A derrota dos trabalhadores e da maioria da população no primeiro turno de votação da Reforma da Previdência ajuda a lembrar uma velha verdade das disputas políticas.
Muitas vezes, mais grave do que sofrer uma derrota é não compreender suas causas, lição especialmente importante quando o país aguarda por três votações a partir de agosto.
A tentativa de apresentar um resultado ruinoso como derrota política dos partidos e lideranças que fazem oposição ao governo Jair Bolsonaro e colheram um resultado insuficiente para impedir a passagem de um projeto 100% nefasto, não passa de um esforço lamentável para esconder a natureza da decisão.
Bolsonaro & Cia adoram imaginar que tiveram "vitória política". Exibindo elogiáveis modos civilizados que não podem, contudo, encobrir suas opções políticas, Rodrigo Maia chega a verter lágrimas sinceras em cima de um resultado fabricado.
O país não assistiu a uma disputa política, com base em argumentos racionais e o apoio de lideranças populares e carismáticas, envolvendo diferentes projetos e visões de mundo.
Promoveu-se, em Brasília, um escancarado balcão de negócios, dos piores ocorridos em nossa história.
Num placar final artificial, sem disfarces, com o ministro da Saúde operando no próprio plenário, a reforma contou com 379 votos a favor, 71 a mais do que o mínimo necessário. "Grande vitória", celebraram aliados do governo. Será?
Os números e valores negociados diretamente pelo balcão de negócios, foram estimados, pelo portal G1, em pelo menos R$ 1,7 bilhão.
E aí basta fazer uma conta. Considerando o valor máximo de emendas por deputado, fixado em R$ 15,4 milhões para cada um conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2019, chega-se a um cesto de 110 votos. Restam, então, magros 269 parlamentares que teriam apoiado as mudanças sem nada receber em troca. Um déficit de 49 votos em relação ao mínimo necessário de 308.
Cabe reconhecer que uma fatia respeitável da bancada governista é formada por votos ideológicos, de "convicção", como disse Tábata Amaral. Essa parcela poderia votar do mesmo jeito sem o aditivo das emendas.
Mas é difícil imaginar como teria sido possível alcançar o mínimo de 3/5 dos deputados, muito menos aos 379 votos da "vitória histórica", sem o impulso das emendas.
E aí se encontra o aspecto perverso da decisão: retirou-se um dinheiro reservado a gerar benefícios à população, para apoiar um projeto sob medida para prejudicar a maioria dos brasileiros. Não havia debate algum, nem disputa política real. Puro negócio.
Conhecendo os efeitos inevitáveis das mudanças, que irão cobrar sacrifícios maiores e ganhos menores para a maioria dos aposentados, pode-se prever, caso as mudanças passem pelas votações restantes, um desgaste inevitável do governo e seus aliados já no curto prazo. E é por essa razão que se tenta embelezar um resultado que é pequeno por todos os aspectos - salvo pelos os danos que irá causar ao país.
Ninguém retira R$ 90 bilhões por ano das casas simples e até humildes que servem de residência à maioria das famílias atingidas sem gerar imensos sacrifícios e provocar muita dor. Temendo inevitáveis reações indignadas, tenta-se apresentar uma barganha terrível como a fantasia de progresso político, quando é fácil saber que o dono do espetáculo era quem tinha a chave do cofre.
Só para entender o espírito da coisa. A colunista Eliane Cantanhêde já compara Rodrigo Maia a Ulysses Guimarães, o que só confirma o abismo entre propaganda e realidade.
Alguma dúvida?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: