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Diversos países vivenciaram manifestações e processos que contestam - ou denunciam - os efeitos da implementação do neoliberalismo: Equador, Chile e Argentina são exemplos evidentes desse fenômeno.
O último dossiê elaborado pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa, publicado nesta terça-feira (5), aborda o cenário latino-americano, em que a “crise social e as intervenções autoritárias parecem se complementar”, exigindo a elaboração de uma alternativa baseada em “estratégias de disputa a partir de movimentos populares e projetos emancipatórios”.
O documento aponta como eixo de debate a necessidade de balanço das experiências passadas dos governos de esquerda: “Dados os limites que os projetos progressistas tinham no passado, é claro que pensar e construir um futuro emancipatório na Nossa América hoje exige tanto discuti-lo como reformular a inserção internacional de nossas economias”.
O Brasil de Fato ouviu dois estudiosos da região, questionando como veem esse cenário.
Apesar da relevância e intensidade das manifestações, e sua origem comum na crítica a políticas de viés privatizante que reduzem o papel do Estado na economia, há ainda uma cautela em caracterizar a explosão de revolta como o início de um novo ciclo progressista.
Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), diz ser impossível afirmar que “o quadro político regional” tenha mudado. Notando algumas semelhanças, como o fato da questão do transporte e da mobilidade terem “unificado o descontentamento” tanto no Chile como no Equador, ele afirma que os protestos eclodem também respondendo a variáveis específicas de cada país.
“Eu sou muito cauteloso para dizer que existe uma nova onda, um novo movimento, nós estamos no meio do processo. Não sei o que vai acontecer no Equador, no Chile. Segue havendo um rechaço popular ao neoliberalismo, mas precisamos ter cuidado com as peculiaridades de cada país”, diz.
Outro fator relevante é o cenário econômico adverso em âmbito internacional, destaca Maringoni. O ciclo de governos progressistas, lembra ele, se valeu de um ambiente global de expansão das compras chinesas.
“A partir de 2005 havia um processo de crescimento acentuado da economia chinesa. Mesmo quando em 2002, 2003, quando se elegem Lula, Nestor e Evo, havia o prenúncio do crescimento da economia mundial. Nós estamos às portas de uma nova desaceleração dos países centrais. Há menos chances de alianças internacionais”, diz.
Autor do livro “O Novo Constitucionalismo Latino-americano”, o professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Gladstone Leonel concorda com o novo cenário econômico apontado por Maringoni, guardando as peculiaridades de cada país.
O próprio fato de países como Bolívia e Venezuela terem promovido mudanças institucionais mais profundas, “com processos constituintes horizontais e populares”, segundo ele, teria influenciado para que a reação neoliberal não tenha sido bem-sucedida em todas regiões.
“Há um elemento que distingue aquilo que ocorreu no final dos 90, início dos anos 2000, para o que acontece agora. No meio desse caminho, há uma crise econômica estrutural em 2008. Eu não diria que é uma nova onda em si, na verdade, nós ainda estamos colhendo alguns efeitos daquele período de resistência anterior”, explica.
Além da economia internacional em uma dinâmica desfavorável, o próprio legado dos governos progressistas pesa nesse contexto: quase nenhum país da América Latina foi capaz de diversificar sua economia e empreender um processo robusto de industrialização. Assim, a retomada de processos progressistas em um cenário global retraído, se faz ainda mais difícil.
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