrupto e obviamente enganoso que faltam palavras para expressar a repulsa que essa conduta merece – mesmo se tomarmos o menos exigente dos critérios como baliza.
Na disputa eleitoral de 2018, a mídia corporativa do país encontra-se abertamente unida em torno da candidatura de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo e figurão do partido do establishment de direita, o PSDB. Para o público americano, ele pode ser descrito como uma versão mais conservadora da Hillary Clinton: ele habita a política há décadas, agindo como um serviçal bancado pelos interesses corporativos, ocupando de maneira inofensiva todos os cargos possíveis, confortavelmente acomodado e se beneficiando das boas relações que tem com o sistema neoliberal que alimenta a corrupção e lubrifica o sistema político.
Ele é o maior guardião do status-quo e da ordem estabelecida. Um candidato tão desprovido de qualquer tipo de carisma que é com frequência comparado a um picolé de chuchu. Em última candidatura à Presidência ele acabou com uma derrota arrasadora para Lula, perdendo no segundo turno por 21 pontos. A um observador americano, Alckmin lembra um Jeb Bush menos ousado, menos empolgante e com menos apoio popular.
Quanto mais o eleitorado brasileiro vê Alckmin, mais ele é rejeitado: nas eleições de 2006, ele realizou um feito quase impossível: obter no segundo turno, quando concorria somente contra Lula, menos votos do que obtivera no primeiro turno, em que disputava votos com diversos outros candidatos.
Por boas razões, a principal estratégia política de Alckmin é se esconder. Ele não realiza comícios, porque ninguém exceto aqueles buscando uma cura para insônia iriam a um comício seu. Sua busca pelo poder depende exclusivamente de acordos de bastidores entre os donos poder, principalmente nas cidades médias no interior de seu reduto eleitoral, São Paulo, realizados no conforto das fortunas oriundas dos interesses oligárquicos a que ele serve – exatamente o sistema de corrupção legalizada que vem destruindo a política Brasileira (e também, a propósito, a política Americana), e o mesmo jogo-sujo com o qual a mídia finge se escandalizar.
Durante todo o ano de 2018, apesar do cada vez menos discreto amor que os órgãos da mídia dominante nutrem por ele, Ackmin vem agonizando anêmicos 6-7% nas pesquisas de intenção de voto. Como acontece nos EUA, no Reino Unido e em toda a Europa, grandes parcelas do eleitorado nutrem um desprezo tão grande pelo establishment que se recusam a votar em alguém que seja por ele apoiado ou associado.
Com o líder das pesquisas, o ex-presidente Lula, preso, – e muito provavelmente impedido de concorrer – os três candidatos que aparecem de maneira consistente como primeiros colocados são vistos (com ou sem razão) como outsiders: o congressista fascista Jair Bolsonaro, que deseja um retorno ao regime militar; Marina Silva, uma ambientalista negra e evangélica de fala mansa e valores conservadores oriunda da Amazônia; e Ciro Gomes, um político de carreira de esquerda extremamente astuto que se vê sem aliados ou coalizão (graças à uma esquerda irremediavelmente fraturada) e que vem tentando afastar a fama de encrenqueiro rebelde que o acompanha por toda vida.
O establishment brasileiro – liderado como sempre pelos enormes conglomerados de mídia controlados por um pequeno grupo de famílias bilionárias – passou o ano de 2018 inteiro em pânico porque, apesar das repetidas tentativas de ressuscitá-lo, o cadáver putrefato de Alckmin continua sem dar sinais de vida.
O pânico do establishment se manifestou na semana passada em uma última tentativa desesperada de salvar Alckmin. O picolé de chuchu anunciou sua coalizão, selando uma ampla aliança em torno do chamado centrão: bloco composto basicamente pelos setores fisiológicos e parasitários do sistema político. Ele também anunciou sua vice: Ana Amélia Lemos, do partido de extrema direita PP (é sintomático da esclerose do sistema político brasileiro que o partido mais à direita do Congresso se chame Partido Progressista).
