Por Antonio Martins, no site Outras Palavras:
Nem era preciso. Mas acaba de surgir um novo motivo – uma deliciosa razão – para participar, amanhã, dos inumeráveis atos #elenão, organizados pelos movimentos feministas em centenas de cidades brasileiras. Nos três últimos dias, configurou-se uma possibilidade surpreendente: a de que Jair Bolsonaro esteja ausente do segundo turno. Esta hipótese, há muito desejada pelos que lutamos, fora da estrutura do PT, para manter o país respirável, passou a ser considerada também por parte das elites. Por isso, já não é quimérica. Como chegamos a isso? Quais as possibilidades e riscos? Que fazer, agora?
A série de baques sofridos por Bolsonaro começou na quarta-feira. Falando a lojistas de Uruguaiana (RS), seu candidato a vice, o general Antonio Mourão sugeriu claramente que tanto o 13º salário quanto o adicional de férias deveriam ser extintos, pois pesam para os empresários. Ontem, quando a notícia começou a se espalhar, o próprio Bolsonaro tentou safar-se, contrariando seu companheiro de chapa (e, nesta sexta, ordenando que se cale). Mas o estrago estava feito e a ação de urgência teve efeito contrário ao pretendido. Primeiro, porque eliminar direitos sociais é algo defendido, de modo explícito, por grande parte dos apoiadores de Bolsonaro – por exemplo, o MBL. Segundo porque, entre grupos que se entusiasmam com a cultura militar, soa grosseio que um capitão dê ordens a un general.
A desorientação resultante foi seguida por novo ataque, disparado hoje de onde menos se esperava. A revista Veja trouxe à luz – e destacou em capa escandalosa – o processo que Ana Cristina Valle, ex-esposa do candidato, move contra ele. O ex-militar é acusado tanto de “comportamento explosivo” e “desmedida agressividade” quanto de ocultar patrimônio, furtar jóias e dinheiro e até violar um cofre mantido pela cônjuge em agência bancária. A repercussão, que em condições normais já seria corrosiva, será ampliada porque a defesa da família e do conservadorismo moral é uma das colunas do discurso Bolsonaro; e porque a Veja atinge, em cheio, o núcleo de seu eleitorado clássico.
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A série de baques sofridos por Bolsonaro começou na quarta-feira. Falando a lojistas de Uruguaiana (RS), seu candidato a vice, o general Antonio Mourão sugeriu claramente que tanto o 13º salário quanto o adicional de férias deveriam ser extintos, pois pesam para os empresários. Ontem, quando a notícia começou a se espalhar, o próprio Bolsonaro tentou safar-se, contrariando seu companheiro de chapa (e, nesta sexta, ordenando que se cale). Mas o estrago estava feito e a ação de urgência teve efeito contrário ao pretendido. Primeiro, porque eliminar direitos sociais é algo defendido, de modo explícito, por grande parte dos apoiadores de Bolsonaro – por exemplo, o MBL. Segundo porque, entre grupos que se entusiasmam com a cultura militar, soa grosseio que um capitão dê ordens a un general.
A desorientação resultante foi seguida por novo ataque, disparado hoje de onde menos se esperava. A revista Veja trouxe à luz – e destacou em capa escandalosa – o processo que Ana Cristina Valle, ex-esposa do candidato, move contra ele. O ex-militar é acusado tanto de “comportamento explosivo” e “desmedida agressividade” quanto de ocultar patrimônio, furtar jóias e dinheiro e até violar um cofre mantido pela cônjuge em agência bancária. A repercussão, que em condições normais já seria corrosiva, será ampliada porque a defesa da família e do conservadorismo moral é uma das colunas do discurso Bolsonaro; e porque a Veja atinge, em cheio, o núcleo de seu eleitorado clássico.
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Muito mais importante que a denúncia é analisar o que a motivou. Há poucas semanas, o poder econômico mantinha um sólido casamento de interesses com Bolsonaro. O real valorizava-se e a bolsa de valores avançava a cada pesquisa em que o candidato fascista crescia. Mas há dez dias surgiram sinais de desamor. A revista Economist, referência global do pensamento capitalista, alertou que o programa claramente anti-social de Bolsonaro, somado a sua truculência, poderiam, ao final, produzir um cenário caótico – eportanto, prejudicial aos negócios. Em seguida, Geraldo Alckmin, que parecia conformado com a derrota, passou disparar golpes duros e seguidos contra seu adversário. Procura, em especial, apresentar-se como a opção segura do conservadorismo para vencer o PT.
Nas últimas semanas, o movimento #elenão transformou-se num poderoso fator de politização e mobilização. Se as manifestações deste sábado forem de fato gigantescas, o círculo poderá se fechar – e as chances de um segundo turno sem Bolsonaro serão mais reais que nunca. Há dois caminhos possíveis para enxergar esta mudança.
O primeiro é temê-la, a partir de um cálculo eleitoral – presente em especial na campanha de Haddad. Implica escolher Bolsonaro como adversário desejável no segundo turno. Considera que a vitória do candidato do PT é mais provável contra o ex-capitão. Levou o ex-prefeito de São Paulo a uma campanha que começou potente (ao contrapor as conquistas sociais da era Lula aos retrocessos pós-golpe), mas que agora hesita em combater seu oponente fascista, em convocar o #elenão ou em se posicionar sobre os grandes impasses e as escolhas decisivas que o país enfrentará após as eleições.
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O segundo caminho é apostar no #elenão, comemorar o declínio de Bolsonaro, aproveitar a brecha que se abre e trabalhar concretamente por um possível segundo turno entre Haddad e Ciro. Significará uma virada completa no ambiente eleitoral e político. Afastará a ameaça fascista; os desfiles de grupos quase-paramilitares na praia de Copacabana; as vociferações dos generais sobre os rumos do país; o medo real de acordarmos sem futuro e acuados, em 29 de outubro – ao som dos berros de júbilo das hordas vestidas de amerelo.
