Por Moara Crivelente, no site Vermelho:
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) faz 70 anos em 4 de abril. Após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, os princípios essenciais à construção da paz consolidaram-se na Carta das Nações Unidas. Entretanto, a OTAN edificou-se como motor da guerra das potências ocidentais contra o Comunismo. Finda a Guerra Fria, o bloco não só sobrevive, mas se expande promovendo a militarização global, ameaças e agressões. Sua presença na América Latina reforça o alerta.
Em 1949, doze países fundaram a aliança norte-atlântica, um ano após a promulgação, pelos Estados Unidos, do Programa para a Recuperação Europeia, o Plano Marshall, que financiaria parte dos esforços de reconstrução pós-guerra da Europa Ocidental e promoveria o comércio entre aquela porção do continente e os EUA. Estudos críticos argumentam que, além de não depender da ajuda estadunidense, a Europa acabou por subjugar seus interesses aos dos EUA, especialmente no contexto da Guerra Fria. E isso se reflete na OTAN.
O seleto clube fundado em 1949 hoje soma 29 membros, com a mais recente integração de Montenegro. O país foi parte da República Federativa Socialista da Iugoslávia, dissolvida em 1992; a seguir, compôs com a Sérvia a República Federal da Iugoslávia e logo a União Estatal da Sérvia e Montenegro, dissolvida em 2006. A integração de Montenegro à OTAN é parte da expansão do bloco militar em direção ao leste, numa política anacrônica e histérica de confrontação. O principal motor da expansão neste sentido é o espantalho chamado “Rússia” criado pelas retóricas inflamadas sobretudo dos EUA e seus parceiros locais para alegar que a Europa precisa erguer defesas contra a sua vizinha —assumindo postura ofensiva “preventivamente”, alegam. Nada mais ilógico, se lido assim, simploriamente.
A aliança passou a englobar países antes parte do Pacto de Varsóvia —ou Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua— de 1955 entre a União Soviética e sete países da região (Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria, Polônia, República Tcheca e Romênia). Entretanto, a projeção da OTAN a leste não se dá só pela formalização da adesão destes países como principalmente com o que ela acarreta: a disseminação de bases militares e o destacamento de centenas de milhares de tropas, navios, tanques, submarinos e armamentos —inclusive nucleares— além da frequente realização de manobras de guerra na região.
Adesão e orçamento ofensivo
Segundo os parâmetros atuais do bloco, para novas adesões, o país convidado deve estar geograficamente localizado na Europa, ser uma “democracia” e se comprometer a contribuir com a segurança da área norte-atlântica. Sequer é preciso questionar o que fazem ali países governados por fascistas e reacionários autocráticos Polônia e Turquia —por sua vez considerada parte centro-asiática, parte europeia, para propósitos convenientes como a integração à OTAN, mas não para a integração à União Europeia— e eventualmente a Ucrânia, que desde o golpe de 2014 está de baixo da asa do bloco. Por isso, deve-se questionar seus próprios parâmetros democráticos e a que servem.
É no segundo passo de integração à OTAN que a intrusão fica mais clara: o país em processo de admissão deve cumprir um Plano de Ação para a Adesão, com “consultoria” para “reformas” na área da Defesa e das Forças Armadas e em áreas políticas e jurídicas. Mesmo assim, a adesão deverá seguir sob avaliação, pendente da ratificação por todos os membros. E outros passos se seguem.
A essa interferência consentida pelos governos de turno nas soberanias nacionais somou-se mais recentemente o seu compromisso disparatado de dedicar no mínimo 2% do PIB dos países ao setor militar, assumido em 2014, mas cumprido por apenas alguns; mesmo assim, em 2018 Trump sugeriu dobrá-lo para 4% dos PIBs. Pelo não-cumprimento dão-se as repreensões vexatórias dos EUA aos restantes membros. Trump, durante as cúpulas e em sua carta enviada em 2018 a alguns líderes, solta frases como “têm que pagar” ou “alguns países estão tirando vantagem dos EUA”, num espetáculo do ridículo.
Em 2017, os membros da OTAN gastaram USD 900 bilhões no setor militar, 52% do gasto mundial de USD 1,739 trilhão, ou 2,2% do PIB global; apenas os EUA gastaram cerca de USD 610 bilhões em 2017, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), e cerca de USD 700 bilhões em 2018, segundo a OTAN. Os números mostram, portanto, que os EUA são o principal motor da militarização planetária. Estes têm composto a lista de motivos —onde se destaca a oposição à guerra e às agressões a outras nações— para movimentos populares impulsionarem campanhas pela retirada de seus países da aliança militar e pela sua dissolução.