Para dizer o mínimo, nada nessa aliança pode ser considerado “de centro”. O Partido de Ana Amélia, que será alçado ao poder numa eventual vitória de Alckmin, era o domicílio político de Bolsonaro até 2015. Suas origens remontam ao partido ARENA, que dava sustentação ao regime militar que comandou o país até 1989, tendo chegado ao poder em 1964 com auxílio de um golpe que, com ajuda dos EUA, removeu do poder o governo de esquerda eleito pela população.
Nessa época, Ana Amélia trabalhava como jornalista, defendendo a ditadura nos veículos onde escrevia, e era casada com um senador indicado pelos militares. Sua visão política atual se encaixaria confortavelmente na extrema-direita do espectro político, mesmo nos EUA de Donald Trump.
Há poucas semanas atrás, após a presidenta do PT, Gleisi Hoffman, conceder uma entrevista à Al Jazeera denunciando a prisão de Lula, Ana Amélia subiu ao púlpito do Senado e– numa mistura quase perfeita de ódio xenofóbico e ignorância – confundiu e equiparou “Al Jazeera” e “Al Qaeda”, acusando a presidenta do PT de falar com terroristas e incitar o “Exército Islâmico“ contra o Brasil.
Por mais terrível que isso seja, o extremismo ideológico é a parte menos reveladora dessa equação. Essa enorme coalizão por ora alinhada com Alckmin existe para dar a ele o controle do dinheiro e do tempo de televisão que formam o alicerce das campanhas políticas no Brasil. O plano é enfiar Alckmin goela abaixo do eleitorado com tanta força, com tanto dinheiro, e com tanta propaganda televisiva que ele acabe engolido por pura inércia.
Mas há um fato ainda mais escandaloso, e que deixa ainda mais claro o verdadeiro caráter da mídia brasileira: o partido que virou o principal aliado de Alckmin, o PP de Ana Amélia, é o que tem mais envolvidos em escândalos nos quatro anos de Operação Lava Jato. Dos 56 representantes eleitos pelo partido em nível federal, 31 – mais da metade! – respondem a processos criminais.
Para concorrer à Presidência como um outsider indignado com a corrupção, até Bolsonaro precisou sair dessa lama de corrupção e propina travestida de partido político. Ainda que Ana Amélia não esteja entre os que respondem a acusações na justiça, ela levaria junto consigo para os altos níveis de poder seu partido fundamentalmente corrupto.
Ana Amélia está longe de ser um exemplo de liderança ética: após dedicar sua carreira jornalística à defesa da ditadura, ela iniciou sua carreira política como funcionária fantasma indicada pelo seu marido senador, recebendo salários por seu “trabalho” no Senado ao mesmo tempo que ganhava a vida como “jornalista” pró-militares. É bom lembrar que o próprio Alckmin é acusado de ter recebido milhões de reais em doações ilegais não declaradas – o chamado caixa-dois – em suas campanhas eleitorais anteriores.
É esse, portanto, o grupo de criminosos que pode retornar ao poder, ajudado pelos “especialistas” e comentaristas da GloboNews, que passaram os últimos anos escandalizados com a corrupção e fazendo discursos apaixonados denunciando seus males e alardeando a urgência com a qual ela precisa ser combatida.
Estamos agora prestes a testemunhar um espetáculo revoltante: os mesmos comentaristas-estrela da GloboNews e colunistas políticos “de centro” que exigiram a remoção da presidenta eleita por causa de truques de contabilidade triviais estarão marchando em uníssono em favor de dois dos partidos políticos mais corruptos da América Latina, sendo um deles o detentor do recorde de Mais Parlamentares Acusados na Operação Lava-Jato.
A questão principal da qual as elites nos EUA e no Reino Unido – ainda traumatizadas e incapazes de compreender ou explicar os fenômenos Trump e Brexit – passaram os últimos dois anos tentando fugir desesperadamente está agora mais clara que nunca no Brasil. O autoritarismo não surge aleatoriamente. Demagogos não se criam quando as instituições políticas são saudáveis, justas e igualitárias.