Permite, além disso, rejeitar outra sombra. Num eventual segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, o candidato do PT será levado a firmar todos os acordos possíveis com o centro, a direita “civilizada” e os “mercados”; pagará o preço por estes compromissos, num governo limitado em seu nascedouro; e os apresentará como a única alternativa possível. A possível disputa com Ciro produzirá, ao contrário, uma dinâmica à esquerda. Afastada a ameaça de retrocesso, os candidatos precisarão conquistar o eleitorado aprofundando seu discurso – e seus compromissos – em favor de uma virada. Entrarão em pauta a revogação das medidas antipopulares adotadas após o golpe de 2016, a necessidade de uma Reforma Política capaz de enfrentar o conservadorismo do Congresso, da mídia e do Judiciário; a possibilidade de um novo projeto de país.
Um segundo turno entre Haddad e Ciro exige, de ambos os candidatos, uma flexão tática. Nenhum deles pode, é claro, deixar de defender sua própria postulação. Mas cabe, em suas narrativas, um importante deslocamento. Ao invés de apenas exaltar suas próprias características individuais (o vínculo com Lula, no caso de Haddad; a suposta “competência” e “preparo” no caso de Ciro), cada um deles ganhará muito se realçar a denúncia didático-política do que se passou com o Brasil nos últimos dois anos – e, em especial, as alternativas. Isso lhes permitirá ampliar o desgaste de Bolsonaro (que votou a favor de todas as propostas essenciais de Michel Temer) e, ao mesmo tempo, bloquear a tentativa de avanço de Alckmin.
Sonhos? As disputas táticas são – como o futebol… – uma caixinha de surpresas e um enorme exercício de inteligência e arte políticas. Até há duas semanas, as eleições de 2018 transcorriam sob o signo fúnebre do medo. A mobilização das mulheres começou a afastar estas nuvens aziagas. Agora, um pouco de tirocínio pode nos levar para outro terreno.
Nas últimas semanas, o movimento #elenão transformou-se num poderoso fator de politização e mobilização. Se as manifestações deste sábado forem de fato gigantescas, o círculo poderá se fechar – e as chances de um segundo turno sem Bolsonaro serão mais reais que nunca. Há dois caminhos possíveis para enxergar esta mudança.
O primeiro é temê-la, a partir de um cálculo eleitoral – presente em especial na campanha de Haddad. Implica escolher Bolsonaro como adversário desejável no segundo turno. Considera que a vitória do candidato do PT é mais provável contra o ex-capitão. Levou o ex-prefeito de São Paulo a uma campanha que começou potente (ao contrapor as conquistas sociais da era Lula aos retrocessos pós-golpe), mas que agora hesita em combater seu oponente fascista, em convocar o #elenão ou em se posicionar sobre os grandes impasses e as escolhas decisivas que o país enfrentará após as eleições.
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O segundo caminho é apostar no #elenão, comemorar o declínio de Bolsonaro, aproveitar a brecha que se abre e trabalhar concretamente por um possível segundo turno entre Haddad e Ciro. Significará uma virada completa no ambiente eleitoral e político. Afastará a ameaça fascista; os desfiles de grupos quase-paramilitares na praia de Copacabana; as vociferações dos generais sobre os rumos do país; o medo real de acordarmos sem futuro e acuados, em 29 de outubro – ao som dos berros de júbilo das hordas vestidas de amerelo.
Permite, além disso, rejeitar outra sombra. Num eventual segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, o candidato do PT será levado a firmar todos os acordos possíveis com o centro, a direita “civilizada” e os “mercados”; pagará o preço por estes compromissos, num governo limitado em seu nascedouro; e os apresentará como a única alternativa possível. A possível disputa com Ciro produzirá, ao contrário, uma dinâmica à esquerda. Afastada a ameaça de retrocesso, os candidatos precisarão conquistar o eleitorado aprofundando seu discurso – e seus compromissos – em favor de uma virada. Entrarão em pauta a revogação das medidas antipopulares adotadas após o golpe de 2016, a necessidade de uma Reforma Política capaz de enfrentar o conservadorismo do Congresso, da mídia e do Judiciário; a possibilidade de um novo projeto de país.
Um segundo turno entre Haddad e Ciro exige, de ambos os candidatos, uma flexão tática. Nenhum deles pode, é claro, deixar de defender sua própria postulação. Mas cabe, em suas narrativas, um importante deslocamento. Ao invés de apenas exaltar suas próprias características individuais (o vínculo com Lula, no caso de Haddad; a suposta “competência” e “preparo” no caso de Ciro), cada um deles ganhará muito se realçar a denúncia didático-política do que se passou com o Brasil nos últimos dois anos – e, em especial, as alternativas. Isso lhes permitirá ampliar o desgaste de Bolsonaro (que votou a favor de todas as propostas essenciais de Michel Temer) e, ao mesmo tempo, bloquear a tentativa de avanço de Alckmin.
Sonhos? As disputas táticas são – como o futebol… – uma caixinha de surpresas e um enorme exercício de inteligência e arte políticas. Até há duas semanas, as eleições de 2018 transcorriam sob o signo fúnebre do medo. A mobilização das mulheres começou a afastar estas nuvens aziagas. Agora, um pouco de tirocínio pode nos levar para outro terreno.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirDarcy, meu caro não seria o PT que teria que chamar ao protagonismo, isso teria que vir da sensibilidade e consciência de classe do povo.
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