Ameaças, agressões e estado de guerra
É preciso ter claro: a OTAN é uma “máquina de guerra imperialista” e não o pacto defensivo que seus líderes alegam, como tem denunciado o Conselho Mundial da Paz (CMP), de que Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) é membro. Sua atuação na ex-Iugoslávia, com 78 dias de bombardeios em 1999, nas duradouras guerras e ocupações do Afeganistão e do Iraque e na ofensiva contra a Líbia, em 2011, que provocou a desintegração de um dos países africanos mais prósperos até então, são algumas amostras.
Através da OTAN, as potências mundiais criam pretextos para intervir em todo o planeta, direta ou indiretamente. Alegando intenções humanitárias ou preocupações securitárias, promovem a militarização e asseguram uma presença ofensiva em diversas regiões, ameaças claras à soberania das nações. Parte da academia e profissionais diplomáticos participaram direta ou indiretamente desse projeto justificando e legitimando intervenções com conceitos como a “responsabilidade de proteger” ou a denominação de ofensivas como “intervenções humanitárias”. É notável como nestes projetos conceituais ditos humanistas, apenas algumas soberanias estão feitas reféns.
Com estes pretextos, e alegando responder a novos desafios securitários, o bloco militar tem expandido sua área geográfica de atuação e seu quadro de ação com novos conceitos estratégicos formulados para justificar a sobrevivência de uma aliança anacrônica e ofensiva. A revisão do conceito estratégico mais reveladora do expansionismo ofensivo da OTAN foi adotada em 2010, na cúpula de Lisboa. Ficou também patente o repúdio das forças da paz a esta aliança, com protestos massivos.
A OTAN na América Latina
Para os que ainda não se enquadram nos pré-requisitos para a adesão, há outras modalidades de “cooperação” com a OTAN: as parcerias extrarregionais já incluem países como Israel, Colômbia - o primeiro da América Latina, oficialmente desde 2017 - e, se os planos de Donald Trump e Jair Bolsonaro alegremente anunciados na visita de Bolsonaro a Washington em março caminharem, também o Brasil. Com a crescente tensão provocada pelos EUA e seus aliados latino-americanos, entre golpistas e reacionários, e as ameaças de agressão à República Bolivariana da Venezuela, tais programas fazem soar alarmes para a eventualidade de um devastador conflito regional. É a reversão completa, como têm denunciado as forças progressistas e democráticas, de um projeto recente, e que não pode definhar, de integração regional soberana e solidária baseada na cooperação. A presença da OTAN na América Latina impõe uma barreira a este esforço.
Os Estados Unidos intervêm historicamente na região em uma constante reinterpretação da Doutrina Monroe, do século XIX, se autoproclamando o guardião e governante de todo o continente. Ao longo das décadas de 1950 a 1970, promoveram golpes militares para derrubar governos progressistas que ousaram contrariar sua agenda defendendo os interesses de suas nações. Hoje, a região tem cerca de 80 bases militares estrangeiras, sobretudo estadunidenses, mas também britânicas e francesas. A mais conhecida é a base militar dos EUA em Guantânamo, território cubano usurpado, onde os EUA mantêm também uma instalação de detenção hedionda para a prisão ilegal de pessoas que sequestram, especialmente do Oriente Médio, e detêm sem julgamento, em segredo, cometendo violações graves como a tortura.
Os países latino-americanos com mais bases militares são a Colômbia e o Peru, com cerca de 10 cada. Mais recentemente o argentino Mauricio Macri prometeu mais bases militares aos EUA, uma na região próxima a uma das maiores reservas de água do mundo, o aquífero Guarani, na fronteira argentina com o Brasil e o Paraguai.
Após os golpes contra a democracia de que de forma indireta participaram, os EUA agora têm o regime que queriam no Brasil. Bolsonaro foi a Washington para, como se precisasse, assegurar Trump de sua subserviência. Além de outras entregas, assinou o acordo, supostamente revisado, para conceder aos EUA o uso da base para lançamentos de satélites em Alcântara. O acordo foi rejeitado nos governos Lula e Dilma devido às condições intrusivas e arbitrárias que os EUA impunham, e que o Cebrapaz denunciou.
