Por Saul Leblon, no site Carta Maior:
Algumas semanas de um governo, de qualquer governo, representam um tempo curto demais para sentenças conclusivas.
Exceções existem quando a fulminante exposição de um despreparo político desaba sobre o imaginário coletivo e avança a bordo de indicadores de um caráter inescrupuloso, que acende o alarme para o desastre iminente -- de comando e do cânone aos quais a sociedade entregou a sua sorte.
Fernando Collor, o caçador de marajás; 29 anos antes dele, Jânio Quadros, o 'varre, varre vassourinha'; para descer um pouco mais, lembremo-nos da meteórica passagem de Celso Russomano: todos empolgaram a opinião manipulada do país a seu tempo.
Despencariam verticalmente, em seguida, no abismo do descrédito e da inviabilidade, de onde nunca mais regressariam.
Bolsonaro e a falange que o cerca bamboleiam à beira do mesmo precipício, onde o chão não costuma se recompor depois de esfarelar.
A paradoxal singularidade que o sustenta, com o prazo de validade expirado em efêmero curso, decorre da intrínseca posição de raspa do tacho que ele e sua turma ocupam do acervo das opções da classe dominante brasileira.
O paradoxo dá ao chorume em decomposição precoce e malcheirosa uma autonomia que retarda seu percurso ao aterro sanitário da história.
Dito de modo menos deselegante: atiçado pela aliança da mídia com a escória, a elite e o dinheiro a sangrar Dilma e o PT até a exasperação social, o cachorro louco mordeu a mão do dono e se recusa a voltar ao canil.
A perplexidade de parcelas da própria elite diante do cabal despreparo do capitão que empalmou o comando do upgrade neoliberal no país agrava-se pela inexistência de um plano B capaz de, ao mesmo tempo, defenestra-lo e retomar o roteiro original.
Nem a ditadura militar aberta --acalentada por alguns-- oferece esse lacre de garantia num mundo sobressaltado por ressurgências nacionalistas e bonapartistas de direita.
Poucas vezes o horizonte conservador esteve tão desguarnecido: Mourão mais assusta que reconforta o dinheiro.
A verdade é que a carne podre fede na mesa dos comensais, que hesitam entre devolve-la ao lixão da história ou ingeri-la, ao risco de intoxicação fatal.
A gravidade da encruzilhada brasileira decorre em grande parte desse ocaso escavado pelo golpe jurídico-midiático de 2015.
A maior liderança popular da história do país, talvez a única com densidade política para catalisar e vocalizar anseios e aspirações na fronteira do desespero, foi fraudulentamente arrancada da cena política.
Deu-se o oposto do florescimento alternativo esperado.
O imenso vácuo de consequências imprevisíveis outorgou ao capitão e a seus milicianos uma ambígua sobrevida.
A fulminante ressignificação da palavra Brasil no ambiente internacional resulta justamente da percepção ecumênica de que a quinta maior demografia do planeta, oitava maior econômica do mundo, tornou-se um barco convulsionado, nas mãos de um comodoro incompetente que emite tagarelices e insultos, mas é inapto para liderar e decidir.
Mais que isso.
Imerso em um hiato de baixo crescimento que salgou seu conflagrado tecido social, o Brasil não dispõe nesse momento de ferramentas democráticas a altura da repactuação urgente do seu desenvolvimento --sem o qual não haverá justiça, democracia, prosperidade, paz ou esperança.
O risco de que isso possa romper a barragem que nos separa de uma tragédia desesperadora não deve ser subestimado.
A insatisfação social é tão densa que se pode cortar com uma faca.
Pesquisas que alardeiam o 'otimismo' com o futuro, na verdade confundem o profundo desalento e o anseio por alívio --- qualquer alívio-- com um sentimento de confiança no amanhã.
Apenas 11% dos brasileiros acreditam, de fato, que a falange no poder beneficiará os trabalhadores, conforme informou discretamente a Folha em página interna na edição de 26 de janeiro.
A pesquisa de campo desse Datafolha foi feita no final de 2018; hoje seria pior.
Bolsonaro teve 55% dos votos dois meses antes disso.
A velocidade da corrosão na base da barragem é vertiginosa.
As forças democráticas e progressistas não podem se omitir diante das consequências e responsabilidades organizativas e programáticas que esse divisor vai cobrar muito em breve.
A principal delas: recuperar a coerência entre o projeto de democratização social para o Brasil e a contrapartida de nucleação popular necessária para alcança-lo, defende-lo e, assim, resgatar a credibilidade perdida.
A fase alegre dos consensos se esgotou.
A prioridade parlamentar degenerou um pedaço do PT em burocracia associada aos interesses cuja lógica deveria enfrentar de forma crível e corajosa, assentada na supremacia das instancias de base sobre as demais esferas partidárias.
Retórica esquerdista?
Não.
A flacidez do vínculo popular --após década e meia no governo-- mostrou seu preço quando o assalto conservador avançou, sem resistência, e em todas as direções, a rua e o imaginário social incluídos, sobre o governo Dilma, sobre Lula e sobre a estrutura legal e política do PT.
'Sem um tiro', teria desabafado o próprio Lula, perplexo.
A boa vontade incremental, desprovida do engajamento popular, aprendeu então, a duras penas, que a elite que usufrui da maior taxa de desigualdade do planeta não cogita concessões --exceto se coagida a isso pelas ruas e por organizações de massa de capilaridade nacional, hoje inexistentes.
Na ausência desse contraponto, predomina o chorume nauseante que conduz um projeto quase cristalino de expropriação, não fosse pelas diversas acepções de lama que turvam o seu jorro.
A meta fria é quase obscena.
Cuida-se de ajustar os garrotes para regredir as fronteiras da civilização até onde for sinistramente possível, no eclipse entre a subsistência e a agonia social da vasta maioria do país.