As ameaças à democracia liberal e às liberdades políticas só são possíveis quando a população perde a confiança nas instituições. É nesses momentos que a sociedade se torna vulnerável àqueles que ameaçam – ou prometem – “acabar com tudo isso aí”. É aí que os órgãos de mídia e os chamados especialistas perdem sua habilidade de alertar o público das mentiras e dos perigos: o público, com boas razões, vê essas instituições não como guardiãs contra o perigo e a injustiça, mas como seus responsáveis.
Quando a população vê essas figuras de autoridade como responsáveis pelo seu sofrimento, essas instituições pedem qualquer credibilidade para denunciar Trump, Brexit, Marine Le Pen ou Bolsonaro. Esses alertas se tornam não só inócuos, com também contra-producentes: quanto mais uma figura for odiada pelas autoridades da elite, mais atraente essa figura se torna para o grande público.
As elites nos EUA e no Reino Unido estão aprendendo essa lição da forma mais dolorosa possível. O mesmo se passa agora com as elites brasileiras. O comportamento que estamos testemunhando – união em torno de uma coalizão altamente corrupta, cujo propósito é única e exclusivamente manter e expandir a ordem existente, após anos fingindo querer exatamente o oposto – é justamente o que faz com que essas elites percam toda sua credibilidade para contrapor as ameaças reais à democracia.
Se as elites midiática, financeira e política querem entender porque a democracia brasileira está se desmanchando tão rapidamente, elas não devem perder tanto tempo analisando o fenômeno Bolsonaro. Seria muito mais produtivo uma boa e profunda olhada no espelho.
Estava óbvio desde o início que a indignação frente à corrupção e ao crime não passava de um pretexto – longe de ser o real motivo por trás do impeachment. Ao remover Dilma Rousseff, esses setores conscientemente entregaram de bandeja o poder a verdadeiros criminosos e gângsters, pessoas cujos crimes fazem os truques contábeis de Dilma parecerem tão graves quanto atravessar a rua fora da faixa de pedestres.
Em meio ao panteão de irregularidades que vemos em Brasília no pós-impeachment, as “pedaladas fiscais” parecem tão inofensivas que chega a ser difícil acreditar que as estrelas do jornalismo global e os burocratas do PMDB e do PSDB conseguissem manter um semblante sério enquanto fingiam indignação para as câmeras.
Michel Temer, político fisiológico de carreira instalado na presidência, foi gravado encomendando propinas para silenciar Eduardo Cunha, o gângster que chefiou o processo de impeachment. O mesmo Congresso que discursou espalhafatosamente contra a corrupção passou os últimos dois anos recebendo propina legalizada de Temer para protegê-lo da justiça e mantê-lo no poder.
É uma fraude grande demais para ser explicada em palavras, mas que também dispensa explicações por ser tão óbvia.
Ao longo da corrida eleitoral de 2018, entretanto, vai ficando evidente a farsa que era a máscara ética que vestiam as estrelas da mídia e seus patrões oligárquicos. O que a mídia brasileira agora faz é tão corrupto e obviamente enganoso que faltam palavras para expressar a repulsa que essa conduta merece – mesmo se tomarmos o menos exigente dos critérios como baliza.
Na disputa eleitoral de 2018, a mídia corporativa do país encontra-se abertamente unida em torno da candidatura de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo e figurão do partido do establishment de direita, o PSDB. Para o público americano, ele pode ser descrito como uma versão mais conservadora da Hillary Clinton: ele habita a política há décadas, agindo como um serviçal bancado pelos interesses corporativos, ocupando de maneira inofensiva todos os cargos possíveis, confortavelmente acomodado e se beneficiando das boas relações que tem com o sistema neoliberal que alimenta a corrupção e lubrifica o sistema político.
Ele é o maior guardião do status-quo e da ordem estabelecida. Um candidato tão desprovido de qualquer tipo de carisma que é com frequência comparado a um picolé de chuchu. Em última candidatura à Presidência ele acabou com uma derrota arrasadora para Lula, perdendo no segundo turno por 21 pontos. A um observador americano, Alckmin lembra um Jeb Bush menos ousado, menos empolgante e com menos apoio popular.
Quanto mais o eleitorado brasileiro vê Alckmin, mais ele é rejeitado: nas eleições de 2006, ele realizou um feito quase impossível: obter no segundo turno, quando concorria somente contra Lula, menos votos do que obtivera no primeiro turno, em que disputava votos com diversos outros candidatos.
