Por Eric Nepomuceno, no site Carta Maior:
Desde sua estreio em viagens presidenciais, quando foi a Davos, nos alpes suíços, em janeiro passado, a cada saída oficial de Jair Bolsonaro, o país fica na expectativa de qual será a vergonha da vez.
É infalível: foi assim em Washington, com demonstrações explícitas de submissão diante de Donald Trump, seu modelo e paradigma, foi assim no Chile, em seu retorno aos Estados Unidos, e também na Argentina.
Agora, ele foi mais longe: a Osaka, no Japão, para a cúpula do G20, que reúne as 20 maiores economias do mundo. E o respeitável público não se decepcionou: antes mesmo de seu voo, outro avião da comitiva presidencial foi pivô de um grave incidente na Espanha. Um sargento da Força Aérea brasileira, integrante da tripulação, foi pego com 39 quilos de cocaína.
Diante de tamanha quantidade, ninguém seria idiota de argumentar que se tratava de droga para consumo pessoal. Portanto, o que a polícia de Sevilha tinha em suas mãos era um caso clássico de narcotráfico.
É verdade que existem antecedentes em aviões militares brasileiros. Pero numa comitiva presidencial nunca houve algo assim.
Claro que Bolsonaro não tem nenhum vínculo com o contrabando de cocaína. Mas fica evidente que há uma brutal e grosseira falha nos mecanismos de segurança que rodeiam – ou deveriam rodear – o presidente.
Na viagem de volta, Bolsonaro trouxe um presente especial, o anuncio de que se concretizou finalmente o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Após se arrastar durante longo 20 anos – as negociações começaram na época do então presidente Fernando Henrique Cardoso, passou pelos mandatos de Lula da Silva, um mandato e meio de Dilma Rousseff e pelos pouco menos de dois anos de Michel Temer –, as partes chegaram a um definitivo ponto em comum. Los termos do acordo continuam sendo nebulosos, e serão necessárias novas e complexas rodadas de negociação para se estabelecer os detalhes. Porém, como é natural, Bolsonaro tentará tirar proveito da novidade.
Claro que sua contribuição neste caso é comparável a minha história pessoal com o metrô de Tóquio: sei que existe, mas nunca o vi. Fica claro que alguém deve tê-lo avisado que havia um capital político a ser explorado.
Em todo caso, não há nada que possa ocultar a realidade: com Jair Bolsonaro, o país se encontra mais isolado que nunca.
Já não resta nada dos tempos da diplomacia ativa iniciada por Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e multiplicada exponencialmente por Lula da Silva (2003-2010) e, de alguma forma mantida por Dilma Rousseff (2011-2016) – a brusca interrupção do seu segundo mandato após um golpe institucional, e sua substituição por um opaco e insignificante (além de corrupto até a medula) Michel Temer empurrou o país ao lugar reservado aos países insignificantes, ameaçando o avanço de das décadas anteriores. Com Bolsonaro, esse isolamento se consolidou, e não há recuperação à vista.
Temos um presidente que é fonte natural de desastres, e que não precisa de estímulos externos para funcionar. Sua visão do mundo e do papel que o país pode e deve exercer nesse cenário não é sequer equivocada: é dramaticamente primária, quase inexistente. Sua viagem ao Japão apenas confirmou o esperado.
Assim que desembarcou em Osaka, Bolsonaro disparou críticas contra a chanceler alemã Angela Merkel (“a Alemanha tem muito o que aprender sobre preservação ambiental com o Brasil”) e o francês Emmanuel Macron (“não serei como meus antecessores, que baixavam a cabeça diante das críticas”).
Em seguida, ou quase, anunciou que suspendia uma reunião bilateral com Macron. Depois, desistiu de desistir, dizendo que haveria um “encontro informal”. Enquanto isso, a comitiva do presidente francês dizia, algo atônita, que só soube da reunião bilateral através da imprensa: não houve nenhuma negociação prévia, como prevê o protocolo mais elementar. Tudo terminou com um curto diálogo entre os dois, de apenas 12 minutos.
Com Merkel, quem se declarou preocupada pela “dramática situação ambiental” do Brasil sob a gestão de Bolsonaro, também houve uma “conversa informal”, após a qual o brasileiro disse que sua interlocutora havia adotado “um tom cordial”. Porém, não se referiu ao que Macron e Merkel realmente expressaram: o acordo Mercosul-União Europeia está absolutamente condicionado a que Brasil preserve a política ambiental impulsada nos últimos 20 anos, al que seu governo está claramente empenhado em destroçar.
A lista de desastres de Bolsonaro não estaria completa sem algum desencontro com a China, e o capitão presidente outra vez não decepcionou: suspendeu a reunião bilateral com Xi Jinping, alegando um atraso de pouco menos de 20 minutos do seu interlocutor, presidente do país que é o maior sócio comercial do Brasil.
Já com Trump, cujo atraso foi de quase meia hora, a reunião não só se manteve como foi a grande alegria da viagem: no fim das contas, não é todo dia que Bolsonaro tem a chance de apertar a mão do seu ídolo.
* Publicado originalmente no jornal mexicano La Jornada. Tradução de Victor Farinelli.