É esse o significado da palavra 'reformas'. Ou do bordão 'equilíbrio fiscal' .
Ou não?
Afinal, de que equilíbrio fiscal estamos falando, e a que custos humanos e logísticos, em uma sociedade em que seis endinheirados detém fortuna equivalente à soma da renda de 100 milhões de cidadãos mais pobres --metade do país?
De que equilíbrio estamos falando se a plutocracia brasileira viu sua riqueza crescer 7,5% entre 2014 e 2016, enquanto o PIB nacional despencava 7,2% e a renda per capita encolhia quase 9%?
Como ocorrem essas reluzentes assimetrias; empurradas por quais políticas forças e marteletes midiáticos?
Em meio à borrasca social, 71.500 privilegiados acumularam em 2016 rendimentos isentos e não tributáveis da ordem de R$ 350 bilhões -- montanha de dinheiro muito próxima do necessário para cobrir o que se chama de 'subfinanciamento do SUS'.
Mais de 40% do total das isenções fiscais de R$ 844 bilhões concedidas em 2016 beneficiaram os já ricos e super-ricos, basicamente os detentores de lucros e dividendos --diante dos quais o Leão que ruge para os aposentados mia e dá a patinha.
O conjunto ajuda a entender por que se mantém inalterado o gargalo matricial do desenvolvimento brasileiro, uma desigualdade tóxica feita de uma apropriação de 28% da riqueza por 1% da população --contra média mundial de 22%, observa Thomas Piketty.
Em reforço a esse legado, o mercado e seus jornalistas isentos mantém 'a frieza' diante do enclave miliciano que ajudaram a instalar no coração do Estado, informa o jornal Valor (22/01/2019), ele próprio um climatizador da brutalidade entronizada em poder.
O vale tudo tem alvo e método.
O anseio expresso das elites brasileiras é revogar a Carta de 1988.
Com ela, as condições mínimas indispensáveis à estrutura funcional de uma sociedade marcada por vergonhosa seletividade no acesso aos recursos e confortos do século XXI.
Enxurradas nauseantes foram despejadas no discernimento social do país de modo a intoxicar as redes sociais com fecalismo digital, enquanto se agia sem piedade no que interessa.
Os pedalinhos do sítio de Atibaia?
Tá bom...
Ah, Palocci levava dinheiro em espécie a Lula escondido em caixas de celulares e caixas de vinho...
Caramba...
Fatos: ante o esgotamento de um ciclo de expansão econômica --e antes que outro pudesse ser escrutinado em amplas rodadas de mobilizações e negociações democráticas, as classes proprietárias abriram o canil.
Centuriões toscos e mal-ajambrados, dublês de milico fazendo segurança em dia de folga, personagens de quadrinhos do manicômio conservador que infecta as redes sociais assumiram seu papel na história.
Esse corso nauseante só é alçado dos bueiros quando os detentores da riqueza vislumbram a possibilidade de superar um esgotamento cíclico sem fazer concessões.
As vidas expostas ao vale tudo experimentarão uma escalada de violência equivalente a perpetrada pelas tropas de ocupação na tomada casa a casa dos derrotados.
Estamos falando de um impulso com as características de uma contrarrevolução, sem que se tenha passado por uma, nem se disponha do seu legado organizativo de resistência.
A assimetria é brutal; suas consequências assustadoras.
'É uma disputa de filosofia de vida', resume o general que chefia a Casa Civil do novo governo, edulcorando o saque que avança da economia aos valores, passando pelos direitos para atingir os costumes.
Uma elite dificilmente desencadeia uma operação dessa envergadura, tão ampla e atrevida, sem as garantias militares de repressão interna, bem como as contrapartidas de praxe de Washington.
Não que lhe falte apetite.
Contidos pela focinheira da correlação de forças, maxilares sedentos são mantidos a maior parte do tempo em retesada tocaia nas esquinas da história.
No Brasil dos últimos quarenta anos, a grande pedra no meio do caminho, lapidada como uma construção coletiva do povo brasileiro, respondia pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva.
Esse que a Polícia Federal - leia-se Moro & CIA - em confissão abusada admitiu na última quinta-feira (31/01/2019), conforme nota oficial que excluía o ex-presidente do direito previsto em lei de comparecer ao enterro do irmão; aspas para a polícia política do golpe: ''É importante que Lula seja mantido a longa distância de aglomerações, já que esse fato pode desencadear crises imprevisíveis..."
Tão importante quanto foi te-lo mantido 'a longa distância' das aglomerações eleitorais de 2018 --já que esse fato poderia desencadear resultados previsíveis, a julgar pela liderança folgada do ex-metalúrgico nas enquetes que sugeriam a sua vitória no primeiro turno, mesmo preso e sem acesso aos meios de comunicação.
Fatos: a prisão política da maior liderança popular brasileira era um Rubicão histórico na vida das elites locais e forâneas.
Seria preciso cruzá-lo para relaxar a grande cloaca regressiva, que ora excreta jatos de imundice antidemocrática, antissocial e antinacional sobre o povo, a nação e a alma da sociedade.
Descargas suficientes para soterrar as principais frestas e abrigos desbravados em séculos de lutas sociais calafetam todas as frinchas civilizacionais do país neste momento.
Um Brumadinho de ódio e ganância soterra a nação.
Há volúpia e sofreguidão no ar.
'É preciso quebrar o espelho retrovisor', sentencia o banqueiro e presidente do Conselho do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, tido como polido e ilustrado.
É esse o estado de espírito nos salões onde brindam os finos e honestos.
Há razões para comemorar o furdunço institucional: respira-se a oportunidade de queimar as caravelas de uma exclusão sem volta.
Psicopatas sociais de diferentes linhagens deliram.
