Por Ricardo Kotscho, em seu blog:
Por uma destas infelizes coincidências, nesta mesma quarta-feira em que o governo brasileiro abriu as inscrições para contratar 8,5 mil profissionais brasileiros em lugar dos cubanos que estão voltando ao seu país, recebi da amiga Valeria de Britto Mello um texto meu publicado no Balaio em 2013, logo após a implantação do programa Mais Médicos.
Ali já estava bem claro que, enquanto o governo de Dilma Rousseff e os médicos cubanos se dedicavam aos pacientes desassistidos nos grotões e nas periferias, a classe médica nativa estava mais interessada em garantir a reserva de mercado.
As atitudes vergonhosas e hostis de jovens médicos brasileiros, “recepcionando” os seus colegas cubanos com cenas de intolerância e xenofobia nos aeroportos, foram, acima de tudo, emblemáticos do desprezo que nutrem pelos pacientes do SUS, já que eles não se dispunham a deixar o conforto das capitais para cuidar dos milhões de doentes que nunca tinham visto um médico em suas cidades.
Para eles, ao contrário dos cubanos, a medicina é um negócio como qualquer outro, mais interessados em arrebanhar clientes abonados do que em cuidar de pacientes pobres.
Cinco anos depois daquela vergonha pela qual passamos, quero ver agora quanto tempo vai levar para que os médicos brasileiros comecem a atender as comunidades mais carentes, que ficaram sem assistência de um dia para outro, graças à irresponsabilidade do novo governo, ao tratar até a saúde da população como uma guerra ideológica contra os “vermelhos”.
Vale a pena reler esta matéria. Nos últimos parágrafos, relatei como os cidadãos brasileiros, ao contrário dos seus doutores, ficaram felizes com a chegada dos cubanos para o programa Mais Médicos.
Neste país degradado, quebrado e falido, onde falta solidariedade e sobra ganância, a nova ordem unida se sente vitoriosa, pouco se importando com o destino de legiões de brasileiros maltratados diariamente nas filas dos hospitais e postos de saúde.
Há exceções, é claro, como mostrei nesta segunda-feira em reportagem publicada pela Folha, sobre a saga de um negro de origem muito humilde, o dr. Roberto Jaguaribe Trindade, para se formar em Medicina, graças a uma bolsa de estudos oferecida pelo governo cubano.
Com dedicação exclusiva ao Programa Saúde da Família, dr. Roberto, ao contrário dos seus colegas, não tem carteirinha de plano de saúde. Só se trata no SUS, como a imensa maioria dos brasileiros.
Abaixo, a íntegra da matéria.
*****
Toda a polêmica criada nos últimos dias sobre a vinda de médicos cubanos para suprir as carências de assistência à saúde das populações mais pobres do país _ ainda temos 701 municípios sem nenhum médico residente _ agitou as redes sociais neste final de semana e serviu para revelar como podem ser desumanos e hipócritas os que colocam seus interesses pessoais, profissionais, partidários ou ideológicos acima das necessidades básicas de sobrevivência dos brasileiros que não têm acesso ao SUS, muito menos aos planos de saúde.
É como se fossem dois países chamados Brasil: um, daqueles que têm todos os direitos garantidos e não abre mão dos seus privilégios assegurados pelo Estado desde Cabral ( o Pedro Álvares), dispondo de alguns dos melhores hospitais do mundo; outro, o dos que se virem por conta própria com benzedeiras, rezas e curandeiros. Para deixar bem claro: é desumana a campanha não contra a vinda dos médicos cubanos, que chegaram ao Brasil felizes da vida, mas contra os pacientes pobres brasileiros sem assistência.
A ofensiva contra o Mais Médicos criado para trazer profissionais do exterior e instalá-los nas regiões onde os brasileiros se recusam a trabalhar, começou logo após o programa ser lançado pelo governo federal por medida provisória em julho, e ganhou mais força com a chegada dos primeiros profissionais cubanos na semana passada.
Boa parte da classe médica brasileira e suas entidades representativas, numa violenta demonstração de xenofobia e corporativismo, foram às ruas para fazer protestos com narizes de palhaço e ocuparam espaços generosos na mídia para declarar guerra ao governo, mas não apresentaram nenhuma proposta alternativa parar minorar o sofrimento de milhões de brasileiros abandonados à sua própria sorte nas regiões mais remotas do país e nas periferias das grandes cidades.
Em seus argumentos hipócritas (não confundir com o juramento a Hipócrates), mostraram-se preocupados com a formação dos médicos estrangeiros e sua capacidade de atender com qualidade à população, como se o trabalho deles fosse uma maravilha de dedicação e competência em todos os hospitais e postos de saúde públicos.
