Por Marcelo Manzano, no site da Fundação Perseu Abramo:
O incansável Paulo Guedes anunciou que o governo Bolsonaro pretende flexibilizar ainda mais a política cambial brasileira. Segundo o ministro da Economia, a ideia é autorizar a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil e também liberar residentes do país a manter contas em reais no exterior. Com isso, os homens de mercado que comandam o Estado brasileiro dizem pretender transformar o real em uma moeda plenamente conversível, o que simplificaria os negócios de investidores estrangeiros que atuam ou pretendem atuar no Brasil.
A ideia, entretanto, promoveria um desserviço imenso ao país, reduzindo ainda mais o já limitado raio de manobra da política econômica e ampliando sobremaneira a volatilidade de nossa taxa de câmbio.
Para melhor compreender o busílis da questão é importante lembrar que uma moeda, para funcionar como tal, precisa necessariamente dispor das seguintes qualidades: servir de reserva de valor, de meio de pagamento e de unidade de conta. Ora, o real certamente exerce essas funções no mercado doméstico, mas pelo menos em um horizonte de muitas décadas, nada indica que possa exercê-las no mercado internacional.
Basta parar dois minutos para pensar – e abandonar as abstrações a-históricas dos manuais da Escola de Chicago – para descobrir que as moedas dos países estão hierarquizadas no mercado internacional e que o dólar dos Estados Unidos ocupa o topo dessa pirâmide, como moeda-chave do sistema (portanto, desfrutando plenamente das três funções clássicas). Além do dólar, outras poucas moedas de economias mais robustas também são utilizadas como divisa internacional em operações financeiras e comerciais entre países, porém, mesmo elas ocupam os andares de baixo – uma vez que, diante de situações de pânico e crises agudas, o último refúgio do capital tem sido sempre o dólar.
Já o nosso real, gostemos ou não, ocupa os porões do edifício e não se apresenta para cumprir nenhuma daquelas três qualidades necessárias para servir como divisa de uso corrente no mercado internacional. Em realidade, no animado e lucrativo mercado internacional de moedas, o real tem outra natureza, que muito agrada os investidores estrangeiros: não funciona como moeda, mas sim como um ativo saboroso para operações especulativas. Ou seja, comprar e vender real, assim como comprar e vender petróleo ou títulos hipotecários pode garantir alta rentabilidade a quem souber comprar na baixa e vender na alta. Isso significa que quanto mais liberdade houver para que fundos estrangeiros operem com real, maior volatilidade se verificará em nossa taxa de câmbio, pois mais intensas serão as ondas a favor ou contra a moeda. E qual o problema disso?
Diversos.
Primeiro porque, antes de mais nada, o preço do real em dólares (isto é, a nossa taxa de câmbio) é um preço-chave da economia doméstica e sua estabilidade é condição crucial para que as empresas que atuam no Brasil possam estimar seus custos, suas margens de lucro e, a partir deles, o volume de investimento que consideram interessante realizar. Na falta de estabilidade destes parâmetros, o horizonte para os investimentos produtivos encurta, o “animal spirit” do capitalista se acovarda e a produção não avança como seria desejável.
Em segundo lugar, considerando que o Brasil é uma praça financeira de alto risco, sempre que houver algum stress de maior intensidade na cena externa, os canais desobstruídos para a troca de reais por dólar colocarão em xeque a solvência do país, ampliando a possibilidade de colapso de nossas contas externas.
Em terceiro lugar, como derivada das duas primeiras, as taxas de juros praticadas no mercado brasileiro terão que ser ainda mais altas – ao contrário do que diz a propaganda de Paulo Guedes – uma vez que a flutuação excessiva do câmbio e o maior risco de insolvência obrigarão os credores a embutirem em seus spreads estes componentes de incerteza.
Por fim, vale lembrar que com a nossa conta capital escancarada e considerando-se que as operações de especulação cambial são muito mais volumosas e frequentes do que as operações relacionadas a nosso comércio de bens e mercadorias, nossa taxa de câmbio será cada vez determinada por operações financeiras, perdendo a função de mediadora entre a nossa capacidade de produção e a de nossos concorrentes no mercado externo. Dito de outra forma, muito provavelmente o câmbio irá flutuar em um patamar que retirará ainda mais a competitividade da produção nacional.
Imagino que Paulo Guedes, entretanto, saiba exatamente que é disso que se trata, e exatamente por isso demonstra grande ansiedade para liberalizar ainda mais o nosso regime cambial. Fosse minimamente comprometido com o desenvolvimento do país, olharia para as experiências cambiais da Argentina e do Equador para enfiar a viola no saco.
