terça-feira, 26 de novembro de 2019

O que fazer diante do novo partido fascista?

Por Mar­celo Castañeda, no site Correio da Cidadania:

Bol­so­naro é tido como burro e ig­no­rante, mas, numa jo­gada es­tra­té­gica ar­ris­cada, con­se­guiu co­locar no de­bate pú­blico e in­ter­co­nec­tado nas duas úl­timas se­manas a sua mais re­cente pro­posta de criar um par­tido para chamar de seu, con­gre­gando como ban­deiras Deus, armas e an­ti­co­mu­nismo sob a regência da fi­lo­sofia ola­vista. Trata-se de uma pro­posta com ins­pi­ração fas­cista e de base mi­li­ciana e evan­gé­lica.

Em uma pers­pec­tiva nor­ma­li­za­dora, faço coro com boa parte das aná­lises que pro­li­feram na mídia cor­po­ra­tiva de que é uma jo­gada ar­ris­cada pela questão do tempo e da pos­sível de­pen­dência de um in­certo pro­cesso de re­co­lhi­mento ele­trô­nico de as­si­na­turas que de­pende da apro­vação do TSE para ser de­fla­grado a tempo de con­correr já nas elei­ções mu­ni­ci­pais de 2020. Também fica em sus­penso a pos­si­bi­li­dade de acessar os vul­tu­osos re­cursos do fundo par­ti­dário, o que só seria su­prido por do­a­ções in­di­vi­duais.

O Ali­ança pelo Brasil (ApB) mo­bi­lizou aten­ções da mídia cor­po­ra­tiva e das redes so­ciais, e boa parte da opo­sição in­di­vi­du­a­li­zada em rede com sua ca­pa­ci­dade crí­tica acabou por ter­minar de di­vulgar aos quatro cantos os pre­ceitos prin­ci­pais do par­tido, o que nos leva ao que chamo de nor­ma­li­zação dos pro­cessos em curso. Isso es­panta mais do que a pre­tensa obra de arte com car­tu­chos de bala a comemorar a grande ideia de Bol­so­naro para des­filar a ro­seira mi­li­ciana nas elei­ções com o nú­mero 38, na triste ana­logia com o re­vólver, e ar­re­ba­nhar mais re­cursos a serem con­tro­lados por seu clã.

Por uma ver­tente crí­tica, a ins­ti­tu­ci­o­na­li­zação mi­li­ciana com ba­tismo evan­gé­lico deve ser com­ba­tida por cada um que tem es­pe­rança de que a de­mo­cracia ainda será pos­sível em terra bra­silis. No en­tanto, quais são as formas de mo­bi­li­zação para além do di­ag­nós­tico que inicia esse ar­tigo? Qual a capacidade de en­fren­ta­mento que temos frente a pro­cessos que passam ao nosso largo, tais como deci­sões do TSE (para o caso das as­si­na­turas) ou atri­buição de re­cursos do fundo par­ti­dário?

São ques­tões que, em uma res­posta que tende a dar como nula nossa ca­pa­ci­dade de in­ter­venção pelo seu ca­ráter ma­cros­có­pico, nos levam a per­guntar: o que fa­remos os que ainda prezam por al­guma pers­pec­tiva de­mo­crá­tica frente a essa nova frente de ra­di­ca­li­zação que to­mará forma como ex­trema-di­reita le­gí­tima? De­pen­de­remos do fe­e­ling elei­toral de po­lí­ticos in­te­res­sados em em­barcar no ApB, mas que temem perder sua con­dição elei­toral em 2020 por conta da in­de­fi­nição ins­ti­tu­ci­onal?

Frente a essa ino­vação mons­truosa que não deixa de ser “mais do mesmo” do ApB (vide a Marcha pela Fa­mília), o que cabe à es­querda fazer além de co­brar au­to­crí­tica do PT ou mesmo olhar com saudo­sismo para um pas­sado que não vol­tará? Indo mais além: até que ponto a via elei­toral não nos li­mita a estar sempre re­cu­ando frente às novas ame­aças que apa­recem? Como apostar apenas na institu­ci­o­na­li­dade em um mo­mento no qual pa­rece que as ope­ra­ções de co­mando ins­ti­tu­ci­onal não favo­recem ao campo de opo­sição, pelo con­trário, na me­dida em que só re­cu­amos e de­fen­demos o pas­sado neste ano de 2019?

As res­postas a estes ques­ti­o­na­mentos nos levam ao único ter­reno em dis­puta atu­al­mente: a so­ci­e­dade. Sim, esta mesma so­ci­e­dade que per­mite emergir de forma nor­ma­li­zada um par­tido mi­li­ciano-evangélico de ins­pi­ração fas­cista. Afinal de contas, os votos e a mu­dança partem da so­ci­e­dade e não das ideias ilu­mi­nadas de lí­deres que estão olhando para o pas­sado ou mesmo com mero in­te­resse eleitoral no curto e médio prazo fu­turo.

A dis­puta de 2018, por exemplo, não se de­finiu no ano pas­sado, mas nos úl­timos 20 a 30 anos com a es­tru­tu­ração ter­ri­to­rial das mi­lí­cias e igrejas evan­gé­licas, com apoio da ban­cada da bala, da bí­blia e boi/ru­ra­lista, bem como do mer­cado fi­nan­ceiro, re­fle­tindo con­di­ções que não foram cri­adas de um dia para outro. Ainda que não sejam o fator de­ter­mi­nante da vi­tória bol­so­na­rista, cer­ta­mente cons­ti­tuem um dos eixos mais im­por­tantes.

Por fim, se qui­sermos com­bater o ApB, o ca­minho pos­sível não me pa­rece ser “por cima” ou so­mente nas redes so­ciais in­di­vi­du­a­li­zadas em que pro­li­feram os me­lhores ca­mi­nhos para cada um (de­no­tando que não existe me­lhor ca­minho para todos), mas o re­en­contro com a so­ci­e­dade. A questão é que essa volta dá mais tra­balho e de­manda pa­ci­ência e al­guma boa dose de per­se­ve­rança, co­or­de­nação e articu­lação, atri­butos que andam em falta no ter­reno da opo­sição.

* Mar­celo Castañeda é ci­en­tista so­cial, pro­fessor da UFRJ.

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