Preocuparam-se até com os salários de R$ 10 mil pagos aos médicos cubanos, acertados num convênio do Ministério da Saúde com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), porque uma parte será repassada ao governo cubano, que os formou, ficando uma parcela de 25% a 40% para os profissionais. Chegaram a classificar esta medida, semelhante à estabelecida pela Opas com outros 58 países, como “trabalho escravo”.
“Nós somos médicos por vocação e não por dinheiro. Trabalhamos porque nossa ajuda foi solicitada, e não por salário, nem no Brasil nem em nenhum lugar do mundo”, rebateu o médico cubano Nélson Rodriguez, um dos primeiros 206 profissionais daquele país que desembarcaram sábado no Brasil.
Além da Opas, o programa Mais Médicos recebeu a aprovação da Organização Mundial de Saúde e, segundo as pesquisas mais recentes, é apoiado por 54% da população brasileira(contra 47% no final de junho). Entre quem apontou o PT como seu partido de preferência, este número sobe para 62%. Já entre os que preferem o PSDB, a maioria (49%) respondeu que é contra a importação de médicos, números que podem explicar o Fla-Flu nas redes sociais que é dominado por baixarias de todo tipo.
De outro lado, sete entre nove cartas sobre a polêmica publicadas nesta segunda-feira no “Painel do Leitor” da Folha dão seu apoio à importação de médicos estrangeiros e fazem duras críticas aos médicos brasileiros. Melhor é deixar o povo falar o que pensa.
Alguns exemplos:
Jalson de Araújo Abreu (São Paulo, SP): “O exame Revalida, ao qual médicos formados no exterior estão sujeitos, deveria ser aplicado nos formandos brasileiros. Esperamos que não confirme o resultado do exame do Cremesp, que reprovou 80% dos avaliados”.
Alcides Morotti Junior (São Roque, SP): "Os médicos cubanos que disseram que são médicos por vocação, e não por dinheiro, estão seguindo o juramento de Hipócrates. Já os brasileiros - pelo menos a grande maioria -, não.”
Luiz Carlos Roque da Silva (São Paulo, SP): “É incrível a atitude da maioria dos doutores contra o Mais Médicos: eles não vão para as regiões carentes e não deixam ninguém ir. Agora, vendo que a população apoia o programa, concentram-se nos cubanos. Estes já estão no Haiti, na África, no norte do Brasil. Os nossos, não. O mesmo se dá com os Médicos sem Fronteiras que arriscam a vida na Síria.”.
Carlos Roberto Penna Dias dos Santos (Rio de Janeiro, RJ): “Gostaria de condenar a campanha que a máfia de branco está fazendo contra o programa Mais Médicos. A histeria destas entidades médicas lembra o macarthismo. Tenho certeza de que a maioria da população apoia a vinda dos médicos estrangeiros e repudio a posição nazifascista de algumas entidades”.
Edgard Gobbi (Campinas, SP): “Um jornalista flagrou uma médica da Prefeitura de São Bernardo do Campo batendo o ponto e indo atender pacientes no seu consultório. Será que ela aprendeu com aquela médica de Ferraz de Vasconcelos quer marcava ponto com dedos de silicone com a impressão digital de outros médicos? E alguém duvida que a prática é comum no Brasil?”
Entre as duas cartas críticas, uma foi enviada pelo médico Fernando Piason França, de São Paulo, SP. Só pode ser deboche:
“Há uma determinação para que médicos não circulem pelas ruas de jalecos por questão de higiene. Os cubanos desembarcaram no aeroporto assim trajados. Nem começaram a já cometeram a primeira infração. Mau começo”.
Se todas as infrações cometidas diariamente por médicos brasileiros se limitassem a isso, estaríamos bem servidos. Aliás, se eu for atropelado daqui a meia hora na esquina de casa e aparecer alguém de jaleco branco, não vou querer saber de onde vem, não vou lhe pedir o currículo. Basta que ele salve a minha vida.
Não se trata de discutir o regime cubano nem a legislação trabalhista vigente naquele país. Não é problema meu. Neste ponto, estou absolutamente de acordo com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, quando ele diz:
“Quem tem crítica pode fazer sugestões para aprimorar. Agora, não venham ameaçar a saúde da população que não tem médicos”.
É este o ponto. O resto é querer se aproveitar de uma solução de emergência, por todas as razões necessária, para criticar o governo, seja o do Brasil ou o de Cuba ou o de qualquer outro país que nos possa ajudar a enfrentar este gravíssimo problema da população ainda desassistida de saúde pública -, entre outros motivos, porque a maior parte dos nossos médicos não parece preocupada com isso.
