Por Marcelo Zero
A política externa norte-americana é guiada (pasmem!) pelos interesses maiores dos EUA. O que vale, o único que vale, nessa política são as necessidades e os interesses econômicos, geopolíticos e geoestratégicos do Império.
Interesses de outros países são eventualmente atendidos apenas na medida em que isso convenha aos interesses nacionais.
De forma singular, a atual política externa do Brasil também é determinada exclusivamente pelos interesses dos EUA. Coisas do amor.
Sob Bolsonaro e seu chanceler pré-iluminista, o Itamaraty, outrora bastião sólido do interesse nacional, transformou-se em mero puxadinho do Departamento de Estado.
Devido a uma visão ideológica extremada, a política externa do bolsonarismo, baseada nos doutos ensinamentos de um renomado astrólogo da Virgínia, é norteada pelas luzes apagadas que emanam de Trump e de Steve Bannon. No puxadinho atual, o exemplo fulgurante do Barão do Rio Branco não parece mais ter muita relevância.
Mas puxadinhos, como se sabe, são irrelevantes, além de feios. Causam desdém e repulsa.
Nesse quadro de irrelevância e de submissão extrema e míope, não surpreende que as reivindicações emanadas do minúsculo puxadinho não comovam o inabalável Pentágono, um dos maiores prédios do mundo.
Com efeito, só mesmo quem não conhece a política externa dos EUA se surpreendeu com a rasteira dada por Trump em Bolsonaro, quem lhe dedica amor incondicional não correspondido.
Os EUA não têm interesse algum em alargar a OCDE. A administração Trump, antiglobalista, desconfia de quaisquer instituições multilaterais que não possa controlar, de acordo com seus interesses nacionais.
Uma OCDE expandida, que incorporasse muitos países emergentes, poderia impedir esse controle que Trump e os EUA desejam manter.
Obviamente, os EUA, que conduzem sua política externa conforme seus interesses, não vão abrir mão dessa diretriz de política externa por causa do minúsculo e submisso Bolsonaro. Por mais que digam, a posteriori, que mantêm o apoio à candidatura do Brasil, o fato concreto é que o ingresso do nosso país na OCDE foi adiado sine die, apesar das amplas e concretas concessões que o Brasil fez para que os EUA prometessem o apoio que não veio.
A principal delas foi a renúncia ao tratamento especial e diferenciado (TED) que o Brasil tem na OMC. De fato, os EUA exigiram, como contrapartida ao apoio ao ingresso na OCDE, que o Brasil renunciasse a esse tratamento.
Não que o tratamento específico ao Brasil incomode os EUA. Na realidade, a exigência tem como alvo principal a China, país com o qual os EUA possuem grande déficit comercial.
Com esse objetivo, os EUA apresentaram proposta na OMC, pela qual membros em desenvolvimento da organização não poderiam ter tratamento especial se forem membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou candidatos a entrar na entidade; se forem membros do G-20; se forem classificados como países de “alta renda” pelo Banco Mundial; ou se forem responsáveis por mais de 0,5% do comércio mundial de mercadorias.
A China, a Índia e muitos outros países emergentes e em desenvolvimento reagiram contra essa ofensiva dos EUA, criando um bloco anti-EUA na OMC.
A exigência ao Brasil foi uma maneira que os EUA encontraram de inserir uma cunha nesse bloco, já que o nosso país tinha influência entre os países em desenvolvimento e emergentes.
Dessa forma, o Brasil abriu mão de seus próprios interesses para servir de mero e patético peão dos EUA, no complexo e brutal jogo de xadrez que esse país disputa com a China.
Ao desempenhar esse papel ridículo, o Brasil não renunciou a pouca coisa.
De um modo geral, o tratamento especial e diferenciado permite ao Brasil: praticar tarifas de importação mais altas, ter tempo de transição mais longo para se adaptar a quaisquer novas regras da OMC, ter a possibilidade de, em negociações comerciais, não assegurar a reciprocidade plena às ofertas de países desenvolvidos, ter a possibilidade de acesso mais facilitado ao mercado dos países desenvolvidos e, sobretudo, preservar espaços para a implementação de políticas destinadas à promoção do desenvolvimento, como políticas de industrialização, de desenvolvimento regional, de ciência e tecnologia.
O prejuízo maior, contudo, foi político. Ao aceitar renunciar a esse tratamento especial e diferenciado na OMC, como contrapartida à promessa de um apoio puramente retórico para entrar na OCDE, o Brasil rompeu com seu compromisso histórico de defesa das posições dos países em desenvolvimento e, particularmente, com seus parceiros do BRICS.
Assim, o Brasil atirou no próprio pé e se isolou a troco de nada. Se isolou na OMC e não entrou na OCDE.
Não que entrar na OCDE fosse bom para um país em desenvolvimento como o nosso. Não é. Para entrar na OCDE, o Brasil teria de se submeter a uma série de exigências econômicas e políticas que, em síntese, nos fariam renunciar à possibilidade de desenvolver políticas de desenvolvimento, de industrialização, de ciência e tecnologia, de controle cambial, de controle de investimentos externos, etc.