À prisão da liderança que catalisava a força e o consentimento dos grandes levantes populares e operários desde a luta contra a ditadura e o arrocho, nos anos 70/80, veio se juntar o ambiente internacional de ostensiva dissipação democrática criada pela desordem neoliberal.
Desse socavão avultam os apavorantes cirurgiões de um capitalismo convulsionado que se automedica com o que tem de mais leta no seu acervo de maldades: Trumps, Salvinis, Orbans, Andrzejs Dudas, Netanyahus, Macris, Bolsonaros...
O conjunto ajuda a entender por que o dinheiro perdeu a vergonha de ser o que é no Brasil.
Um Presidente que excreta o despreparo de um capitão do mato, engastado a organizações para-militares de extermínio, que vitupera contra pobres, negros, índios, mulheres, ecologistas,sindicatos, salários, direitos sociais, cotas, patrimônio público etc não constrange o mercado.
Marielli não constrange o mercado.
A sentença de morte sobre familiares de Jean Wyllys não constrange o mercado.
Brumadinho não constrange.
O 'sítio do Lula', sim.
'Faça-se o necessário'.
Por necessário entenda-se internalizar o pacote completo da desordem capitalista: a peste autoimune que atacou o sistema global desde 2008 e sua recidiva, um upgrade nas condições de extração do suor que vergasta todo o planeta --incluindo-se ele próprio.
Como a pouca vergonha descarada se catapultou em política de Estado aqui e alhures?
Assim.
Após uma década de erupção, a peste não se defrontou ainda com uma barreira política dotada de diagnóstico e terapia distintos da autorreferência letal que a nutre e engorda.
A inexistência desse contrafogo organizado alivia , mas não elimina os conflitos do caldeirão no qual o neoliberalismo se contorce e para o qual o Brasil e o seu povo estão sendo tangidos nesse momento.
Por favor , Ciro Gomes, esse é o núcleo duro da crise que nos devora: a gigantesca crise capitalista global e os demônios expropriadores que ela libera em busca de sangue novo para a transfusão insaciável.
Dá para enxergar o rosto de Paulo Guedes, Moro & Cia por trás das máscaras cirúrgicas que bufam como foles, enquanto mãos enluvadas espetam o cateter de sucção na jugular do país.
Esse é o ponto.
Não o desequilíbrio fiscal; não a 'degeneração' petista; não a guerra cultural marxista', não a escola crítica, não a política de gênero' e bláblábláblá.
Mas o alarme também se dirige ao PT: alô, inércia, o nome da crise é esgotamento rentista e desordem neoliberal.
Se não for para encarar isso, esqueça e abra a vaga na história.
Fatos: o maquinismo que se pretende internalizar a ferro e fogo e que teve inegável sucesso em acelerar a concentração da riqueza na globalização, faz água por todos os lados, por variados motivos, um em especial.
A fase ascendente do ciclo foi pilotada 'comme il faut'.concentrando a riqueza, impedindo o surgimento de um novo degrau de demanda adequado à realização do fastígio financeiro e tecnológico alcançado.
O padrão sistêmico explica o paradoxo atual: um estoque sem igual de riqueza fictícia arde nas mãos dos mercados em todo o planeta.
A montanha de direitos de saque sobre a riqueza planetária soma pelo menos o dobro do PIB mundial: US$ 170 trilhões contra US$ 80 trilhões, respectivamente.
Não há contrapartida de lastro material que a tranquilize.
E ela não para de crescer.
Bloomberg/Valor, 21/01/2019: 'dez anos após a crise mundial, bilionários estão mais ricos do que nunca'.
A distancia entre o 0,1% mais ricos e os muito pobres só fez aumentar entre 2009 e 2017.
De US$ 3,4 trilhões, o pecúlio dos bilionários saltou para US$ 8,9 trilhões.
Não por acaso, a taxa de desigualdade medida pelo índice de Gini saltou globalmente, com destaque ilustrativo para os casos dos EUA, do bulldog Trump (de 80,9 para 85) e da Alemanha da compassiva Angela Merkel (de 68,6 para 81,6).
A incerteza, a angústia, o desemprego embutidos nesse garrote, que espelha também a asfixia global da classe média, explicam o crescimento da xenofobia, do nacionalismo, dos líderes extremistas e fascistas.
Operações parasitárias expandem o capital fictício sem agregar um osso à sopa rentista, um parafuso à produção, uma vaga de emprego à juventude, uma réstia de esperança a uma sociedade acuada e ferida.
Sob a aparência de uma supremacia incontrastável os nervos pulsam à flor da pele.
Dá-se a isso o nome de 'volatilidade'.
Tudo o que os muezins das soluções de mercado tem a oferecer é engrossar a dose do veneno para desguarnecer ainda mais a capacidade de ação contracíclica do Estado.
Inclua-se nessa receita o festival de privatizações,
A apropriação de estruturas produtivas rentáveis já existentes, a exemplo da Petrobras e do pre-sal (hoje, a tecnologia estatal da Petrobrás extrai um barril de óleo a sete quilômetros de profundidade no mar, da maior fronteira de petróleo do século XXI, a um custo de US$ 7, para uma cotação mundial de venda de US$ 70).
A pilhagem privatista ilustra a ansiosa dança das cadeiras na boca do vulcão: toda riqueza rentista pode virar pó a qualquer momento.
Aqui e ali o jornalismo de mercado reporta aterrizagens desastrosas no ralo da incerteza sistêmica.
Só em dezembro último, US$ 3,8 trilhões evaporaram do mercado acionário dos EUA.
A perda é recorde desde 1998 --'mas o mercado se mantém saudável', garante o jornalismo de banco.
Quase todas as classes de investimentos financeiros registraram perdas no circo rentista dos EUA em 2018.
Sintoma equivalente de 'saúde' só se verificou antes em duas ocasiões, em meio século de estatísticas: na estagflação dos anos 70 e no colapso global de 2008.