Bolsonaro também disse que via com bons olhos a eventual instalação de uma base militar dos EUA no Brasil, também inimaginável nos governos anteriores. E, quando se trata da OTAN, o Brasil poderia se tornar um parceiro oficial como a Colômbia, consolidando o principal objetivo do governo de Bolsonaro para a política externa, que é estar ao serviço dos EUA. Ou, quem sabe, disse Trump, poderia até se tornar membro, afinal, o que é mais uma rasura no tratado norte-atlântico para promover a expansão da OTAN?
A militarização está em ascensão na América Latina e não há uma potência mais claramente por trás disso do que os Estados Unidos, que têm na OTAN sua principal ferramenta beligerante. É da natureza das suas políticas agressivas atropelar o direito internacional e os princípios estabelecidos pela Carta das Nações Unidas como passos fundamentais para uma nova ordem mundial após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial.
O movimento da paz tem alertado que o mundo está diante de uma encruzilhada que pode levar a consequências imprevisíveis. Destacam neste percurso a deslegitimação das instituições multilaterais e a relativização dos princípios e normas ou seu completo desrespeito, pelas potências imperialistas, nomeadamente, os EUA.
Por isso, o engajamento dos movimentos populares e das forças democráticas vem se fortalecendo em todo o mundo na demanda pela dissolução deste bloco militar ofensivo. Há poucos dias, o Conselho Mundial da Paz realizou ações em Washington com a participação de membros estadunidenses e internacionais, no quadro do 70º aniversário da OTAN.
Em todo o mundo, os membros do CMP e de entidades amigas realizam ações para condenar as guerras, agressões, a desestabilização e a militarização planetária que a aliança promove, sob o mote da campanha do CMP, “Sim à Paz! Não à OTAN!” Não dá para ser mais clara a contradição fundamental entre ambos os projetos e o que está em jogo é decisivo: do triunfo da luta pela paz depende não só a soberania dos povos e das nações, mas a própria sobrevivência.
* Moara Crivelente integra a Direção Executiva do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e é doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos
* Outra versão deste artigo foi apresentada em um painel paralelo à Conferência Internacional “Paz e Prosperidade contra as Guerras e a Pobreza”, em março de 2019 em Belgrado, Sérvia, no 20º aniversário da agressão da OTAN contra a ex-Iugoslávia.
* Fonte: Cebrapaz.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) faz 70 anos em 4 de abril. Após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, os princípios essenciais à construção da paz consolidaram-se na Carta das Nações Unidas. Entretanto, a OTAN edificou-se como motor da guerra das potências ocidentais contra o Comunismo. Finda a Guerra Fria, o bloco não só sobrevive, mas se expande promovendo a militarização global, ameaças e agressões. Sua presença na América Latina reforça o alerta.
Em 1949, doze países fundaram a aliança norte-atlântica, um ano após a promulgação, pelos Estados Unidos, do Programa para a Recuperação Europeia, o Plano Marshall, que financiaria parte dos esforços de reconstrução pós-guerra da Europa Ocidental e promoveria o comércio entre aquela porção do continente e os EUA. Estudos críticos argumentam que, além de não depender da ajuda estadunidense, a Europa acabou por subjugar seus interesses aos dos EUA, especialmente no contexto da Guerra Fria. E isso se reflete na OTAN.
O seleto clube fundado em 1949 hoje soma 29 membros, com a mais recente integração de Montenegro. O país foi parte da República Federativa Socialista da Iugoslávia, dissolvida em 1992; a seguir, compôs com a Sérvia a República Federal da Iugoslávia e logo a União Estatal da Sérvia e Montenegro, dissolvida em 2006. A integração de Montenegro à OTAN é parte da expansão do bloco militar em direção ao leste, numa política anacrônica e histérica de confrontação. O principal motor da expansão neste sentido é o espantalho chamado “Rússia” criado pelas retóricas inflamadas sobretudo dos EUA e seus parceiros locais para alegar que a Europa precisa erguer defesas contra a sua vizinha —assumindo postura ofensiva “preventivamente”, alegam. Nada mais ilógico, se lido assim, simploriamente.
A aliança passou a englobar países antes parte do Pacto de Varsóvia —ou Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua— de 1955 entre a União Soviética e sete países da região (Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria, Polônia, República Tcheca e Romênia). Entretanto, a projeção da OTAN a leste não se dá só pela formalização da adesão destes países como principalmente com o que ela acarreta: a disseminação de bases militares e o destacamento de centenas de milhares de tropas, navios, tanques, submarinos e armamentos —inclusive nucleares— além da frequente realização de manobras de guerra na região.
