Fazer o balanço de 2018? Como, se este foi um ano desbalançado? Sem balanço. Sem jogo de cintura. Em grande parte, uma sucessão de desgraças
Foi um ano de coisas terríveis. Lembrando algumas: a continuidade da ascensão das extremas-direitas no mundo inteiro. Matteo Salvini e a Lega na Itália. Vox na Andaluzia, Espanha. Vitória de Bolsonaro no Brasil. Deterioração da nossa política externa, a presente e a anunciada, com agravamento e consagração da "diplomacia do capacho". Pela primeira vez na história nossa política externa promete ficar atrelada não apenas à de outro país, mas à de uma facção de um partido político estrangeiro, aquela mais retrógrada e embrutecida.
Teve mais. Consagração do embrutecimento da política mundial, cujo exemplo mais acabado foi o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado de seu país em Istambul, na Turquia. A sufocação de um povo inteiro no Iêmen. Países desfeitos ou se desafazendo: além do Iêmen, Líbia, Iraque. O reino da estupidez avança: negação do aquecimento global por parte de Trump e seus capachos, como no caso brasileiro. Os Estados Unidos pressionando a ONU para que retire de suas declarações a palavra “gênero”.
Para completar, agora no final do ano, os Estados Unidos anunciam a retirada de suas tropas da Síria. Um bom sinal? Nem tanto: na verdade, trata-se de dar luz verde para seu aliado na OTAN, Tayyip Erdogan, atacar livremente os curdos, que se destacaram na luta contra o Estado Islâmico, derrotando-o em grande escala e fazendo encolher seu território.
Foi um ano de vitória da “nova política” liderada pelas táticas nocivas e deletérias de Steve Bannon, com sua futura implantação na Europa, onde o já mencionado sucesso do Vox na Andaluzia é talvez a cabeça de ponte. O ano da vitória das fake news, da mentira organizada, planejada, financiada ilegalmente, mas soberana e triunfante.
2018 foi um ano de continuidade de dramas que parecem sem saída: o dos refugiados no Mediterrâneo; as caravanas que saem da América Central em direção aos Estados Unidos. A agonia do povo palestino.
2018 foi também um ano de impasses e dúvidas. O movimento dos “Coletes Amarelos” na França é de esquerda ou de direita? Ou ambas as coisas? Ou uma coisa nova que foge às classificações antigas? Será um dos atestados da falência das políticas neo-liberais e seus planos de austeridade, que deixam populações desamparadas ou à míngua em escala mundial? Ou ao contrário, é um atestado de sucesso pois, embora fracassem em todo o mundo, seus seguidores se aferram messianicamente a elas e bloqueiam todas as alternativas?
Na Síria o regime de Bashar al Assad derrotou os rebeldes ajudados pelos EUA e seus aliados. Será isto bom ou ruim para o desvalido povo sírio? Benyamin Netanyahu está ameaçado por investigações de corrupção em Israel. Brigou com a extrema-direita, ele que já é extrema-direita. E agora?
Mais impasses e dúvidas: o começo do fim do reinado de Angela Merkel na Alemanha e na União Europeia. O que viria depois? A estrela de Emmanuel Macron, que mal subiu e já começou a declinar?
Foi também um ano de tropeços e trombadas da chanceler Theresa May com seu próprio Partido Conservador no Reino Unido em torno do inefável e deletério Brexit.
Jacob Zuma e Robert Mugabe saíram de cena, respectivamente na África do Sul e no Zimbabwe. Será isto bom ou mau? Houve mais um surto de ebola na África, desta vez na República Democrática do Congo. Isto é decididamente ruim, e deixa uma perplexidade no ar: a melhoria da infra-estrutura de transporte no continente africano facilita a propagação da doença. Mas agora, pelo menos há uma vacina, ainda em experimentação, mas já em uso pela OMS.
China e Rússia se consolidaram como “major players” diplomáticos, diante da política truculenta de Trump.
O caso de Julian Assange se complica na Embaixada do Equador em Londres.
Um ano de perdas irreparáveis: o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro e a perda total da vergonha em amplos setores do judiciário brasileiro, com a obstinação em manter detido o prisioneiro político numero 1 do mundo, o ex-presidente Lula, e a defesa despudorada por muitos de seus membros da flagrante irregularidade do auxílio-moradia, tornando-se este moeda de troca para conseguir um polpudo reajuste salarial em época de vacas magras para todo o povo brasileiro.
É verdade que houve alguns lampejos e bruxuleios de esperança. A vitória parcial dos Democratas nos EUA, e a ascensão de políticos e políticas mais à esquerda. O sucesso - até o momento - da frente portuguesa de esquerda, a Geringonça, o besouro que não poderia voar mas no entanto "avoa".
A obstinada resistência do Papa Francisco I, acossado pela arqui-animosidade dos arqui-conservadores da Igreja Católica e do mundo. A aprovação pela ONU do Acordo Global sobre Migrantes e Refugiados, e a reafirmação do Acordo de Paris 2015 sobre o clima, apesar da denúncia por parte dos EUA e a ameaça de retirada por parte do futuro governo brasileiro, que já foi líder positivo de questões ambientais, e que tornou-se o novo pária na matéria.
Em 2018 consolidou-se a candidatura de Lula ao Prêmio Nobel da Paz em 2019. Não sabemos se ele o levará, já que a campanha contra do governo brasileiro será enorme e sibilina, mas o gesto já valeu.
A indicação de Sérgio Moro como Ministro da Justiça por Bolsonaro aumentaram-lhes as chances de obtenção do prêmio, bem como a da condenação do Brasil no Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU.
A aproximação das duas Coreias, com acenos de paz. O ainda tênue cessar-fogo na cidade de Hodeiddah, no Iêmen.
E veio a esperada, depois de tantos anos, vitória de Lopez Obrador no México. Apesar de tudo, Cuba ainda existe e resiste.
Certamente há mais coisas a comentar. Os leitores e as leitoras me perdoem, mas cansei. 2018 me deixou estafado.
Ah sim – last, but not least – , Cesare Battisti está novamente em fuga. Tomara que consiga driblar o Brasil de Fux/Dodge/Temer/Bolsonaro e a Itália de Matteo Salvini.
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