Um pico de febre ilustrativo acaba de ser medido no corpo sarado da maior gestora financeira do mundo.
A norte-americana BlackRock, que administra quase US$ 6 trilhões em ativos da papelama, deu baixa em perdas US$ 468 bilhões no último trimestre do ano passado.
O jornalismo brasileiro lambuza-se em devaneios privatistas e finge não ver o chão fugir sob os pés do projeto ao qual se associou num pacto de sangue, em nome da redenção neoliberal cega que preconiza para o país.
O que os larápios visam com as 'reformas', na verdade, resume-se a escalpelar o povo e queimar as últimas jóias do patrimônio público nacional.
É assim que se prestam adensar um pouco a sopa aguada da imensa liquidez que orbita o planeta, sem fomentar a produção, apenas transferindo de mãos a titularidade sobre fontes de lucros já existentes, como a Petrobrás.
É uma contradição nos seus próprios termos: o fastígio financeiro só existe atado à uma contrapartida de esfarelamento social que o comprime.
A crise global de superprodução, agora de capitais ociosos, subordina qualquer futuro à reprodução demoníaca, sem adicionar um bote ao naufrágio social e ambiental para o qual se encaminha o destino da humanidade.
Como a roleta pode continuar girando tão rápido na boca de um precipício histórico tão profundo?
Lubrificada por espessas camadas de privilégios e isenções, como se faz desde os anos 80, quando a farmacopéia do Estado mínimo vendeu à praça sua fórmula milagrosa: "a isenção fiscal aos muito ricos resultará em investimentos e empregos favoráveis aos mais pobres..."
Deu-se o oposto.
Um dado resume todos os demais: em 2017 o PIB global cresceu 3,7%; a fortuna dos bilionários globais aumentou cinco vezes mais (18,6%). Foi a maior alta da história, somando US$ 8,9 trilhões --mais de R$ 32 trilhões nas mãos de 2.158 pessoas, avisa o relatório do banco UBS.
Truques e simulacros sustentam a farsa em escala global que ora se preconiza como a salvação da lavoura para o Brasil.
Em 2018, o dinheiro gasto em operações de recompra das próprias ações e de distribuição de dividendos entre acionistas das 500 maiores corporações negociadas em Bolsa nos EUA, atingiriam o mesmo valor do quantitative easing liberado então pelo Fed.
Não é mera coincidência contábil.
É o próprio processo de deslocamento de fundos fiscais da sociedade para as mãos dos rentistas falidos em 2008.
Estamos falando de mais de US$ 1 trilhão de dólares que saíram do BC dos EUA para aterrissar nos bolsos da oligarquia financeira irresponsável.
Em todo o mundo capitalista o Estado emite os mesmos avisos que agora se mimetizam aqui.
O tempo em que o destino de cada um dizia respeito ao interesse de todos se esgotou.
O moinho rentista precisa demolir o que restou da segurança social para aterrar o chão mole que afunda sob o próprio peso da sua ganância.
A destruição planejada do Estado brasileiro é parte dessa faina, dificultada desde os anos 90 por quatro derrotas sucessivas do PSDB para frentes progressistas lideradas pelo PT.
Foi para recuperar o tempo perdido --ante a perspectiva de uma quinta derrota para Lula-- que as elites trancafiaram o líder das pesquisas --'é importante que Lula seja mantido a longa distância de aglomerações...'--e deram carta branca a um agrupamento oriundo das estrebarias do sistema e dos serviços de inteligência dos EUA.
O esférico fiasco que se desenha diante da ostensiva falta de preparo da tropa de xucros que ofende e agride a nação, jogou o patamar da crise a um ponto desconhecido, do qual pode emergir um Brasil arrasado.
Para resistir é necessário recusar os limites do jogo conservador e os seus fundamentos.
Não é possível afrontar o que se desenha sem uma ampla organização popular capaz de conquistar o poder de Estado e democratizar suas decisões.
Sim, caros petistas, sem inovação social --conselhos, referendos digitais, diálogo popular permanente, formas coletivas de viver, produzir, criar, celebrar, educar e consumir, enfase no bem comum como bem público-- nenhum ciclo de crescimento resultará em emancipação efetiva.
'Radicalismo retórico'?
Não.
A angústia de uma espera por respostas que a esquerda não conseguiu oferecer --por ter insistido em busca-las no cardápio gasto da desordem neoliberal-- abriu as portas ao anseio por coesão e segurança, respondido espertamente pelo arsenal fascista, com sotaque adaptado às conveniências de cada lugar.
A remoção dos grandes letreiros de metal do edifício onde funcionava o Ministério do Trabalho, em Brasília --criado por Vargas em novembro de 1930 e extinto por decreto, 48 horas após a posse do capitão do capital -- é tão expressiva que parece cena de filme do Costa Gravas.
O enredo, porém, mantém-se em aberto pelos conflitos insolúveis que o desmanche em curso agrava e reprime, mas não equaciona.
A razão é estrutural.
No dizer elegante de István Mészáros, a determinação do nosso tempo é que ‘a acumulação de capital não pode mais funcionar adequadamente no âmbito da economia produtiva’.
Estamos falando do crepitar de uma desordem econômica e social incapaz de conviver com os recursos que formam as bases da vida na terra e os valores cruciais da civilização.
A questão a ser respondida pelo conjunto das forças progressistas brasileiras é se há audácia para romper a camisa de força das respostas ordinárias quando o extraordinário acontece.
O resto é antipetismo dos tolos.
Algumas semanas de um governo, de qualquer governo, representam um tempo curto demais para sentenças conclusivas.
Exceções existem quando a fulminante exposição de um despreparo político desaba sobre o imaginário coletivo e avança a bordo de indicadores de um caráter inescrupuloso, que acende o alarme para o desastre iminente -- de comando e do cânone aos quais a sociedade entregou a sua sorte.