Adesão e orçamento ofensivo
Segundo os parâmetros atuais do bloco, para novas adesões, o país convidado deve estar geograficamente localizado na Europa, ser uma “democracia” e se comprometer a contribuir com a segurança da área norte-atlântica. Sequer é preciso questionar o que fazem ali países governados por fascistas e reacionários autocráticos Polônia e Turquia —por sua vez considerada parte centro-asiática, parte europeia, para propósitos convenientes como a integração à OTAN, mas não para a integração à União Europeia— e eventualmente a Ucrânia, que desde o golpe de 2014 está de baixo da asa do bloco. Por isso, deve-se questionar seus próprios parâmetros democráticos e a que servem.
É no segundo passo de integração à OTAN que a intrusão fica mais clara: o país em processo de admissão deve cumprir um Plano de Ação para a Adesão, com “consultoria” para “reformas” na área da Defesa e das Forças Armadas e em áreas políticas e jurídicas. Mesmo assim, a adesão deverá seguir sob avaliação, pendente da ratificação por todos os membros. E outros passos se seguem.
A essa interferência consentida pelos governos de turno nas soberanias nacionais somou-se mais recentemente o seu compromisso disparatado de dedicar no mínimo 2% do PIB dos países ao setor militar, assumido em 2014, mas cumprido por apenas alguns; mesmo assim, em 2018 Trump sugeriu dobrá-lo para 4% dos PIBs. Pelo não-cumprimento dão-se as repreensões vexatórias dos EUA aos restantes membros. Trump, durante as cúpulas e em sua carta enviada em 2018 a alguns líderes, solta frases como “têm que pagar” ou “alguns países estão tirando vantagem dos EUA”, num espetáculo do ridículo.
Em 2017, os membros da OTAN gastaram USD 900 bilhões no setor militar, 52% do gasto mundial de USD 1,739 trilhão, ou 2,2% do PIB global; apenas os EUA gastaram cerca de USD 610 bilhões em 2017, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), e cerca de USD 700 bilhões em 2018, segundo a OTAN. Os números mostram, portanto, que os EUA são o principal motor da militarização planetária. Estes têm composto a lista de motivos —onde se destaca a oposição à guerra e às agressões a outras nações— para movimentos populares impulsionarem campanhas pela retirada de seus países da aliança militar e pela sua dissolução.
Ameaças, agressões e estado de guerra
É preciso ter claro: a OTAN é uma “máquina de guerra imperialista” e não o pacto defensivo que seus líderes alegam, como tem denunciado o Conselho Mundial da Paz (CMP), de que Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) é membro. Sua atuação na ex-Iugoslávia, com 78 dias de bombardeios em 1999, nas duradouras guerras e ocupações do Afeganistão e do Iraque e na ofensiva contra a Líbia, em 2011, que provocou a desintegração de um dos países africanos mais prósperos até então, são algumas amostras.
Através da OTAN, as potências mundiais criam pretextos para intervir em todo o planeta, direta ou indiretamente. Alegando intenções humanitárias ou preocupações securitárias, promovem a militarização e asseguram uma presença ofensiva em diversas regiões, ameaças claras à soberania das nações. Parte da academia e profissionais diplomáticos participaram direta ou indiretamente desse projeto justificando e legitimando intervenções com conceitos como a “responsabilidade de proteger” ou a denominação de ofensivas como “intervenções humanitárias”. É notável como nestes projetos conceituais ditos humanistas, apenas algumas soberanias estão feitas reféns.
Com estes pretextos, e alegando responder a novos desafios securitários, o bloco militar tem expandido sua área geográfica de atuação e seu quadro de ação com novos conceitos estratégicos formulados para justificar a sobrevivência de uma aliança anacrônica e ofensiva. A revisão do conceito estratégico mais reveladora do expansionismo ofensivo da OTAN foi adotada em 2010, na cúpula de Lisboa. Ficou também patente o repúdio das forças da paz a esta aliança, com protestos massivos.