Por boas razões, a principal estratégia política de Alckmin é se esconder. Ele não realiza comícios, porque ninguém exceto aqueles buscando uma cura para insônia iriam a um comício seu. Sua busca pelo poder depende exclusivamente de acordos de bastidores entre os donos poder, principalmente nas cidades médias no interior de seu reduto eleitoral, São Paulo, realizados no conforto das fortunas oriundas dos interesses oligárquicos a que ele serve – exatamente o sistema de corrupção legalizada que vem destruindo a política Brasileira (e também, a propósito, a política Americana), e o mesmo jogo-sujo com o qual a mídia finge se escandalizar.
Durante todo o ano de 2018, apesar do cada vez menos discreto amor que os órgãos da mídia dominante nutrem por ele, Ackmin vem agonizando anêmicos 6-7% nas pesquisas de intenção de voto. Como acontece nos EUA, no Reino Unido e em toda a Europa, grandes parcelas do eleitorado nutrem um desprezo tão grande pelo establishment que se recusam a votar em alguém que seja por ele apoiado ou associado.
Com o líder das pesquisas, o ex-presidente Lula, preso, – e muito provavelmente impedido de concorrer – os três candidatos que aparecem de maneira consistente como primeiros colocados são vistos (com ou sem razão) como outsiders: o congressista fascista Jair Bolsonaro, que deseja um retorno ao regime militar; Marina Silva, uma ambientalista negra e evangélica de fala mansa e valores conservadores oriunda da Amazônia; e Ciro Gomes, um político de carreira de esquerda extremamente astuto que se vê sem aliados ou coalizão (graças à uma esquerda irremediavelmente fraturada) e que vem tentando afastar a fama de encrenqueiro rebelde que o acompanha por toda vida.
O establishment brasileiro – liderado como sempre pelos enormes conglomerados de mídia controlados por um pequeno grupo de famílias bilionárias – passou o ano de 2018 inteiro em pânico porque, apesar das repetidas tentativas de ressuscitá-lo, o cadáver putrefato de Alckmin continua sem dar sinais de vida.
O pânico do establishment se manifestou na semana passada em uma última tentativa desesperada de salvar Alckmin. O picolé de chuchu anunciou sua coalizão, selando uma ampla aliança em torno do chamado centrão: bloco composto basicamente pelos setores fisiológicos e parasitários do sistema político. Ele também anunciou sua vice: Ana Amélia Lemos, do partido de extrema direita PP (é sintomático da esclerose do sistema político brasileiro que o partido mais à direita do Congresso se chame Partido Progressista).
Para dizer o mínimo, nada nessa aliança pode ser considerado “de centro”. O Partido de Ana Amélia, que será alçado ao poder numa eventual vitória de Alckmin, era o domicílio político de Bolsonaro até 2015. Suas origens remontam ao partido ARENA, que dava sustentação ao regime militar que comandou o país até 1989, tendo chegado ao poder em 1964 com auxílio de um golpe que, com ajuda dos EUA, removeu do poder o governo de esquerda eleito pela população.
Nessa época, Ana Amélia trabalhava como jornalista, defendendo a ditadura nos veículos onde escrevia, e era casada com um senador indicado pelos militares. Sua visão política atual se encaixaria confortavelmente na extrema-direita do espectro político, mesmo nos EUA de Donald Trump.
Há poucas semanas atrás, após a presidenta do PT, Gleisi Hoffman, conceder uma entrevista à Al Jazeera denunciando a prisão de Lula, Ana Amélia subiu ao púlpito do Senado e– numa mistura quase perfeita de ódio xenofóbico e ignorância – confundiu e equiparou “Al Jazeera” e “Al Qaeda”, acusando a presidenta do PT de falar com terroristas e incitar o “Exército Islâmico“ contra o Brasil.
Por mais terrível que isso seja, o extremismo ideológico é a parte menos reveladora dessa equação. Essa enorme coalizão por ora alinhada com Alckmin existe para dar a ele o controle do dinheiro e do tempo de televisão que formam o alicerce das campanhas políticas no Brasil. O plano é enfiar Alckmin goela abaixo do eleitorado com tanta força, com tanto dinheiro, e com tanta propaganda televisiva que ele acabe engolido por pura inércia.