Fernando Collor, o caçador de marajás; 29 anos antes dele, Jânio Quadros, o 'varre, varre vassourinha'; para descer um pouco mais, lembremo-nos da meteórica passagem de Celso Russomano: todos empolgaram a opinião manipulada do país a seu tempo.
Despencariam verticalmente, em seguida, no abismo do descrédito e da inviabilidade, de onde nunca mais regressariam.
Bolsonaro e a falange que o cerca bamboleiam à beira do mesmo precipício, onde o chão não costuma se recompor depois de esfarelar.
A paradoxal singularidade que o sustenta, com o prazo de validade expirado em efêmero curso, decorre da intrínseca posição de raspa do tacho que ele e sua turma ocupam do acervo das opções da classe dominante brasileira.
O paradoxo dá ao chorume em decomposição precoce e malcheirosa uma autonomia que retarda seu percurso ao aterro sanitário da história.
Dito de modo menos deselegante: atiçado pela aliança da mídia com a escória, a elite e o dinheiro a sangrar Dilma e o PT até a exasperação social, o cachorro louco mordeu a mão do dono e se recusa a voltar ao canil.
A perplexidade de parcelas da própria elite diante do cabal despreparo do capitão que empalmou o comando do upgrade neoliberal no país agrava-se pela inexistência de um plano B capaz de, ao mesmo tempo, defenestra-lo e retomar o roteiro original.
Nem a ditadura militar aberta --acalentada por alguns-- oferece esse lacre de garantia num mundo sobressaltado por ressurgências nacionalistas e bonapartistas de direita.
Poucas vezes o horizonte conservador esteve tão desguarnecido: Mourão mais assusta que reconforta o dinheiro.
A verdade é que a carne podre fede na mesa dos comensais, que hesitam entre devolve-la ao lixão da história ou ingeri-la, ao risco de intoxicação fatal.
A gravidade da encruzilhada brasileira decorre em grande parte desse ocaso escavado pelo golpe jurídico-midiático de 2015.
A maior liderança popular da história do país, talvez a única com densidade política para catalisar e vocalizar anseios e aspirações na fronteira do desespero, foi fraudulentamente arrancada da cena política.
Deu-se o oposto do florescimento alternativo esperado.
O imenso vácuo de consequências imprevisíveis outorgou ao capitão e a seus milicianos uma ambígua sobrevida.
A fulminante ressignificação da palavra Brasil no ambiente internacional resulta justamente da percepção ecumênica de que a quinta maior demografia do planeta, oitava maior econômica do mundo, tornou-se um barco convulsionado, nas mãos de um comodoro incompetente que emite tagarelices e insultos, mas é inapto para liderar e decidir.
Mais que isso.
Imerso em um hiato de baixo crescimento que salgou seu conflagrado tecido social, o Brasil não dispõe nesse momento de ferramentas democráticas a altura da repactuação urgente do seu desenvolvimento --sem o qual não haverá justiça, democracia, prosperidade, paz ou esperança.
O risco de que isso possa romper a barragem que nos separa de uma tragédia desesperadora não deve ser subestimado.
A insatisfação social é tão densa que se pode cortar com uma faca.
Pesquisas que alardeiam o 'otimismo' com o futuro, na verdade confundem o profundo desalento e o anseio por alívio --- qualquer alívio-- com um sentimento de confiança no amanhã.
Apenas 11% dos brasileiros acreditam, de fato, que a falange no poder beneficiará os trabalhadores, conforme informou discretamente a Folha em página interna na edição de 26 de janeiro.
A pesquisa de campo desse Datafolha foi feita no final de 2018; hoje seria pior.
Bolsonaro teve 55% dos votos dois meses antes disso.
A velocidade da corrosão na base da barragem é vertiginosa.
As forças democráticas e progressistas não podem se omitir diante das consequências e responsabilidades organizativas e programáticas que esse divisor vai cobrar muito em breve.
A principal delas: recuperar a coerência entre o projeto de democratização social para o Brasil e a contrapartida de nucleação popular necessária para alcança-lo, defende-lo e, assim, resgatar a credibilidade perdida.
A fase alegre dos consensos se esgotou.
A prioridade parlamentar degenerou um pedaço do PT em burocracia associada aos interesses cuja lógica deveria enfrentar de forma crível e corajosa, assentada na supremacia das instancias de base sobre as demais esferas partidárias.
Retórica esquerdista?
Não.
A flacidez do vínculo popular --após década e meia no governo-- mostrou seu preço quando o assalto conservador avançou, sem resistência, e em todas as direções, a rua e o imaginário social incluídos, sobre o governo Dilma, sobre Lula e sobre a estrutura legal e política do PT.
'Sem um tiro', teria desabafado o próprio Lula, perplexo.
A boa vontade incremental, desprovida do engajamento popular, aprendeu então, a duras penas, que a elite que usufrui da maior taxa de desigualdade do planeta não cogita concessões --exceto se coagida a isso pelas ruas e por organizações de massa de capilaridade nacional, hoje inexistentes.
Na ausência desse contraponto, predomina o chorume nauseante que conduz um projeto quase cristalino de expropriação, não fosse pelas diversas acepções de lama que turvam o seu jorro.
A meta fria é quase obscena.
Cuida-se de ajustar os garrotes para regredir as fronteiras da civilização até onde for sinistramente possível, no eclipse entre a subsistência e a agonia social da vasta maioria do país.
É esse o significado da palavra 'reformas'. Ou do bordão 'equilíbrio fiscal' .
Ou não?
Afinal, de que equilíbrio fiscal estamos falando, e a que custos humanos e logísticos, em uma sociedade em que seis endinheirados detém fortuna equivalente à soma da renda de 100 milhões de cidadãos mais pobres --metade do país?