A OTAN na América Latina
Para os que ainda não se enquadram nos pré-requisitos para a adesão, há outras modalidades de “cooperação” com a OTAN: as parcerias extrarregionais já incluem países como Israel, Colômbia - o primeiro da América Latina, oficialmente desde 2017 - e, se os planos de Donald Trump e Jair Bolsonaro alegremente anunciados na visita de Bolsonaro a Washington em março caminharem, também o Brasil. Com a crescente tensão provocada pelos EUA e seus aliados latino-americanos, entre golpistas e reacionários, e as ameaças de agressão à República Bolivariana da Venezuela, tais programas fazem soar alarmes para a eventualidade de um devastador conflito regional. É a reversão completa, como têm denunciado as forças progressistas e democráticas, de um projeto recente, e que não pode definhar, de integração regional soberana e solidária baseada na cooperação. A presença da OTAN na América Latina impõe uma barreira a este esforço.
Os Estados Unidos intervêm historicamente na região em uma constante reinterpretação da Doutrina Monroe, do século XIX, se autoproclamando o guardião e governante de todo o continente. Ao longo das décadas de 1950 a 1970, promoveram golpes militares para derrubar governos progressistas que ousaram contrariar sua agenda defendendo os interesses de suas nações. Hoje, a região tem cerca de 80 bases militares estrangeiras, sobretudo estadunidenses, mas também britânicas e francesas. A mais conhecida é a base militar dos EUA em Guantânamo, território cubano usurpado, onde os EUA mantêm também uma instalação de detenção hedionda para a prisão ilegal de pessoas que sequestram, especialmente do Oriente Médio, e detêm sem julgamento, em segredo, cometendo violações graves como a tortura.
Os países latino-americanos com mais bases militares são a Colômbia e o Peru, com cerca de 10 cada. Mais recentemente o argentino Mauricio Macri prometeu mais bases militares aos EUA, uma na região próxima a uma das maiores reservas de água do mundo, o aquífero Guarani, na fronteira argentina com o Brasil e o Paraguai.
Após os golpes contra a democracia de que de forma indireta participaram, os EUA agora têm o regime que queriam no Brasil. Bolsonaro foi a Washington para, como se precisasse, assegurar Trump de sua subserviência. Além de outras entregas, assinou o acordo, supostamente revisado, para conceder aos EUA o uso da base para lançamentos de satélites em Alcântara. O acordo foi rejeitado nos governos Lula e Dilma devido às condições intrusivas e arbitrárias que os EUA impunham, e que o Cebrapaz denunciou.
Bolsonaro também disse que via com bons olhos a eventual instalação de uma base militar dos EUA no Brasil, também inimaginável nos governos anteriores. E, quando se trata da OTAN, o Brasil poderia se tornar um parceiro oficial como a Colômbia, consolidando o principal objetivo do governo de Bolsonaro para a política externa, que é estar ao serviço dos EUA. Ou, quem sabe, disse Trump, poderia até se tornar membro, afinal, o que é mais uma rasura no tratado norte-atlântico para promover a expansão da OTAN?
A militarização está em ascensão na América Latina e não há uma potência mais claramente por trás disso do que os Estados Unidos, que têm na OTAN sua principal ferramenta beligerante. É da natureza das suas políticas agressivas atropelar o direito internacional e os princípios estabelecidos pela Carta das Nações Unidas como passos fundamentais para uma nova ordem mundial após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial.
O movimento da paz tem alertado que o mundo está diante de uma encruzilhada que pode levar a consequências imprevisíveis. Destacam neste percurso a deslegitimação das instituições multilaterais e a relativização dos princípios e normas ou seu completo desrespeito, pelas potências imperialistas, nomeadamente, os EUA.
Por isso, o engajamento dos movimentos populares e das forças democráticas vem se fortalecendo em todo o mundo na demanda pela dissolução deste bloco militar ofensivo. Há poucos dias, o Conselho Mundial da Paz realizou ações em Washington com a participação de membros estadunidenses e internacionais, no quadro do 70º aniversário da OTAN.
Em todo o mundo, os membros do CMP e de entidades amigas realizam ações para condenar as guerras, agressões, a desestabilização e a militarização planetária que a aliança promove, sob o mote da campanha do CMP, “Sim à Paz! Não à OTAN!” Não dá para ser mais clara a contradição fundamental entre ambos os projetos e o que está em jogo é decisivo: do triunfo da luta pela paz depende não só a soberania dos povos e das nações, mas a própria sobrevivência.
* Moara Crivelente integra a Direção Executiva do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e é doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos
* Outra versão deste artigo foi apresentada em um painel paralelo à Conferência Internacional “Paz e Prosperidade contra as Guerras e a Pobreza”, em março de 2019 em Belgrado, Sérvia, no 20º aniversário da agressão da OTAN contra a ex-Iugoslávia.
* Fonte: Cebrapaz.
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