domingo, 7 de julho de 2019

Bolsonaro e a desconstrução do Censo 2020

Por Eduardo Maretti, na Rede Brasil Atual:

Debate no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, na noite desta quinta-feira (4) em São Paulo, reuniu o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o jornalista Luis Nassif, a coordenadora do núcleo Chile da Associação dos Servidores do IBGE (ASSIBGE) Luanda Botelho e a urbanista Raquel Rolnik para falar da estrutura do censo demográfico 2020. Com a gestão da presidenta do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, o questionário do censo sofre graves alterações sob a justificativa de que é preciso haver cortes de orçamento. Ela foi sabatinada, nesta quinta-feira (4), na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, na Câmara dos Deputados, e confirmou que o instituto fará cortes no questionário utilizado para o Censo 2020, de 112 para 76 perguntas.

“Não se trata apenas do IBGE. Ele está incluído no processo de desconstrução. Nesse governo, trata-se de desconstrução de instituições que o Brasil levou décadas para construir, como as universidades“, disse Belluzzo. Mas não apenas instituições de Estado. O patrimônio natural do país se inclui na desconstrução. “O meio ambiente. Estão dizendo que o desmatamento está diminuindo. Todo mundo sabe que não está. A gente não está percebendo a gravidade da situação que está vivendo”, acrescentou.

Sob a nova gestão, questões cruciais para o entendimento da sociedade brasileira foram retirados do Censo 2020, como aluguel, bens de consumo, fontes de renda, formação escolar e até as motocicletas. Luanda Botelho afirmou que a presidente do órgão já apresentou várias justificativas para o enxugamento do questionário, como falta de verba para perguntas detalhadas, ou que as pessoas se cansam de responder tantas perguntas, ou que é importante reduzir o questionário para obter qualidade. “Hoje ela apresentou o orçamento como justificativa. Um dos cortes é a propaganda. É mais ou menos onde ela se encontra hoje.”

“Não é só uma questão de estrutura, mas de colocar nosso trabalho em xeque. O ministro (da Economia, Paulo Guedes) esteve no IBGE. Disse que tinha que vender prédios do IBGE. Disse também que quem pergunta demais descobre o que não é. Fazia tempo que não ouvia algo assim”, ironizou Luanda.

Para Nassif, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia “querem tirar os indicadores que mostram o fracasso de suas políticas”. Em sua opinião, a profunda importância do IBGE decorre do fato de o órgão mostrar a complexidade das realidades. “E a visão complexa da economia serve inclusive para a elaboração de novas políticas econômicas, com as quais vai-se trabalhar a nova socialdemocracia ou a nova esquerda.”

A compreensão da sociedade como um todo não pode prescindir das informações e dados fornecidos por uma pesquisa de abrangência incomparável como a do censo, defendeu Nassif. “As políticas têm que ser repensadas a partir da sociedade, das organizações sociais, das ONGs.” No contexto de desconstrução e ocultamento de informações que dizem respeito ao perfil da sociedade e do país, como a desindustrialização do Brasil, por exemplo, “os indicadores são usados como instrumento ideológico”, acrescentou.

O entendimento da economia de maneira ampla, disse Belluzzo, é fundamental para entender a vida das pessoas e suas necessidades. “E o futuro das pessoas depende de como a economia se comporta.” Por isso, para ele, os cortes no questionário do IBGE não se dão por acaso, mas fazem parte do “fenômeno da desconstrução” que afeta o país sob Bolsonaro. “Sem informação, as pessoas se prostram. As informações do IBGE são preciosas.”

Raquel Rolnik defendeu o Censo do IBGE dizendo que nenhum grupo de pesquisa no Brasil tem condição de fazer levantamentos complexos e abrangentes como o instituto, nem mesmo a Pnad Contínua, que geograficamente é muito menos ampla. “Temos que continuar lutando pela integridade do censo e do IBGE, pensando que esse governo vai passar, mas o Estado brasileiro tem que ficar, assim como alguns pilares que atravessaram ditaduras, a redemocratização, e mantiveram qualidade. O IBGE é um patrimônio e temos que manter isso vivo. É preciso que as pessoas entendam o que está acontecendo e qual a gravidade disso.”

Como exemplos, Luanda Botelho citou dois itens retirados do questionário pela direção do IBGE: aluguel das famílias e o uso de motocicletas. Raquel Rolnik ironizou: “saiu motocicleta e ficou máquina de lavar. Deve ser propaganda da Brastemp”. Ela acrescentou, porém, que, como dado, a questão das motos é essencial para se aferir novas realidades. “Há muitas questões de mobilidade ligadas à moto. É um novo modal. A gente precisa saber quem está e onde está com a motocicleta.”

Para Raquel, é “muito grave” o aluguel desaparecer do questionário. “Vai sumir o componente do déficit habitacional e não vai ter mais politica de moradia.” Segundo ela, as questões racial e de gênero podem ser conhecidas com mais nitidez graças aos dados comparativos que podem ser levantados pelo censo. “É possível fazer todas as leituras com os recortes de gênero e racial com os dados do censo, proporcionando o entendimento da sociedade.”

A presidenta do IBGE de Bolsonaro justificou, nesta sexta-feira (4): “Os ajustes do questionário visaram à qualidade e a cobertura. Sete minutos para quatro minutos faz diferença, sim, em um universo de 70 milhões de domicílios”, disse Susana Guerra.

Segundo Luanda Botelho, o item aluguel, que é fundamental para entender a estrutura das famílias e suas necessidades, foi retirado da pesquisa do censo sem justificativa aceitável. “Você está falando de informações importantes para estabelecer políticas públicas. O valor do aluguel em média demora três segundos. Mesmo assim foi cortado.”

“Eles não têm nenhum senso de realidade”, afirmou Belluzzo.

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