Alan García na campanha presidencial de 2006. Foto: Reuters/Archivo |
A morte de Alan Garcia, presidente do Peru por dois mandatos, deve nos levar a algumas reflexões.
Vivemos tempos sombrios, de perseguição, punitivismo e intensa judicialização da vida em geral e da política em particular.
Há tempos tenho apontado para o exagerado ativismo judicial e dos órgãos de fiscalização e controle, particularmente em relação aos governos municipais, no que tenho denominado 'judicialização da gestão e criminalização dos agentes políticos’.
A sanha de promotores e promotoras em punir e criminalizar agentes políticos tem sido imensa. Ser prefeito ou prefeita no Brasil tornou-se muito arriscado. Qualquer pessoa sabe que não sairá da prefeitura sem vários processos movidos pelo Ministério Público, independente de ter feito tudo para que nada estivesse fora da legalidade, de ter seguido à risca as recomendações da assessoria jurídica e mesmo ter consultado juristas. As interpretações do MP podem ser distintas. O mesmo pode-se dizer em relação aos Tribunais de Contas e seus conselheiro(a)s.
Muitos desses processos geram multas milionárias impossíveis de pagar, baseadas em punições por interpretações sobre procedimentos formais, ou seja, não se trata de corrupção – que deve ser combatida sem tréguas – ou de desvio de recursos públicos, sequer de sobrepreço, mas de supostos erros formais em processos.
Muitas vezes os processos cobram ‘ressarcimentos’ e multas por recursos que foram efetivamente gastos em obras e serviços realmente realizados, mas cujos processos licitatórios, na interpretação do MP e do Judiciário, deixaram de cumprir alguma exigência ou apresentaram qualquer outro problema na visão, muitas vezes subjetiva, do(a) promotor(a), tal como a adequação, oportunidade ou necessidade da obra ou serviço.
Assim também são muitas decisões judiciais, pautadas em interpretações da lei, interpretações da intencionalidade da ação do(a) prefeito(a) e avaliações sobre a necessidade, tempestividade, oportunidade e adequação.
Tudo isso levado às massas pela mídia ávida por mostrar supostos crimes e punições exemplares a “políticos(a)s”. Destroem-se pessoas antes de qualquer julgamento ou prova.
Algumas vezes isso pode levar a pessoa incriminada à atitude extremada de sacrifício da própria vida, como no caso do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, em 2017.
A carta deixada por Alan Garcia nos remete novamente à reflexão sobre essas ações que imolam pessoas no altar da mídia antes de qualquer julgamento.
Diz Alan Garcia em sua missiva: “Nestes tempos de rumores e ódios repetidos que as maiorias creem serem verdadeiros, eu vi como se utilizam de procedimentos para humilhar, causar vexame e não para encontrar verdades”.
Prossegue o ex-presidente do Peru: “Já vi outros desfilarem algemados guardando sua existência miserável, mas Alan García não precisa sofrer essas injustiças e circos”.
E, finalmente, decreta sua morte, buscando resgatar sua honra e sua dignidade, em gesto dramático: “Por essa razão, deixo aos meus filhos a dignidade das minhas decisões; aos meus colegas, um sinal de orgulho. E meu cadáver como sinal de desprezo para os meus adversários porque já cumpri a missão que impus a mim mesmo”.
Quantos mais Cancellieres e Alans Garcia precisaremos para abrir o diálogo com o judiciário, com o Ministério Público, com os Tribunais de Contas, com a mídia? Quantas mortes mais serão necessárias para que o punitivismo e o ativismo judicial sejam revistos?
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