Vida que segue.
Ali já estava bem claro que, enquanto o governo de Dilma Rousseff e os médicos cubanos se dedicavam aos pacientes desassistidos nos grotões e nas periferias, a classe médica nativa estava mais interessada em garantir a reserva de mercado.
As atitudes vergonhosas e hostis de jovens médicos brasileiros, “recepcionando” os seus colegas cubanos com cenas de intolerância e xenofobia nos aeroportos, foram, acima de tudo, emblemáticos do desprezo que nutrem pelos pacientes do SUS, já que eles não se dispunham a deixar o conforto das capitais para cuidar dos milhões de doentes que nunca tinham visto um médico em suas cidades.
Para eles, ao contrário dos cubanos, a medicina é um negócio como qualquer outro, mais interessados em arrebanhar clientes abonados do que em cuidar de pacientes pobres.
Cinco anos depois daquela vergonha pela qual passamos, quero ver agora quanto tempo vai levar para que os médicos brasileiros comecem a atender as comunidades mais carentes, que ficaram sem assistência de um dia para outro, graças à irresponsabilidade do novo governo, ao tratar até a saúde da população como uma guerra ideológica contra os “vermelhos”.
Vale a pena reler esta matéria. Nos últimos parágrafos, relatei como os cidadãos brasileiros, ao contrário dos seus doutores, ficaram felizes com a chegada dos cubanos para o programa Mais Médicos.
Neste país degradado, quebrado e falido, onde falta solidariedade e sobra ganância, a nova ordem unida se sente vitoriosa, pouco se importando com o destino de legiões de brasileiros maltratados diariamente nas filas dos hospitais e postos de saúde.
Há exceções, é claro, como mostrei nesta segunda-feira em reportagem publicada pela Folha, sobre a saga de um negro de origem muito humilde, o dr. Roberto Jaguaribe Trindade, para se formar em Medicina, graças a uma bolsa de estudos oferecida pelo governo cubano.
Com dedicação exclusiva ao Programa Saúde da Família, dr. Roberto, ao contrário dos seus colegas, não tem carteirinha de plano de saúde. Só se trata no SUS, como a imensa maioria dos brasileiros.
Abaixo, a íntegra da matéria.
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Toda a polêmica criada nos últimos dias sobre a vinda de médicos cubanos para suprir as carências de assistência à saúde das populações mais pobres do país _ ainda temos 701 municípios sem nenhum médico residente _ agitou as redes sociais neste final de semana e serviu para revelar como podem ser desumanos e hipócritas os que colocam seus interesses pessoais, profissionais, partidários ou ideológicos acima das necessidades básicas de sobrevivência dos brasileiros que não têm acesso ao SUS, muito menos aos planos de saúde.
É como se fossem dois países chamados Brasil: um, daqueles que têm todos os direitos garantidos e não abre mão dos seus privilégios assegurados pelo Estado desde Cabral ( o Pedro Álvares), dispondo de alguns dos melhores hospitais do mundo; outro, o dos que se virem por conta própria com benzedeiras, rezas e curandeiros. Para deixar bem claro: é desumana a campanha não contra a vinda dos médicos cubanos, que chegaram ao Brasil felizes da vida, mas contra os pacientes pobres brasileiros sem assistência.
A ofensiva contra o Mais Médicos criado para trazer profissionais do exterior e instalá-los nas regiões onde os brasileiros se recusam a trabalhar, começou logo após o programa ser lançado pelo governo federal por medida provisória em julho, e ganhou mais força com a chegada dos primeiros profissionais cubanos na semana passada.
Boa parte da classe médica brasileira e suas entidades representativas, numa violenta demonstração de xenofobia e corporativismo, foram às ruas para fazer protestos com narizes de palhaço e ocuparam espaços generosos na mídia para declarar guerra ao governo, mas não apresentaram nenhuma proposta alternativa parar minorar o sofrimento de milhões de brasileiros abandonados à sua própria sorte nas regiões mais remotas do país e nas periferias das grandes cidades.
Em seus argumentos hipócritas (não confundir com o juramento a Hipócrates), mostraram-se preocupados com a formação dos médicos estrangeiros e sua capacidade de atender com qualidade à população, como se o trabalho deles fosse uma maravilha de dedicação e competência em todos os hospitais e postos de saúde públicos.
