domingo, 9 de setembro de 2018

As eleições e a linguagem do povo

Por Silvio Caccia Bava, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:

As eleições deste ano buscam sensibilizar um eleitorado no qual 49% dos que têm mais de 25 anos ainda não completaram o ciclo do Ensino Fundamental (IBGE); no qual 95 milhões de brasileiros têm renda de até R$ 14 por dia (46%) e 41 milhões, renda entre R$ 14 e R$ 21 por dia (20%); no qual 13,7 milhões de desempregados se somam aos milhões que perderam as esperanças de encontrar uma vaga.

Buscar mantê-los na ignorância, doutriná-los por meio da televisão, controlá-los pela violência parece ser a alternativa adotada pelos donos do poder para tentar submetê-los à sua vontade. Segundo eles, as questões sociais não cabem no orçamento público e os pobres têm de ficar no seu lugar.

O ciclo de eleições da primeira década do século XXI na América Latina mostrou que os pobres não são ignorantes, não estão sujeitos a todo tipo de manipulações e não querem ficar no lugar subalterno destinado a eles pelas elites. Eles querem superar o fosso da desigualdade.

As manifestações populares dizem hoje que eles também não querem as políticas de austeridade que lhes são impostas para garantir os ganhos do 1% mais rico. Mas, na atualidade, uma parte desses mesmos pobres pende para defender seus algozes, iludida por uma santa campanha contra a corrupção que é extremamente seletiva e se concentra em atacar o PT, sobretudo Lula, que lidera com folga todas as pesquisas eleitorais.

O golpe de 2016, que derrubou a presidenta Dilma, os péssimos resultados do governo Temer, a espoliação das maiorias promovida por iniciativas de entidades empresariais como a Fiesp e a CNI (especialmente a reforma trabalhista e a Emenda Constitucional n. 95, que congela por vinte anos os gastos sociais), o desrespeito aos direitos consagrados em nossa Constituição, tudo isso gera o descrédito com a política e com os políticos, colocando perigosamente todos no mesmo saco.

Para estudiosos dos processos eleitorais, a abstenção, somada aos votos brancos e nulos, pode superar os 40% do eleitorado nestas eleições [1], sinal de que esse sistema político já não dá conta de processar os conflitos de interesse em nossa sociedade. Some-se a isso o impedimento legal, que contradiz a Constituição da República, de um candidato com mais de 39% da preferência eleitoral, e temos uma situação inédita [2].

Nesse cenário, o conjunto dos partidos da direita abraça um programa único: o da implantação do ultraliberalismo econômico. Todos defendem o corte nas políticas sociais, o rebaixamento dos salários, a precarização do trabalho, a violência como solução para a criminalidade, as privatizações, entre outras coisas. E encobrem seus propósitos com discursos em prol de uma falsa retomada do desenvolvimento e de um Estado mais eficiente, como se não tivéssemos um registro histórico de que a desigualdade avança com o baixo crescimento da economia e a extinção do Estado social.

Já aqueles que se organizam para a defesa da democracia e dos direitos que estão sendo suprimidos não encontram uma linguagem capaz de sensibilizar a maioria do povo e são ignorados pelos grandes meios de comunicação.

O que significa, para aqueles que suam a camisa no dia a dia para garantir seu sustento e o de sua família, a discussão sobre desenvolvimento sustentável, taxa de câmbio, juros, reforma tributária etc.?

Buscar o engajamento da população em um processo eleitoral significa mobilizar suas expectativas e demandas e estabelecer compromissos que venham a abordar os problemas do cotidiano e propor como enfrentá-los.

O sucesso da campanha de Bernie Sanders para a presidência dos Estados Unidos se deveu à sua linguagem clara e direta e ao seu compromisso com os interesses das maiorias. Sua plataforma tinha como carro-chefe dobrar o salário mínimo e garantir educação pública, gratuita e de qualidade, em todos os níveis. Tais propostas atendem a todos. Embora não tenha ganho a disputa pela candidatura do Partido Democrata, Sanders conseguiu encantar uma parcela importante do eleitorado, especialmente a juventude.

Forma e conteúdo se combinam numa estratégia eleitoral. As propostas claras e objetivas precisam ser apresentadas na linguagem do povo. E aqui está um desafio para as organizações de esquerda, melhor dizendo, para as organizações que defendem a democracia e os direitos humanos, o que abarca um arco mais amplo de organizações, seja do sistema político, seja da sociedade civil.

Mas se falar a linguagem do povo já é um passo gigantesco de aproximação com as maiorias, é importante lembrar que a ação e as identidades políticas se constroem graças aos coletivos que se mobilizam e, assim, criam seus afetos políticos [3]. Casos recentes exemplares foram as caravanas promovidas por Lula pelo país e os comícios realizados ao longo da caravana; as marchas e ocupações do MST; a Marcha das Mulheres Negras; as inúmeras manifestações e passeatas em defesa de direitos; os acampamentos do Levante Popular da Juventude.

Para as grandes maiorias empobrecidas, o que interessa são suas condições de vida e a possibilidade de sonhar com uma vida melhor. Garantir seu emprego e seus direitos trabalhistas; aumentar o salário mínimo; garantir saúde e educação pública, gratuita e de qualidade para todos; garantir a qualidade de vida dos aposentados pela via da Previdência; baixar o preço do botijão de gás. Esses são alguns elementos centrais para atender e mobilizar as maiorias. Tudo ao contrário do que reza a cartilha da austeridade e do liberalismo arcaico preconizada no programa único da direita.

* Silvio Caccia Bava é editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.

Notas

1- Lejeune Mirhan, sociólogo, escritor, pesquisador, professor e analista internacional. Presidiu o Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo e a Federação Nacional dos Sociólogos.

2- Pesquisa Datafolha, divulgada em 22 ago. 2018.

3- Antonio Negri e Michael Hardt, Declaração: isto não é um manifesto, N-1 Edições, São Paulo, 2014, p.31.

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