Aliás, se nossa imprensa entendesse um pouco de política externa, ela saberia, que na prática, o Congresso Nacional, votou, mesmo que de forma indireta, contra as diretrizes econômicas da OCDE, particularmente contra suas recomendações sobre regime de investimentos, ao ter rejeitado todos os acordos bilaterais de promoção e proteção recíproca de investimentos firmados, na década de 1990, com base nessas recomendações.
Mesmo assim, a derrota de Bolsonaro foi profundamente humilhante. Submeteu o Brasil a mais um vexame mundial a troco de nada. Esse vexame empalideceu até a vergonha indelével deixada pelo discurso na ONU.
Justiça seja feita, Bolsonaro se aperfeiçoa na triste arte de apequenar o Brasil.
Considere-se, além de tudo isso, que o Brasil concedeu aos EUA a base de Alcântara e a isenção de vistos, sem reciprocidade para cidadãos norte-americanos, o acesso ao pré-sal, o apoio à desestabilização da Venezuela, a permissão para a Halliburton fazer obras aqui, a permissão para a compra da Embraer pela Boeing e muitas outras coisinhas mais. Tudo sem contrapartida real alguma.
Nesse quadro acelerado de decomposição da soberania, deve-se perguntar por que Trump faria alguma concessão real ao Brasil, se consegue obter tudo gratuita, espontânea e amorosamente?
O Brasil substituiu a chamada realpolitk pela fantasiepolitik de desvarios astrológicos e medievais. No campo externo, substituiu seus interesses por interesses alheios, por fantasias ideológicas totalmente descoladas da realidade.
A nossa política externa é hoje conduzida por uma horda oligofrênica de cruzados medievais, os quais acham que Trump é o novo Messias que salvará a civilização ocidental do “marxismo cultural, do “globalismo”, da mula-sem-cabeça, do Boitatá e da indefectível “mamadeira de piroca”.
Só esse desvario terminal pode explicar essas decisões profundamente equivocadas e ridículas. Somente essas fantasias tresloucadas e essa irracionalidade baseada em compadrios ideológicos extremados podem explicar porque se considera adequado nomear Eduardo Bolsonaro nosso embaixador em Washington.
Confundir fantasia com realidade e amor e amizade com interesse é muito perigoso, na vida privada. Em política externa, contudo, é mortal.
A fantasiepolitik de Bolsonaro está humilhando e matando o Brasil, sob risos de escárnio de quem pratica a pragmática realpolitik.
A política externa norte-americana é guiada (pasmem!) pelos interesses maiores dos EUA. O que vale, o único que vale, nessa política são as necessidades e os interesses econômicos, geopolíticos e geoestratégicos do Império.
Interesses de outros países são eventualmente atendidos apenas na medida em que isso convenha aos interesses nacionais.
De forma singular, a atual política externa do Brasil também é determinada exclusivamente pelos interesses dos EUA. Coisas do amor.
Sob Bolsonaro e seu chanceler pré-iluminista, o Itamaraty, outrora bastião sólido do interesse nacional, transformou-se em mero puxadinho do Departamento de Estado.
Devido a uma visão ideológica extremada, a política externa do bolsonarismo, baseada nos doutos ensinamentos de um renomado astrólogo da Virgínia, é norteada pelas luzes apagadas que emanam de Trump e de Steve Bannon. No puxadinho atual, o exemplo fulgurante do Barão do Rio Branco não parece mais ter muita relevância.
Mas puxadinhos, como se sabe, são irrelevantes, além de feios. Causam desdém e repulsa.
Nesse quadro de irrelevância e de submissão extrema e míope, não surpreende que as reivindicações emanadas do minúsculo puxadinho não comovam o inabalável Pentágono, um dos maiores prédios do mundo.
Com efeito, só mesmo quem não conhece a política externa dos EUA se surpreendeu com a rasteira dada por Trump em Bolsonaro, quem lhe dedica amor incondicional não correspondido.
Os EUA não têm interesse algum em alargar a OCDE. A administração Trump, antiglobalista, desconfia de quaisquer instituições multilaterais que não possa controlar, de acordo com seus interesses nacionais.
Uma OCDE expandida, que incorporasse muitos países emergentes, poderia impedir esse controle que Trump e os EUA desejam manter.
Obviamente, os EUA, que conduzem sua política externa conforme seus interesses, não vão abrir mão dessa diretriz de política externa por causa do minúsculo e submisso Bolsonaro. Por mais que digam, a posteriori, que mantêm o apoio à candidatura do Brasil, o fato concreto é que o ingresso do nosso país na OCDE foi adiado sine die, apesar das amplas e concretas concessões que o Brasil fez para que os EUA prometessem o apoio que não veio.
A principal delas foi a renúncia ao tratamento especial e diferenciado (TED) que o Brasil tem na OMC. De fato, os EUA exigiram, como contrapartida ao apoio ao ingresso na OCDE, que o Brasil renunciasse a esse tratamento.