Preocuparam-se até com os salários de R$ 10 mil pagos aos médicos cubanos, acertados num convênio do Ministério da Saúde com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), porque uma parte será repassada ao governo cubano, que os formou, ficando uma parcela de 25% a 40% para os profissionais. Chegaram a classificar esta medida, semelhante à estabelecida pela Opas com outros 58 países, como “trabalho escravo”.
“Nós somos médicos por vocação e não por dinheiro. Trabalhamos porque nossa ajuda foi solicitada, e não por salário, nem no Brasil nem em nenhum lugar do mundo”, rebateu o médico cubano Nélson Rodriguez, um dos primeiros 206 profissionais daquele país que desembarcaram sábado no Brasil.
Além da Opas, o programa Mais Médicos recebeu a aprovação da Organização Mundial de Saúde e, segundo as pesquisas mais recentes, é apoiado por 54% da população brasileira(contra 47% no final de junho). Entre quem apontou o PT como seu partido de preferência, este número sobe para 62%. Já entre os que preferem o PSDB, a maioria (49%) respondeu que é contra a importação de médicos, números que podem explicar o Fla-Flu nas redes sociais que é dominado por baixarias de todo tipo.
De outro lado, sete entre nove cartas sobre a polêmica publicadas nesta segunda-feira no “Painel do Leitor” da Folha dão seu apoio à importação de médicos estrangeiros e fazem duras críticas aos médicos brasileiros. Melhor é deixar o povo falar o que pensa.
Alguns exemplos:
Jalson de Araújo Abreu (São Paulo, SP): “O exame Revalida, ao qual médicos formados no exterior estão sujeitos, deveria ser aplicado nos formandos brasileiros. Esperamos que não confirme o resultado do exame do Cremesp, que reprovou 80% dos avaliados”.
Alcides Morotti Junior (São Roque, SP): "Os médicos cubanos que disseram que são médicos por vocação, e não por dinheiro, estão seguindo o juramento de Hipócrates. Já os brasileiros - pelo menos a grande maioria -, não.”
Luiz Carlos Roque da Silva (São Paulo, SP): “É incrível a atitude da maioria dos doutores contra o Mais Médicos: eles não vão para as regiões carentes e não deixam ninguém ir. Agora, vendo que a população apoia o programa, concentram-se nos cubanos. Estes já estão no Haiti, na África, no norte do Brasil. Os nossos, não. O mesmo se dá com os Médicos sem Fronteiras que arriscam a vida na Síria.”.
Carlos Roberto Penna Dias dos Santos (Rio de Janeiro, RJ): “Gostaria de condenar a campanha que a máfia de branco está fazendo contra o programa Mais Médicos. A histeria destas entidades médicas lembra o macarthismo. Tenho certeza de que a maioria da população apoia a vinda dos médicos estrangeiros e repudio a posição nazifascista de algumas entidades”.
Edgard Gobbi (Campinas, SP): “Um jornalista flagrou uma médica da Prefeitura de São Bernardo do Campo batendo o ponto e indo atender pacientes no seu consultório. Será que ela aprendeu com aquela médica de Ferraz de Vasconcelos quer marcava ponto com dedos de silicone com a impressão digital de outros médicos? E alguém duvida que a prática é comum no Brasil?”
Entre as duas cartas críticas, uma foi enviada pelo médico Fernando Piason França, de São Paulo, SP. Só pode ser deboche:
“Há uma determinação para que médicos não circulem pelas ruas de jalecos por questão de higiene. Os cubanos desembarcaram no aeroporto assim trajados. Nem começaram a já cometeram a primeira infração. Mau começo”.
Se todas as infrações cometidas diariamente por médicos brasileiros se limitassem a isso, estaríamos bem servidos. Aliás, se eu for atropelado daqui a meia hora na esquina de casa e aparecer alguém de jaleco branco, não vou querer saber de onde vem, não vou lhe pedir o currículo. Basta que ele salve a minha vida.
Não se trata de discutir o regime cubano nem a legislação trabalhista vigente naquele país. Não é problema meu. Neste ponto, estou absolutamente de acordo com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, quando ele diz:
“Quem tem crítica pode fazer sugestões para aprimorar. Agora, não venham ameaçar a saúde da população que não tem médicos”.
É este o ponto. O resto é querer se aproveitar de uma solução de emergência, por todas as razões necessária, para criticar o governo, seja o do Brasil ou o de Cuba ou o de qualquer outro país que nos possa ajudar a enfrentar este gravíssimo problema da população ainda desassistida de saúde pública -, entre outros motivos, porque a maior parte dos nossos médicos não parece preocupada com isso.
Vida que segue.
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