O incansável Paulo Guedes anunciou que o governo Bolsonaro pretende flexibilizar ainda mais a política cambial brasileira. Segundo o ministro da Economia, a ideia é autorizar a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil e também liberar residentes do país a manter contas em reais no exterior. Com isso, os homens de mercado que comandam o Estado brasileiro dizem pretender transformar o real em uma moeda plenamente conversível, o que simplificaria os negócios de investidores estrangeiros que atuam ou pretendem atuar no Brasil.
A ideia, entretanto, promoveria um desserviço imenso ao país, reduzindo ainda mais o já limitado raio de manobra da política econômica e ampliando sobremaneira a volatilidade de nossa taxa de câmbio.
Para melhor compreender o busílis da questão é importante lembrar que uma moeda, para funcionar como tal, precisa necessariamente dispor das seguintes qualidades: servir de reserva de valor, de meio de pagamento e de unidade de conta. Ora, o real certamente exerce essas funções no mercado doméstico, mas pelo menos em um horizonte de muitas décadas, nada indica que possa exercê-las no mercado internacional.
Basta parar dois minutos para pensar – e abandonar as abstrações a-históricas dos manuais da Escola de Chicago – para descobrir que as moedas dos países estão hierarquizadas no mercado internacional e que o dólar dos Estados Unidos ocupa o topo dessa pirâmide, como moeda-chave do sistema (portanto, desfrutando plenamente das três funções clássicas). Além do dólar, outras poucas moedas de economias mais robustas também são utilizadas como divisa internacional em operações financeiras e comerciais entre países, porém, mesmo elas ocupam os andares de baixo – uma vez que, diante de situações de pânico e crises agudas, o último refúgio do capital tem sido sempre o dólar.
Já o nosso real, gostemos ou não, ocupa os porões do edifício e não se apresenta para cumprir nenhuma daquelas três qualidades necessárias para servir como divisa de uso corrente no mercado internacional. Em realidade, no animado e lucrativo mercado internacional de moedas, o real tem outra natureza, que muito agrada os investidores estrangeiros: não funciona como moeda, mas sim como um ativo saboroso para operações especulativas. Ou seja, comprar e vender real, assim como comprar e vender petróleo ou títulos hipotecários pode garantir alta rentabilidade a quem souber comprar na baixa e vender na alta. Isso significa que quanto mais liberdade houver para que fundos estrangeiros operem com real, maior volatilidade se verificará em nossa taxa de câmbio, pois mais intensas serão as ondas a favor ou contra a moeda. E qual o problema disso?
Diversos.
Primeiro porque, antes de mais nada, o preço do real em dólares (isto é, a nossa taxa de câmbio) é um preço-chave da economia doméstica e sua estabilidade é condição crucial para que as empresas que atuam no Brasil possam estimar seus custos, suas margens de lucro e, a partir deles, o volume de investimento que consideram interessante realizar. Na falta de estabilidade destes parâmetros, o horizonte para os investimentos produtivos encurta, o “animal spirit” do capitalista se acovarda e a produção não avança como seria desejável.
Em segundo lugar, considerando que o Brasil é uma praça financeira de alto risco, sempre que houver algum stress de maior intensidade na cena externa, os canais desobstruídos para a troca de reais por dólar colocarão em xeque a solvência do país, ampliando a possibilidade de colapso de nossas contas externas.
Em terceiro lugar, como derivada das duas primeiras, as taxas de juros praticadas no mercado brasileiro terão que ser ainda mais altas – ao contrário do que diz a propaganda de Paulo Guedes – uma vez que a flutuação excessiva do câmbio e o maior risco de insolvência obrigarão os credores a embutirem em seus spreads estes componentes de incerteza.
Por fim, vale lembrar que com a nossa conta capital escancarada e considerando-se que as operações de especulação cambial são muito mais volumosas e frequentes do que as operações relacionadas a nosso comércio de bens e mercadorias, nossa taxa de câmbio será cada vez determinada por operações financeiras, perdendo a função de mediadora entre a nossa capacidade de produção e a de nossos concorrentes no mercado externo. Dito de outra forma, muito provavelmente o câmbio irá flutuar em um patamar que retirará ainda mais a competitividade da produção nacional.
Imagino que Paulo Guedes, entretanto, saiba exatamente que é disso que se trata, e exatamente por isso demonstra grande ansiedade para liberalizar ainda mais o nosso regime cambial. Fosse minimamente comprometido com o desenvolvimento do país, olharia para as experiências cambiais da Argentina e do Equador para enfiar a viola no saco.
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