De que equilíbrio estamos falando se a plutocracia brasileira viu sua riqueza crescer 7,5% entre 2014 e 2016, enquanto o PIB nacional despencava 7,2% e a renda per capita encolhia quase 9%?
Como ocorrem essas reluzentes assimetrias; empurradas por quais políticas forças e marteletes midiáticos?
Em meio à borrasca social, 71.500 privilegiados acumularam em 2016 rendimentos isentos e não tributáveis da ordem de R$ 350 bilhões -- montanha de dinheiro muito próxima do necessário para cobrir o que se chama de 'subfinanciamento do SUS'.
Mais de 40% do total das isenções fiscais de R$ 844 bilhões concedidas em 2016 beneficiaram os já ricos e super-ricos, basicamente os detentores de lucros e dividendos --diante dos quais o Leão que ruge para os aposentados mia e dá a patinha.
O conjunto ajuda a entender por que se mantém inalterado o gargalo matricial do desenvolvimento brasileiro, uma desigualdade tóxica feita de uma apropriação de 28% da riqueza por 1% da população --contra média mundial de 22%, observa Thomas Piketty.
Em reforço a esse legado, o mercado e seus jornalistas isentos mantém 'a frieza' diante do enclave miliciano que ajudaram a instalar no coração do Estado, informa o jornal Valor (22/01/2019), ele próprio um climatizador da brutalidade entronizada em poder.
O vale tudo tem alvo e método.
O anseio expresso das elites brasileiras é revogar a Carta de 1988.
Com ela, as condições mínimas indispensáveis à estrutura funcional de uma sociedade marcada por vergonhosa seletividade no acesso aos recursos e confortos do século XXI.
Enxurradas nauseantes foram despejadas no discernimento social do país de modo a intoxicar as redes sociais com fecalismo digital, enquanto se agia sem piedade no que interessa.
Os pedalinhos do sítio de Atibaia?
Tá bom...
Ah, Palocci levava dinheiro em espécie a Lula escondido em caixas de celulares e caixas de vinho...
Caramba...
Fatos: ante o esgotamento de um ciclo de expansão econômica --e antes que outro pudesse ser escrutinado em amplas rodadas de mobilizações e negociações democráticas, as classes proprietárias abriram o canil.
Centuriões toscos e mal-ajambrados, dublês de milico fazendo segurança em dia de folga, personagens de quadrinhos do manicômio conservador que infecta as redes sociais assumiram seu papel na história.
Esse corso nauseante só é alçado dos bueiros quando os detentores da riqueza vislumbram a possibilidade de superar um esgotamento cíclico sem fazer concessões.
As vidas expostas ao vale tudo experimentarão uma escalada de violência equivalente a perpetrada pelas tropas de ocupação na tomada casa a casa dos derrotados.
Estamos falando de um impulso com as características de uma contrarrevolução, sem que se tenha passado por uma, nem se disponha do seu legado organizativo de resistência.
A assimetria é brutal; suas consequências assustadoras.
'É uma disputa de filosofia de vida', resume o general que chefia a Casa Civil do novo governo, edulcorando o saque que avança da economia aos valores, passando pelos direitos para atingir os costumes.
Uma elite dificilmente desencadeia uma operação dessa envergadura, tão ampla e atrevida, sem as garantias militares de repressão interna, bem como as contrapartidas de praxe de Washington.
Não que lhe falte apetite.
Contidos pela focinheira da correlação de forças, maxilares sedentos são mantidos a maior parte do tempo em retesada tocaia nas esquinas da história.
No Brasil dos últimos quarenta anos, a grande pedra no meio do caminho, lapidada como uma construção coletiva do povo brasileiro, respondia pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva.
Esse que a Polícia Federal - leia-se Moro & CIA - em confissão abusada admitiu na última quinta-feira (31/01/2019), conforme nota oficial que excluía o ex-presidente do direito previsto em lei de comparecer ao enterro do irmão; aspas para a polícia política do golpe: ''É importante que Lula seja mantido a longa distância de aglomerações, já que esse fato pode desencadear crises imprevisíveis..."
Tão importante quanto foi te-lo mantido 'a longa distância' das aglomerações eleitorais de 2018 --já que esse fato poderia desencadear resultados previsíveis, a julgar pela liderança folgada do ex-metalúrgico nas enquetes que sugeriam a sua vitória no primeiro turno, mesmo preso e sem acesso aos meios de comunicação.
Fatos: a prisão política da maior liderança popular brasileira era um Rubicão histórico na vida das elites locais e forâneas.
Seria preciso cruzá-lo para relaxar a grande cloaca regressiva, que ora excreta jatos de imundice antidemocrática, antissocial e antinacional sobre o povo, a nação e a alma da sociedade.
Descargas suficientes para soterrar as principais frestas e abrigos desbravados em séculos de lutas sociais calafetam todas as frinchas civilizacionais do país neste momento.
Um Brumadinho de ódio e ganância soterra a nação.
Há volúpia e sofreguidão no ar.
'É preciso quebrar o espelho retrovisor', sentencia o banqueiro e presidente do Conselho do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, tido como polido e ilustrado.
É esse o estado de espírito nos salões onde brindam os finos e honestos.
Há razões para comemorar o furdunço institucional: respira-se a oportunidade de queimar as caravelas de uma exclusão sem volta.
Psicopatas sociais de diferentes linhagens deliram.
À prisão da liderança que catalisava a força e o consentimento dos grandes levantes populares e operários desde a luta contra a ditadura e o arrocho, nos anos 70/80, veio se juntar o ambiente internacional de ostensiva dissipação democrática criada pela desordem neoliberal.
Desse socavão avultam os apavorantes cirurgiões de um capitalismo convulsionado que se automedica com o que tem de mais leta no seu acervo de maldades: Trumps, Salvinis, Orbans, Andrzejs Dudas, Netanyahus, Macris, Bolsonaros...