Não que o tratamento específico ao Brasil incomode os EUA. Na realidade, a exigência tem como alvo principal a China, país com o qual os EUA possuem grande déficit comercial.
Com esse objetivo, os EUA apresentaram proposta na OMC, pela qual membros em desenvolvimento da organização não poderiam ter tratamento especial se forem membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou candidatos a entrar na entidade; se forem membros do G-20; se forem classificados como países de “alta renda” pelo Banco Mundial; ou se forem responsáveis por mais de 0,5% do comércio mundial de mercadorias.
A China, a Índia e muitos outros países emergentes e em desenvolvimento reagiram contra essa ofensiva dos EUA, criando um bloco anti-EUA na OMC.
A exigência ao Brasil foi uma maneira que os EUA encontraram de inserir uma cunha nesse bloco, já que o nosso país tinha influência entre os países em desenvolvimento e emergentes.
Dessa forma, o Brasil abriu mão de seus próprios interesses para servir de mero e patético peão dos EUA, no complexo e brutal jogo de xadrez que esse país disputa com a China.
Ao desempenhar esse papel ridículo, o Brasil não renunciou a pouca coisa.
De um modo geral, o tratamento especial e diferenciado permite ao Brasil: praticar tarifas de importação mais altas, ter tempo de transição mais longo para se adaptar a quaisquer novas regras da OMC, ter a possibilidade de, em negociações comerciais, não assegurar a reciprocidade plena às ofertas de países desenvolvidos, ter a possibilidade de acesso mais facilitado ao mercado dos países desenvolvidos e, sobretudo, preservar espaços para a implementação de políticas destinadas à promoção do desenvolvimento, como políticas de industrialização, de desenvolvimento regional, de ciência e tecnologia.
O prejuízo maior, contudo, foi político. Ao aceitar renunciar a esse tratamento especial e diferenciado na OMC, como contrapartida à promessa de um apoio puramente retórico para entrar na OCDE, o Brasil rompeu com seu compromisso histórico de defesa das posições dos países em desenvolvimento e, particularmente, com seus parceiros do BRICS.
Assim, o Brasil atirou no próprio pé e se isolou a troco de nada. Se isolou na OMC e não entrou na OCDE.
Não que entrar na OCDE fosse bom para um país em desenvolvimento como o nosso. Não é. Para entrar na OCDE, o Brasil teria de se submeter a uma série de exigências econômicas e políticas que, em síntese, nos fariam renunciar à possibilidade de desenvolver políticas de desenvolvimento, de industrialização, de ciência e tecnologia, de controle cambial, de controle de investimentos externos, etc.
Aliás, se nossa imprensa entendesse um pouco de política externa, ela saberia, que na prática, o Congresso Nacional, votou, mesmo que de forma indireta, contra as diretrizes econômicas da OCDE, particularmente contra suas recomendações sobre regime de investimentos, ao ter rejeitado todos os acordos bilaterais de promoção e proteção recíproca de investimentos firmados, na década de 1990, com base nessas recomendações.
Mesmo assim, a derrota de Bolsonaro foi profundamente humilhante. Submeteu o Brasil a mais um vexame mundial a troco de nada. Esse vexame empalideceu até a vergonha indelével deixada pelo discurso na ONU.
Justiça seja feita, Bolsonaro se aperfeiçoa na triste arte de apequenar o Brasil.
Considere-se, além de tudo isso, que o Brasil concedeu aos EUA a base de Alcântara e a isenção de vistos, sem reciprocidade para cidadãos norte-americanos, o acesso ao pré-sal, o apoio à desestabilização da Venezuela, a permissão para a Halliburton fazer obras aqui, a permissão para a compra da Embraer pela Boeing e muitas outras coisinhas mais. Tudo sem contrapartida real alguma.
Nesse quadro acelerado de decomposição da soberania, deve-se perguntar por que Trump faria alguma concessão real ao Brasil, se consegue obter tudo gratuita, espontânea e amorosamente?
O Brasil substituiu a chamada realpolitk pela fantasiepolitik de desvarios astrológicos e medievais. No campo externo, substituiu seus interesses por interesses alheios, por fantasias ideológicas totalmente descoladas da realidade.
A nossa política externa é hoje conduzida por uma horda oligofrênica de cruzados medievais, os quais acham que Trump é o novo Messias que salvará a civilização ocidental do “marxismo cultural, do “globalismo”, da mula-sem-cabeça, do Boitatá e da indefectível “mamadeira de piroca”.
Só esse desvario terminal pode explicar essas decisões profundamente equivocadas e ridículas. Somente essas fantasias tresloucadas e essa irracionalidade baseada em compadrios ideológicos extremados podem explicar porque se considera adequado nomear Eduardo Bolsonaro nosso embaixador em Washington.
Confundir fantasia com realidade e amor e amizade com interesse é muito perigoso, na vida privada. Em política externa, contudo, é mortal.
A fantasiepolitik de Bolsonaro está humilhando e matando o Brasil, sob risos de escárnio de quem pratica a pragmática realpolitik.
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