domingo, 17 de março de 2019

"A besta do fascismo saiu do controle"

Por Yvana Fechine, de Paris, no site Marco Zero:

Em uma palestra realizada em Paris, no último sábado (16), o ex-deputado do PSOL, Jean Wyllys, que renunciou ao mandado e saiu do Brasil por sofrer ameaças de morte, argumentou que tão importante quanto perguntar “Quem mandou matar Marielle?” é questionar por que só agora a imprensa brasileira está colocando em evidência as relações da família Bolsonaro com as milícias do Rio envolvidas com os executores do assassinato da vereadora carioca. Empenhado em denunciar na Europa os ataques à democracia brasileira, Wyllys responde à própria questão com uma hipótese: “A besta do fascismo saiu do controle!”, afirmou o ex-deputado, referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro (PSL).

No debate, após a palestra a convite de entidades de defesa dos direitos humanos e da Anistia Internacional na França, Jean Wyllys destacou o fato das ligações do clã Bolsonaro com as milícias estarem sendo reveladas “agora, e somente agora, embora estivessem evidentes muito antes”, inclusive durante a última campanha eleitoral.

O ex-deputado argumenta que a as elites e a imprensa brasileiras começaram a reconhecer a “irresponsabilidade por terem fingido que Bolsonaro não era quem era” para garantir seus próprios interesses e, agora, estão apavorados porque “o presidente tem abrigado no governo fanáticos religiosos, que beiram a psicose, e pessoas completamente incompetentes, e essa atuação pífia e esse comportamento errático, a continuação do modo de campanha no governo, têm ameaçado a agenda econômica que se deseja implementar no País”.

O ex-deputado referia-se, sobretudo, à aprovação de medidas neoliberais, como a Reforma da Previdência. Para Wyllys, foi somente depois que o presidente da República passou a tratar como inimigos pessoais não apenas opositores políticos, mas também jornalistas, que uma parte da mídia brasileira que o apoiou parece, finalmente, estar reconhecendo que “a besta do fascismo saiu do controle”.

As declarações de Jean Wyllys foram feitas durante uma palestra realizada no International Folk Culture Center de Paris, um centro político-cultural que acolheu muitos exilados latino-americanos, entre eles muitos brasileiros perseguidos pela Ditadura Militar. Ele participou do seminário “Um ano depois do assassinato de Marielle Franco: denunciar a violência de Estado”, que foi organizado por três coletivos – Autres Brésils, Coletiva Marielles e Femmes Unies du Brésil – com o apoio da Anistia Internacional na França.

Ameaças de morte

No evento, Wyllys contou que as ameaças de morte, que culminaram com sua saída do País, intensificaram-se depois que ele presidiu a Comissão Parlamentar Externa que acompanhou as investigações sobre os assassinatos de Marielle e Anderson, pressionando as autoridades de segurança pública estaduais e federais para que apresentassem respostas.

Jean Wyllys voltou a destacar as relações existentes entre a família Bolsonaro e os milicianos responsáveis pela execução de Marielle e Anderson. Diante de uma plateia formada não apenas por brasileiros, mas por muitos franceses e outros latino-americanos, Jean Wyllys, convidou todos a analisarem os fatos: 

“Fato: Bolsonaro elogiou em várias ocasiões a atuação das milícias no Rio de Janeiro, mesmo sabendo que constituíam uma espécie de máfia ou poder paralelo. Fato: Flávio Bolsonaro empregou em seu gabinete a mãe e a esposa de membros das milícias do Rio de Janeiro. Fato: a família Bolsonaro não expressou qualquer solidariedade quando da execução de Marielle Franco e Flavio Bolsonaro fez um tweet protocolar de solidariedade que apagou no dia seguinte. Fato: Flávio Bolsonaro fazia malversação do dinheiro publico através de “laranjas” e o seu operador era um membro da milícia que está, inclusive, foragido. Fato: a Polícia Civil e o Ministério Público denunciaram como executores dos assassinatos de Marielle e Anderson um ex-PM e um PM reformado, membro da milícia e que, coincidentemente, morava próximo da casa de Bolsonaro num condomínio de luxo na Barra da Tijuca. Com um desses acusados, a polícia encontrou 117 fuzis, ou seja, esta pessoa está ligada ao tráfico de armas no Rio de Janeiro. Fato: a filha desse sujeito namorou o filho do Bolsonaro. Agora vamos às perguntas: como a inteligência, a ABIN, como a Polícia Federal, o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, não sabiam disso, tendo Bolsonaro supostamente sido atacado com uma facada na campanha? Como essas instituições não sabiam que Bolsonaro estava a poucos metros de um assassino traficante de armas?”, questionou o ex-deputado.