O conjunto ajuda a entender por que o dinheiro perdeu a vergonha de ser o que é no Brasil.
Um Presidente que excreta o despreparo de um capitão do mato, engastado a organizações para-militares de extermínio, que vitupera contra pobres, negros, índios, mulheres, ecologistas,sindicatos, salários, direitos sociais, cotas, patrimônio público etc não constrange o mercado.
Marielli não constrange o mercado.
A sentença de morte sobre familiares de Jean Wyllys não constrange o mercado.
Brumadinho não constrange.
O 'sítio do Lula', sim.
'Faça-se o necessário'.
Por necessário entenda-se internalizar o pacote completo da desordem capitalista: a peste autoimune que atacou o sistema global desde 2008 e sua recidiva, um upgrade nas condições de extração do suor que vergasta todo o planeta --incluindo-se ele próprio.
Como a pouca vergonha descarada se catapultou em política de Estado aqui e alhures?
Assim.
Após uma década de erupção, a peste não se defrontou ainda com uma barreira política dotada de diagnóstico e terapia distintos da autorreferência letal que a nutre e engorda.
A inexistência desse contrafogo organizado alivia , mas não elimina os conflitos do caldeirão no qual o neoliberalismo se contorce e para o qual o Brasil e o seu povo estão sendo tangidos nesse momento.
Por favor , Ciro Gomes, esse é o núcleo duro da crise que nos devora: a gigantesca crise capitalista global e os demônios expropriadores que ela libera em busca de sangue novo para a transfusão insaciável.
Dá para enxergar o rosto de Paulo Guedes, Moro & Cia por trás das máscaras cirúrgicas que bufam como foles, enquanto mãos enluvadas espetam o cateter de sucção na jugular do país.
Esse é o ponto.
Não o desequilíbrio fiscal; não a 'degeneração' petista; não a guerra cultural marxista', não a escola crítica, não a política de gênero' e bláblábláblá.
Mas o alarme também se dirige ao PT: alô, inércia, o nome da crise é esgotamento rentista e desordem neoliberal.
Se não for para encarar isso, esqueça e abra a vaga na história.
Fatos: o maquinismo que se pretende internalizar a ferro e fogo e que teve inegável sucesso em acelerar a concentração da riqueza na globalização, faz água por todos os lados, por variados motivos, um em especial.
A fase ascendente do ciclo foi pilotada 'comme il faut'.concentrando a riqueza, impedindo o surgimento de um novo degrau de demanda adequado à realização do fastígio financeiro e tecnológico alcançado.
O padrão sistêmico explica o paradoxo atual: um estoque sem igual de riqueza fictícia arde nas mãos dos mercados em todo o planeta.
A montanha de direitos de saque sobre a riqueza planetária soma pelo menos o dobro do PIB mundial: US$ 170 trilhões contra US$ 80 trilhões, respectivamente.
Não há contrapartida de lastro material que a tranquilize.
E ela não para de crescer.
Bloomberg/Valor, 21/01/2019: 'dez anos após a crise mundial, bilionários estão mais ricos do que nunca'.
A distancia entre o 0,1% mais ricos e os muito pobres só fez aumentar entre 2009 e 2017.
De US$ 3,4 trilhões, o pecúlio dos bilionários saltou para US$ 8,9 trilhões.
Não por acaso, a taxa de desigualdade medida pelo índice de Gini saltou globalmente, com destaque ilustrativo para os casos dos EUA, do bulldog Trump (de 80,9 para 85) e da Alemanha da compassiva Angela Merkel (de 68,6 para 81,6).
A incerteza, a angústia, o desemprego embutidos nesse garrote, que espelha também a asfixia global da classe média, explicam o crescimento da xenofobia, do nacionalismo, dos líderes extremistas e fascistas.
Operações parasitárias expandem o capital fictício sem agregar um osso à sopa rentista, um parafuso à produção, uma vaga de emprego à juventude, uma réstia de esperança a uma sociedade acuada e ferida.
Sob a aparência de uma supremacia incontrastável os nervos pulsam à flor da pele.
Dá-se a isso o nome de 'volatilidade'.
Tudo o que os muezins das soluções de mercado tem a oferecer é engrossar a dose do veneno para desguarnecer ainda mais a capacidade de ação contracíclica do Estado.
Inclua-se nessa receita o festival de privatizações,
A apropriação de estruturas produtivas rentáveis já existentes, a exemplo da Petrobras e do pre-sal (hoje, a tecnologia estatal da Petrobrás extrai um barril de óleo a sete quilômetros de profundidade no mar, da maior fronteira de petróleo do século XXI, a um custo de US$ 7, para uma cotação mundial de venda de US$ 70).
A pilhagem privatista ilustra a ansiosa dança das cadeiras na boca do vulcão: toda riqueza rentista pode virar pó a qualquer momento.
Aqui e ali o jornalismo de mercado reporta aterrizagens desastrosas no ralo da incerteza sistêmica.
Só em dezembro último, US$ 3,8 trilhões evaporaram do mercado acionário dos EUA.
A perda é recorde desde 1998 --'mas o mercado se mantém saudável', garante o jornalismo de banco.
Quase todas as classes de investimentos financeiros registraram perdas no circo rentista dos EUA em 2018.
Sintoma equivalente de 'saúde' só se verificou antes em duas ocasiões, em meio século de estatísticas: na estagflação dos anos 70 e no colapso global de 2008.
Um pico de febre ilustrativo acaba de ser medido no corpo sarado da maior gestora financeira do mundo.
A norte-americana BlackRock, que administra quase US$ 6 trilhões em ativos da papelama, deu baixa em perdas US$ 468 bilhões no último trimestre do ano passado.
