sábado, 13 de julho de 2019

Previdência: as entranhas do bolsonarismo

Por Antonio Martins, no site Outras Palavras:

A enorme facilidade com que a coalizão governista aprovou, na quarta-feira, o texto-base da Contrarreforma da Previdência, desfez-se desde ontem. Na votação de destaques – propostas que, apresentadas por bancadas partidárias, alteram o texto inicial –, as bancadas bolsonarista, do Centrão e de fundamentalistas do mercado desorganizaram-se, dividiram-se em alguns casos e sofreram derrotas com que não contavam. O deputado Rodrigo Maia, que havia previsto encerrar a primeira rodada de votações ontem (11/7) e fazer o segundo turno hoje (12), agora já não tem sequer a certeza de que a tramitação, naquela casa, se encerrará este semestre. Dois fatores concorrem para tornar mais difícil o trabalho dos governistas: o temor (ainda presente) de eliminar direitos; e a cobrança, pelos deputados, das benesses inéditas (dinheiro e cargos públicos) prometidas pelo Palácio do Planalto – a despeito do discurso sobre “nova política”.

O primeiro problema, para os defensores da Contrarreforma, é que os destaques ao texto-base preservam direitos de setores sociais importantes – e votar contra eles pode produzir desgaste grave. Por outro lado, o ministério da Economia, chefiado por Paulo Guedes, vê, em qualquer alteração no projeto inicial, um “gasto” que pode prejudicar sua noção de “ajuste fiscal”. Ontem, apenas sete destaques foram votados, dos cerca de quinze existentes (o número é impreciso porque algumas propostas têm sentido idêntico a outras e podem ser consideradas vencidas).

Destes, três foram aprovados. O tempo mínimo de contribuição das mulheres, para alcançar aposentadoria integral, caiu de 40 para 35 anos. O dos homens permaneceu esticado para 40, mas a aposentadoria parcial poderá ser requerida após 15 anos de contribuição (e não 20, como pretendia o governo). Os policiais de segurança que já estão em atividade terão regras mais brandas para se retirar (neste caso, a votação foi esmagadora: 467 x 15 fiéis a Paulo Guedes e aos mercados).

Hoje, entrarão em pauta o destaque do PDT, que torna menos draconianas as regras para aposentadoria dos professores (estabelecendo idades mínimas de 55/52 anos) e diversas propostas do PT. Segundo a “Folha”, os assessores econômicos de Bolsonaro temem que estes possam reduzir em R$ 500 bilhões a “economia” desejada por Paulo Guedes.

Preocupado com o desenrolar das votações, o deputado Rodrigo Maia deixou diversas vezes, ontem, a presidência dos trabalhos, para se envolver diretamente nas negociações de bastidores. Ele marcou o início da nova sessão para hoje, às 9h. Espera-se, no entanto, que ela comece mais tarde. Maia chegou a cogitar sessão extraordinária no sábado, mas parecia ter dúvidas sobre a capacidade de manter a mobilização da coalizão governista.

A segunda pedra no sapato dos governistas é a necessidade de honrar a avalanche de favores prometida aos parlamentares. A atividade tem sido frenética, nos últimos dias. Ontem, o ministério da Economia sancionou a retirada de R$ 1,25 bilhão do programa Mais Médicos. Os recursos serão desviados para cumprimento das emendas dos parlamentares que votaram com o governo, em outras rubricas do ministério da Saúde. Outros R$ 649 milhões já haviam sido desviados, com o mesmo propósito, no dia 9. O total “redirecionado”, só no ministério da Saúde, subiu para R$ 1,9 bilhão. No mesmo período (entre 5 e 10/7), este ministério publicou 48 portarias, liberando R$ 1,6 bilhão em emendas parlamentares

Segundo a Folha de S.Paulo, as liberações representam um tsunami fisiológico atípico, até mesmo para os padrões da política institucional brasileira. Isso porque as emendas liberadas não são as impositivas, que o Executivo normalmente protela para barganhas, mas ao final é obrigado a pagar. Trata-se de emendas não-impositivas, uma espécie de prêmio “a mais” usado para azeitar as votações da última semana.

Uma prova de que a Câmara transformou-se de fato num cassino é a vasta liberação, em paralelo, das emendas impositivas. Um levantamento do site Contas Abertas, divulgado ontem, revelou que, só nos dez primeiros dias de julho, o Executivo liberou R$ 2,67 bilhões – 50% a mais do que fizera em todo o primeiro semestre.

Também segundo a Folha, o governo abriu uma outra torneira de favores relacionados à tramitação “vitoriosa” da Contrarreforma da Previdência: a das nomeações para cargos públicos. Diversos parlamentares relataram ao jornal que mais de 300 indicações para postos de confiança (os de remuneração mais alta, no Estado) estavam travadas – e começaram a ser liberadas exatamente nos dias das votações no Congresso.

As derrotas deveriam ensinar. A transformação do Congresso Nacional num cassino desmente o pilar principal do discurso bolsonarista. As ideias de “nova política” e de combate ao establishment, que permitem ao presidente manter apoio importante, apesar da piora nítida das condições de vida, estão desmentidas. Mas a esquerda institucional tem enorme dificuldade em explorar esta brecha – em parte porque, no governo, serviu-se de expedientes semelhantes; e porque não ousa formular um projeto de Reforma Política que enfrente o fisiologismo – multiplicando, por exemplo, os mecanismos de democracia direta e participativa.

Este problema precisa ser resolvido, porque o segundo semestre será repleto de disputas decisivas. Entre os pontos em pauta, estará a Contrarreforma Tributária. Segundo a Folha, o ministro Paulo Guedes cogita a possibilidade de aderir à versão mais destrutiva e concentradora de riquezas da proposta. Ela elimina cinco tributos hoje pagas pelas empresas (Contribuição Previdenciária, IPI, PIS, Cofins, CSLL) trocando-as por uma hiper-CPMF (um imposto sobre transações financeiras), a ser paga por toda a sociedade. O maior entusiasta da proposta é o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra. Os assessores de Guedes previam reunir-se ontem, para tentar uma definição.

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