Mas há um fato ainda mais escandaloso, e que deixa ainda mais claro o verdadeiro caráter da mídia brasileira: o partido que virou o principal aliado de Alckmin, o PP de Ana Amélia, é o que tem mais envolvidos em escândalos nos quatro anos de Operação Lava Jato. Dos 56 representantes eleitos pelo partido em nível federal, 31 – mais da metade! – respondem a processos criminais.
Para concorrer à Presidência como um outsider indignado com a corrupção, até Bolsonaro precisou sair dessa lama de corrupção e propina travestida de partido político. Ainda que Ana Amélia não esteja entre os que respondem a acusações na justiça, ela levaria junto consigo para os altos níveis de poder seu partido fundamentalmente corrupto.
Ana Amélia está longe de ser um exemplo de liderança ética: após dedicar sua carreira jornalística à defesa da ditadura, ela iniciou sua carreira política como funcionária fantasma indicada pelo seu marido senador, recebendo salários por seu “trabalho” no Senado ao mesmo tempo que ganhava a vida como “jornalista” pró-militares. É bom lembrar que o próprio Alckmin é acusado de ter recebido milhões de reais em doações ilegais não declaradas – o chamado caixa-dois – em suas campanhas eleitorais anteriores.
É esse, portanto, o grupo de criminosos que pode retornar ao poder, ajudado pelos “especialistas” e comentaristas da GloboNews, que passaram os últimos anos escandalizados com a corrupção e fazendo discursos apaixonados denunciando seus males e alardeando a urgência com a qual ela precisa ser combatida.
Estamos agora prestes a testemunhar um espetáculo revoltante: os mesmos comentaristas-estrela da GloboNews e colunistas políticos “de centro” que exigiram a remoção da presidenta eleita por causa de truques de contabilidade triviais estarão marchando em uníssono em favor de dois dos partidos políticos mais corruptos da América Latina, sendo um deles o detentor do recorde de Mais Parlamentares Acusados na Operação Lava-Jato.
A questão principal da qual as elites nos EUA e no Reino Unido – ainda traumatizadas e incapazes de compreender ou explicar os fenômenos Trump e Brexit – passaram os últimos dois anos tentando fugir desesperadamente está agora mais clara que nunca no Brasil. O autoritarismo não surge aleatoriamente. Demagogos não se criam quando as instituições políticas são saudáveis, justas e igualitárias.
As ameaças à democracia liberal e às liberdades políticas só são possíveis quando a população perde a confiança nas instituições. É nesses momentos que a sociedade se torna vulnerável àqueles que ameaçam – ou prometem – “acabar com tudo isso aí”. É aí que os órgãos de mídia e os chamados especialistas perdem sua habilidade de alertar o público das mentiras e dos perigos: o público, com boas razões, vê essas instituições não como guardiãs contra o perigo e a injustiça, mas como seus responsáveis.
Quando a população vê essas figuras de autoridade como responsáveis pelo seu sofrimento, essas instituições pedem qualquer credibilidade para denunciar Trump, Brexit, Marine Le Pen ou Bolsonaro. Esses alertas se tornam não só inócuos, com também contra-producentes: quanto mais uma figura for odiada pelas autoridades da elite, mais atraente essa figura se torna para o grande público.
As elites nos EUA e no Reino Unido estão aprendendo essa lição da forma mais dolorosa possível. O mesmo se passa agora com as elites brasileiras. O comportamento que estamos testemunhando – união em torno de uma coalizão altamente corrupta, cujo propósito é única e exclusivamente manter e expandir a ordem existente, após anos fingindo querer exatamente o oposto – é justamente o que faz com que essas elites percam toda sua credibilidade para contrapor as ameaças reais à democracia.
Se as elites midiática, financeira e política querem entender porque a democracia brasileira está se desmanchando tão rapidamente, elas não devem perder tanto tempo analisando o fenômeno Bolsonaro. Seria muito mais produtivo uma boa e profunda olhada no espelho.
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