sábado, 18 de maio de 2019

O retorno dos militares ao meio ambiente

Por Caio de Freitas Paes, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:

Passados cinco meses desde o início do seu mandato, Jair Bolsonaro está mais à vontade para atentar contra o meio ambiente brasileiro. No dia 29 de abril, durante um grande encontro do agronegócio em Ribeirão Preto, ele admitiu que uma das principais metas de seu governo é “fazer a limpa” nas duas principais autarquias ambientais do país: o Ibama e o ICMBio, subordinadas ao Ministério do Meio Ambiente, sob comando de Ricardo Salles.

Em outra declaração ainda mais perigosa, Bolsonaro se comprometeu com a criação de uma lei que pode isentar fazendeiros que atirem em “invasores”. São discursos inflamáveis em um país que já brinca com fogo, dada a elevada pressão sobre movimentos sociais e povos tradicionais – como indígenas e quilombolas.

Discursos e apologias deixados de lado, o que se vê nas medidas concretas do governo revela seus esforços para tornar realidade propostas como essas. Principalmente após as recentes demissões no Ibama e ICMBio – tal como em postos estratégicos no próprio Ministério do Meio Ambiente; o resultado é uma militarização em larga escala na pasta.

Isso foi possível porque governo escolheu aliados estratégicos para ministérios pertinentes ao tema, muito afeito ao setor mais conservador do agronegócio. O ministro do Meio Ambiente, o ‘monarquista’ Ricardo Salles, que enfrenta fortes críticas de ambientalistas, especialistas e pesquisadores desde sua nomeação.

Salles é um ex-candidato a deputado estadual, federal e vereador que nunca se elegeu. Ficou conhecido após sua passagem pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo – entre julho de 2016 e agosto do ano seguinte. Enquanto foi secretário, alterou o plano de manejo de uma área ambiental protegida no Rio Tietê para beneficiar mineradoras. Mesmo com as acusações sobre os ombros, Salles, um dos fundadores do movimento Endireita Brasil, teve sua nomeação para a gestão de Bolsonaro garantida pela Justiça Federal de São Paulo, logo em janeiro de 2019. Nos bastidores, seu alinhamento com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, é bastante conhecido.

“Quando você cria uma narrativa de enfraquecimento de agências ambientais, aqueles que lidam diretamente com conflitos de terra sofrem muito. O que vemos é uma total sintonia entre o ministro [Ricardo Salles] com o que há de mais conservador dentro do agronegócio”, disse ao Le Monde Diplomatique Brasil uma pesquisadora de uma das organizações ambientais na mira atual governo.

Desde janeiro, pesquisadores e fiscais de carreira do Ibama e do ICMBio têm se deparado com uma guinada radical à direita. Já houve dezenas de trocas nas superintendências regionais, corte de pouco mais de R$170 milhões das duas autarquias e o enfraquecimento das atividades de proteção ambiental no país.

O primeiro atrito foi logo no início de janeiro, quando a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, pediu demissão após Ricardo Salles publicar, fora de contexto, trechos do orçamento da autarquia para 2019. Em sua carta de demissão, Araújo acusou o ministro de desinformar o público ao expor as despesas previstas para o aluguel de caminhonetes – que seriam usadas para inspeção e atendimento a emergências ambientais. Ela disse ainda que o orçamento foi aprovado pelo Tribunal de Contas da União e que o valor foi inferior a estimativas anteriores.

Uma estação de caça às bruxas

Nos últimos três meses, a pressão aumentou progressivamente dentro do Ibama. Um dos ápices foi a demissão do fiscal de carreira José Olímpio Augusto Morelli. Servidor da autarquia há 17 anos, foi ele quem, em 2012, multou o então deputado Jair Bolsonaro por pesca ilegal dentro de uma área de proteção. Em janeiro de 2019, a multa de R$10 mil foi anulada pelo novo governo.

“Bolsonaro nunca se preocupou com a questão ambiental até 2012. Quando foi autuado por prática ilícita, ainda que em caráter recreativo, passou a incorporar um discurso antiambiente, a fim de levar a cabo uma vingança pessoal, que se consumou agora com meu afastamento. Trata-se de uma atitude que considero incompatível com a de um presidente da República”, disse Morelli em entrevista pouco após sua demissão.

Outro sinal da guinada ideológica no Ibama aconteceu quando seu ex-presidente, Eduardo Bim, não se opôs à possibilidade de extração de petróleo perto de Abrolhos. Ali fica um dos mais importantes santuários aquáticos da biodiversidade no país, que corre sérios riscos se acontecer qualquer tipo de vazamento tóxico. A decisão foi influenciada por pressões vindas de dentro do ministério.

Mais recentemente, o foco das crises migrou para o ICMBio, responsável por gerir e manter unidades de conservação como os parques nacionais de Abrolhos, da Amazônia e da Chapada dos Veadeiros. O resultado foi uma militarização sem precedentes na autarquia.

No dia 13 de abril, durante uma visita ao parque nacional da Lagoa do Peixe, em Santa Catarina, Ricardo Salles ameaçou investigar os servidores locais porque haviam feito críticas às novas diretrizes do Ministério e por terem faltado ao evento, com presença de membros ligados ao agronegócio da região. As tensões escalaram rapidamente, culminando com a saída de Adalberto Eberhard da presidência do ICMBio.

Um ex-coronel da polícia ambiental de São Paulo, Homero de Giorge Cerqueira foi o escolhido para substituí-lo. Apenas dez dias depois, outros quatro membros da diretoria também saíram – todos foram substituídos por policiais militares paulistas.

“Para servidores de carreira, fica cada vez mais claro que essa militarização cria um ambiente tenso, que os coage para que não façam suas fiscalizações devidamente. E isso acontece em um cenário em que o próprio presidente da República interrompeu uma operação contra a extração ilegal de madeira na Amazônia”, diz a secretaria executiva da Associação Nacional dos Servidores Ambientais.

Esses não foram os únicos episódios preocupantes no setor: houve a remoção da lista de áreas prioritárias de proteção e o corte total de mais de R$187 milhões do Ministério do Meio Ambiente – incluindo as tesouradas no Ibama e ICMBio, na linha de austeridade defendida por Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

A reportagem pediu a posição de Ricardo Salles sobre as acusações de improbidade administrativa em São Paulo, a demissão do fiscal que multou Bolsonaro e sobre quão verdadeiros são os planos de fundir Ibama e ICMBio. Contatado no fim de abril, o Ministério ainda não respondeu às questões até o fechamento deste texto.

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