O jornalismo brasileiro lambuza-se em devaneios privatistas e finge não ver o chão fugir sob os pés do projeto ao qual se associou num pacto de sangue, em nome da redenção neoliberal cega que preconiza para o país.
O que os larápios visam com as 'reformas', na verdade, resume-se a escalpelar o povo e queimar as últimas jóias do patrimônio público nacional.
É assim que se prestam adensar um pouco a sopa aguada da imensa liquidez que orbita o planeta, sem fomentar a produção, apenas transferindo de mãos a titularidade sobre fontes de lucros já existentes, como a Petrobrás.
É uma contradição nos seus próprios termos: o fastígio financeiro só existe atado à uma contrapartida de esfarelamento social que o comprime.
A crise global de superprodução, agora de capitais ociosos, subordina qualquer futuro à reprodução demoníaca, sem adicionar um bote ao naufrágio social e ambiental para o qual se encaminha o destino da humanidade.
Como a roleta pode continuar girando tão rápido na boca de um precipício histórico tão profundo?
Lubrificada por espessas camadas de privilégios e isenções, como se faz desde os anos 80, quando a farmacopéia do Estado mínimo vendeu à praça sua fórmula milagrosa: "a isenção fiscal aos muito ricos resultará em investimentos e empregos favoráveis aos mais pobres..."
Deu-se o oposto.
Um dado resume todos os demais: em 2017 o PIB global cresceu 3,7%; a fortuna dos bilionários globais aumentou cinco vezes mais (18,6%). Foi a maior alta da história, somando US$ 8,9 trilhões --mais de R$ 32 trilhões nas mãos de 2.158 pessoas, avisa o relatório do banco UBS.
Truques e simulacros sustentam a farsa em escala global que ora se preconiza como a salvação da lavoura para o Brasil.
Em 2018, o dinheiro gasto em operações de recompra das próprias ações e de distribuição de dividendos entre acionistas das 500 maiores corporações negociadas em Bolsa nos EUA, atingiriam o mesmo valor do quantitative easing liberado então pelo Fed.
Não é mera coincidência contábil.
É o próprio processo de deslocamento de fundos fiscais da sociedade para as mãos dos rentistas falidos em 2008.
Estamos falando de mais de US$ 1 trilhão de dólares que saíram do BC dos EUA para aterrissar nos bolsos da oligarquia financeira irresponsável.
Em todo o mundo capitalista o Estado emite os mesmos avisos que agora se mimetizam aqui.
O tempo em que o destino de cada um dizia respeito ao interesse de todos se esgotou.
O moinho rentista precisa demolir o que restou da segurança social para aterrar o chão mole que afunda sob o próprio peso da sua ganância.
A destruição planejada do Estado brasileiro é parte dessa faina, dificultada desde os anos 90 por quatro derrotas sucessivas do PSDB para frentes progressistas lideradas pelo PT.
Foi para recuperar o tempo perdido --ante a perspectiva de uma quinta derrota para Lula-- que as elites trancafiaram o líder das pesquisas --'é importante que Lula seja mantido a longa distância de aglomerações...'--e deram carta branca a um agrupamento oriundo das estrebarias do sistema e dos serviços de inteligência dos EUA.
O esférico fiasco que se desenha diante da ostensiva falta de preparo da tropa de xucros que ofende e agride a nação, jogou o patamar da crise a um ponto desconhecido, do qual pode emergir um Brasil arrasado.
Para resistir é necessário recusar os limites do jogo conservador e os seus fundamentos.
Não é possível afrontar o que se desenha sem uma ampla organização popular capaz de conquistar o poder de Estado e democratizar suas decisões.
Sim, caros petistas, sem inovação social --conselhos, referendos digitais, diálogo popular permanente, formas coletivas de viver, produzir, criar, celebrar, educar e consumir, enfase no bem comum como bem público-- nenhum ciclo de crescimento resultará em emancipação efetiva.
'Radicalismo retórico'?
Não.
A angústia de uma espera por respostas que a esquerda não conseguiu oferecer --por ter insistido em busca-las no cardápio gasto da desordem neoliberal-- abriu as portas ao anseio por coesão e segurança, respondido espertamente pelo arsenal fascista, com sotaque adaptado às conveniências de cada lugar.
A remoção dos grandes letreiros de metal do edifício onde funcionava o Ministério do Trabalho, em Brasília --criado por Vargas em novembro de 1930 e extinto por decreto, 48 horas após a posse do capitão do capital -- é tão expressiva que parece cena de filme do Costa Gravas.
O enredo, porém, mantém-se em aberto pelos conflitos insolúveis que o desmanche em curso agrava e reprime, mas não equaciona.
A razão é estrutural.
No dizer elegante de István Mészáros, a determinação do nosso tempo é que ‘a acumulação de capital não pode mais funcionar adequadamente no âmbito da economia produtiva’.
Estamos falando do crepitar de uma desordem econômica e social incapaz de conviver com os recursos que formam as bases da vida na terra e os valores cruciais da civilização.
A questão a ser respondida pelo conjunto das forças progressistas brasileiras é se há audácia para romper a camisa de força das respostas ordinárias quando o extraordinário acontece.
O resto é antipetismo dos tolos.
Ufa! Quantas advertências, luzes que estouram em nossas caras. Quanto é muito bom ler, ser cutucado e chamado a realidade, ainda que cruel. O arrancar de máscaras de seres que habitam as profundezas mais imundas da incivilidade e setores gananciosos da economia global, aliada a nossa vassalagem liderada por essa falange de milicianos que assaltou o poder. Muitíssimo obrigado.
ResponderExcluirAterrorizador, posto que verdadeiro!
ResponderExcluirE agora? Como faremos? Com quem faremos?
Urge que se comece a fazer!
Como(re)construir estruturas, espaços, etc?
Creio que a realidade que o texto revela precisa ser crida (acreditada) e didaticamente difundida.