sexta-feira, 15 de março de 2019

Sobrou alguma coisa boa para contar?

Por Ricardo Kotscho, em seu blog:

Desisto.

Desde cedo, estou procurando por todo canto alguma história boa para contar aos caros leitores do Balaio para espantar o baixo astral.

Ao final de mais uma semana trágica e tormentosa, com o massacre de Suzano e a prisão dos milicianos amigos acusados do assassinato de Marielle e Anderson, lamento informar, mas não sobrou nada.

Não achei nem mesmo uma pílula noticiosa falando bem de alguém que tenha ajudado uma velhinha a atravessar a rua.

Na quinta-feira, ao saber que o presidente crazy-fake faria mais uma live nas redes sociais, até pensei que seria possível ouvir dele algum plano, qualquer um, que seja bom para o país.

Mas o capitão gastou seu tempo falando de novo da importação de bananas do Equador e dos problemas de trânsito, e aproveitou, claro, para falar mal da Folha.

Em que mundo esse homem vive?

Na véspera de mais um aniversário, já chegando aos 71, um verdadeiro milagre de sobrevivência para quem fez a primeira cirurgia aos 8 meses de idade, abro a janela do tempo e só encontro coisas boas num passado nem tão remoto.

No meu caso particular, o inferno astral que antecede os aniversários já dura um ano inteiro, sem nenhum sinal de que vá acabar tão cedo.

Fico pensando no que fizemos com nosso país para detoná-lo em tão pouco tempo.

Uso de propósito a primeira pessoa do plural, e não a terceira, porque acho que somos todos responsáveis, sim, por ação ou omissão, para chegarmos a esse ponto de completa anomia social.

Em que momento essa desgraça aconteceu, quando demos esse cavalo de pau que nos levou à ruína e à beira do abismo?

Desde o golpe de 2016, o Brasil deixou de ser um país admirado e respeitado no mundo inteiro, para se tornar este alvo permanente de chacotas e deboches na mídia internacional.

Viramos párias, uma nação desmoralizada no mundo civilizado, que ninguém mais leva a sério.

Agora querem trocar os embaixadores para melhorar nossa imagem no exterior, é inacreditável. Como se isso fosse possível, e houvesse mágicos disponíveis para essa missão.

Com o chanceler aloprado que temos, vai ser mais um motivo de galhofa e de vergonha.

Somos desgovernados à distância pelo guru da Virgínia, um caçador de ursos que orienta os filhos do capitão.

Em apenas 74 dias de poder da nova ordem unida, não sobrou pedra sobre pedra e, pior, não nos permitem mais nem ter esperança de dias melhores.

Para quem acha que isso é coisa de velho ranzinza, recomendo a leitura atenta da coluna de Fernanda Torres, que é de outra geração, publicada hoje, na Folha Ilustrada, com o singelo título “Cama”.

Termina assim: “Para não desesperar, continuo fazendo a cama”.

E que faço eu, que nem minha cama sei arrumar?

Estou aqui apenas cumprindo tabela, com as filhas bem criadas e vendo os netos crescer, mas me preocupo muito com o futuro deles, apesar de nada mais poder fazer para lhes deixar um país melhor.

Continuo aqui escrevendo todos os dias, a única coisa que sei fazer, mesmo sabendo que as palavras perderam a serventia.

Por uma imposição do meu ofício de repórter, não posso inventar histórias para agradar aos leitores, mas é exatamente isso que mais fazem nossos atuais mandatários: mentem, mentem tão descaradamente que devem até acreditar no que falam.

E tem muita gente que acredita, para continuar se iludindo com o Mito, este ser estranho e assustador, que até agora não tem a menor ideia do que está fazendo na Presidência da República que lhe caiu no colo. Parece assustado até agora…

Incapaz de juntar duas frases com sentido sem tropeçar nas letras, como mostrou durante toda a campanha, foi na mão dele e da sua tropa de celerados paisanos ou de pijama que entregamos nosso destino.

Descobri com o tempo que escrever é um permanente conversar com nós mesmos, ainda que nos dirijamos a terceiros, sem saber exatamente aonde queremos chegar.

Chegar ao final de um texto sem encontrar uma saída, um alento qualquer, dá uma sensação, ao mesmo tempo, de vazio e de fracasso, já que sempre me proponho a buscar coisas boas para contar, alguma história inspiradora de pessoas que, mesmo remando contra a maré, ainda lutam para viver num país melhor e mais justo para todos.

Já não basta denunciar todo dia as barbaridades cometidas pelos inquilinos do poder, que agora se acham donos, e a inação da sociedade civil, que poderia se opor a eles.

Eles estão cumprindo uma missão, como repete sempre o chefe da tropa - e nós?

O que nós podemos fazer para sair desse buraco sem fundo em que nos metemos?

Por onde recomeçar? Faltam-nos nesse momento lideranças, bandeiras, referências, interlocutores, projetos de país, um plano de voo qualquer.

Para onde se olha, é só desalento e perplexidade diante das maluquices em série produzidas em Brasília, que sufocam o Brasil e nos deixam paralisados.

De onde saem tantos cretinos e desatinos, tanto ódio e tanto mal, tanta sede de vingança e covardia, tantos descalabros, perseguições e bizarrices?

Em que tocas toda essa gente se escondia antes de assumir o poder, em todas as latitudes, em todos os níveis de governo?

Como viviam, o que faziam, o que comiam, o que liam, o que conversavam, como se relacionavam com seus vizinhos, o que pensavam da vida?

De repente, parece até que o país foi invadido por extra-terrestres numa guerra de extermínio.

Aonde querem chegar, qual é o objetivo?

Se alguém tiver respostas para minhas tantas dúvidas, a esta altura do campeonato da vida, por favor, me mande de presente.

Com tantos enterros a que já assistimos este ano, não há clima pra festa, mas ainda dá pra tomar uma cervejinha com a família e os amigos, lembrando que um dia já fomos felizes, sem sair daqui.

Vamos abrir os trabalhos?, como sempre diz meu querido irmão Alemão, aquele boa vida. Tim-tim.

Vida que segue.

Um comentário:

  1. Prezado Ricardo, escrevendo você já está fazendo algo de bom, protestando por nós

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