Crime político

Depois de afirmar em Portugal que “Marielle vai derrubar Bolsonaro”, Jean Wyllys voltou a cobrar o desdobramento das investigações para que se chegue aos mandantes do assassinato da vereadora carioca e insistiu em afirmar que não se tratou de um crime de ódio, mas de uma execução com motivação política evidente e com envolvimento no caso de grupos que estão no poder. Para Wyllys, a identificação de milicianos como executores do crime torna óbvio que “os assassinos receberam para executar ou deram a execução de presente”.

O ex-deputado contou que teve a certeza que não estaria mais seguro no Brasil quando, ainda durante o recesso parlamentar, eclodiu o escândalo envolvendo o ex-deputado do Rio e atual senador Flavio Bolsonaro, com Fabrício Queiroz, acusado de movimentações financeiras suspeitas, quando atuava como seu assessor, o que evidenciou as ligações da família com as milícias do Rio.

Jean Wyllys confessou que, diante “dessas relações estreitas entre a família que ocuparia o Palácio do Planalto e as milícias que controlam territórios e se tornaram parte do Estado no Rio”, sentiu-se ainda mais ameaçado. Ressaltou também que, mesmo diante dos riscos que estava correndo, o governo Brasileiro “ignorou solenemente o pedido de medida cautelar feita pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em relação à minha vida e da minha família”.

Wyllys lembrou que se tornou um alvo preferencial dos ataques da família do presidente desde que cuspiu na cara de Jair Bolsonaro, durante a sessão de votação do impeachment, quando ele dedicou o voto ao torturador de Dilma Roussef, Carlos Brilhante Ulstra. O ex-deputado destacou ainda que, mesmo não sendo candidato à presidência, foi uma das principais vítimas das fake news difundidas pela campanha de Bolsonaro, em 2018, por sua condição de homossexual e sua luta contra a homofobia.

“As pessoas naturalizaram a ideia de que quando Bolsonaro vencesse as eleições eu morreria, eu seria assassinado, e elas me diziam isso textualmente: se prepare, 2019 vem aí, você não passa de 2019!”, contou.

Atuação fora do país

O ex-deputado disse que, mesmo reeleito, saiu da campanha exausto e amedrontado e que tomou a difícil decisão de sair do País porque estava “seguro de que morreria mesmo”. Wyllys admitiu que não queria se tornar “mais um mártir” da defesa dos direitos humanos e que, no atual contexto, poderia atuar melhor fora do Brasil, como vem fazendo. Acrescentou que a própria Marielle, que, para ele, já se tornou uma mártir das lutas pelas minorias certamente não escolheria “ser martirizada”.

Evento em homenagem à memória de Marielle, do qual participou Jean Wyllys, contou ainda com exibição de vídeos da vereadora carioca pontuado por falas de seus companheiros de partido, além da sua viúva, Mônica Benício. Também houve um depoimento ao vivo (via Skype) de sua irmã, Anielle Franco. Em nome da família, ela agradeceu a homenagem e anunciou para a plateia a criação do Instituto Marielle, que pretende trabalhar sobretudo na Favela da Maré (Rio), com a mesma pauta social da vereadora executada a tiros, junto com o seu motorista Anderson, quando voltava de um evento político em 14 de marco de 2018.

Emocionada, Anielle disse: “Eles acordaram um gigante, e o primeiro gigante que acordou fui eu. A gente vai honrar muito o que minha irmã fez e que vocês possam segurar em nossas mãos”.

Coalisão internacional pela democracia no Brasil

No evento, a representante do coletivo Autres Brésils, Érika Campelo, anunciou que está sendo articulada o que ela denominou de uma “coalisão contra os ataques à democracia brasileira”, reunindo 25 movimentos sociais e entidades de defesa dos direitos humanos na França. Essas entidades já começaram a se reunir para discutir e planejar ações concretas. A vinda de Jean Wyllys a Paris já é resultado das primeiras parcerias entre entidades que participam dessa articulação mais ampla.

No próximo dia 20 de março, Jean Wyllys, fará, também em Paris, a conferência intitulada “Os impactos dos discursos de ódio e das fake news: o caso do Brasil”. A conferência será realizada na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales – EHESS (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Amphithéâtre François Furet), atendendo ao convite do Groupe de Reflexion su Le Brésil (Grupo de Reflexão sobre o Brasil Contemporâneo).

O evento conta também com o apoio da ARBRE (Association pour la Recherche sur le Brésil en Europe) e da APEB (Associação de Pesquisadores e Estudantes Brasileiros na França). O ex-deputado tem viajando por vários países europeus, atendendo a convites de coletivos e entidades de defesa dos direitos humanos, mas tem planos de fazer um doutorado em Berlim (Alemanha), cujo tema versará sobre discursos de ódio e fake news, problemas que sentiu na própria pele.

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