Desde sua estreio em viagens presidenciais, quando foi a Davos, nos alpes suíços, em janeiro passado, a cada saída oficial de Jair Bolsonaro, o país fica na expectativa de qual será a vergonha da vez.
É infalível: foi assim em Washington, com demonstrações explícitas de submissão diante de Donald Trump, seu modelo e paradigma, foi assim no Chile, em seu retorno aos Estados Unidos, e também na Argentina.
Agora, ele foi mais longe: a Osaka, no Japão, para a cúpula do G20, que reúne as 20 maiores economias do mundo. E o respeitável público não se decepcionou: antes mesmo de seu voo, outro avião da comitiva presidencial foi pivô de um grave incidente na Espanha. Um sargento da Força Aérea brasileira, integrante da tripulação, foi pego com 39 quilos de cocaína.
Diante de tamanha quantidade, ninguém seria idiota de argumentar que se tratava de droga para consumo pessoal. Portanto, o que a polícia de Sevilha tinha em suas mãos era um caso clássico de narcotráfico.
É verdade que existem antecedentes em aviões militares brasileiros. Pero numa comitiva presidencial nunca houve algo assim.
Claro que Bolsonaro não tem nenhum vínculo com o contrabando de cocaína. Mas fica evidente que há uma brutal e grosseira falha nos mecanismos de segurança que rodeiam – ou deveriam rodear – o presidente.
Na viagem de volta, Bolsonaro trouxe um presente especial, o anuncio de que se concretizou finalmente o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Após se arrastar durante longo 20 anos – as negociações começaram na época do então presidente Fernando Henrique Cardoso, passou pelos mandatos de Lula da Silva, um mandato e meio de Dilma Rousseff e pelos pouco menos de dois anos de Michel Temer –, as partes chegaram a um definitivo ponto em comum. Los termos do acordo continuam sendo nebulosos, e serão necessárias novas e complexas rodadas de negociação para se estabelecer os detalhes. Porém, como é natural, Bolsonaro tentará tirar proveito da novidade.
Claro que sua contribuição neste caso é comparável a minha história pessoal com o metrô de Tóquio: sei que existe, mas nunca o vi. Fica claro que alguém deve tê-lo avisado que havia um capital político a ser explorado.
Em todo caso, não há nada que possa ocultar a realidade: com Jair Bolsonaro, o país se encontra mais isolado que nunca.
Já não resta nada dos tempos da diplomacia ativa iniciada por Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e multiplicada exponencialmente por Lula da Silva (2003-2010) e, de alguma forma mantida por Dilma Rousseff (2011-2016) – a brusca interrupção do seu segundo mandato após um golpe institucional, e sua substituição por um opaco e insignificante (além de corrupto até a medula) Michel Temer empurrou o país ao lugar reservado aos países insignificantes, ameaçando o avanço de das décadas anteriores. Com Bolsonaro, esse isolamento se consolidou, e não há recuperação à vista.
Temos um presidente que é fonte natural de desastres, e que não precisa de estímulos externos para funcionar. Sua visão do mundo e do papel que o país pode e deve exercer nesse cenário não é sequer equivocada: é dramaticamente primária, quase inexistente. Sua viagem ao Japão apenas confirmou o esperado.
Assim que desembarcou em Osaka, Bolsonaro disparou críticas contra a chanceler alemã Angela Merkel (“a Alemanha tem muito o que aprender sobre preservação ambiental com o Brasil”) e o francês Emmanuel Macron (“não serei como meus antecessores, que baixavam a cabeça diante das críticas”).
Em seguida, ou quase, anunciou que suspendia uma reunião bilateral com Macron. Depois, desistiu de desistir, dizendo que haveria um “encontro informal”. Enquanto isso, a comitiva do presidente francês dizia, algo atônita, que só soube da reunião bilateral através da imprensa: não houve nenhuma negociação prévia, como prevê o protocolo mais elementar. Tudo terminou com um curto diálogo entre os dois, de apenas 12 minutos.
Com Merkel, quem se declarou preocupada pela “dramática situação ambiental” do Brasil sob a gestão de Bolsonaro, também houve uma “conversa informal”, após a qual o brasileiro disse que sua interlocutora havia adotado “um tom cordial”. Porém, não se referiu ao que Macron e Merkel realmente expressaram: o acordo Mercosul-União Europeia está absolutamente condicionado a que Brasil preserve a política ambiental impulsada nos últimos 20 anos, al que seu governo está claramente empenhado em destroçar.
A lista de desastres de Bolsonaro não estaria completa sem algum desencontro com a China, e o capitão presidente outra vez não decepcionou: suspendeu a reunião bilateral com Xi Jinping, alegando um atraso de pouco menos de 20 minutos do seu interlocutor, presidente do país que é o maior sócio comercial do Brasil.
Já com Trump, cujo atraso foi de quase meia hora, a reunião não só se manteve como foi a grande alegria da viagem: no fim das contas, não é todo dia que Bolsonaro tem a chance de apertar a mão do seu ídolo.
* Publicado originalmente no jornal mexicano La Jornada. Tradução de Victor Farinelli.
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