quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Afinal, o que é integralismo?

Por Clara Averbuck, na revista Fórum:

Diante do ataque à produtora do Porta dos Fundos na véspera do Natal e do vídeo de supostos neo-integralistas reivindicando a autoria do atentado, é necessário esclarecer de onde vem e o que é, afinal, o integralismo e o neo-integralismo. Leandro Pereira Gonçalves, professor do departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e autor do livro “Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975)”, esclareceu em entrevista à Fórum alguns pontos básicos acerca do tema.

Confira a íntegra.


Sobre esse ressurgimento dos grupos integralistas: esse “neo” significa um resgate de valores já defendidos ou há várias correntes?

Academicamente, quando falamos em neo-integralismo, estamos denominando todas as tentativas de organizações do movimento após a morte do Plínio Salgado em 1975. O líder máximo, Plínio Salgado, era a síntese do movimento, que começa nos anos 30 e continua em décadas posteriores em outras organizações partidárias. Com a morte do chefe, os militantes ficam sem uma referência e passam a buscar diversas possibilidades para reestruturar o integralismo. São várias experiências desde os anos 80 até os grupos contemporâneos, portanto, chamamos de “neo” – essas organizações e movimentos, que vem após a morte do Plínio Salgado. Mas destaco que os grupos não aceitam essa caracterização. Eles se denominam como integralistas, pois dizem que o movimento não “morreu” para “renascer”.

E em relação às correntes e valores: há uma miscelânea muito grande. Há vários tipos, alguns mais radicais outros mais conservadores. Certamente, há muitos militantes que não concordam com a ação divulgada ontem, mas muitos apoiam de forma total.

E eles sempre estiveram “vivos” mesmo? Onde se encontram esses grupos, há algum estado específico onde eles se proliferam?

Entre os anos de 1975 (morte do Plínio) e 1988, os antigos militantes atuaram principalmente na publicação de artigos em defesa do movimento, tanto é que em 1981 foi fundada a Casa de Plínio Salgado, com o objetivo de preservar a memória do Plínio Salgado (que existe até hoje em uma sala no centro de São Paulo).

Em 1983, o ex-militante do PRP paulista, Anésio Lara Campos Júnior (meio irmão do Eduardo Suplicy), registrou a Ação Nacionalista Brasileira, porém sem continuidade ou aderência expressiva. Em 1985, Anésio promoveu outra tentativa de reestruturação ao criar uma nova Ação Integralista Brasileira, tornando-se o primeiro presidente.

Durante o decorrer da década de 1980 os conflitos entre os “herdeiros” se acentuaram. De um lado, liderados pela viúva do chefe, D. Carmela Salgado, estavam aqueles que não concordavam com o que consideravam “usurpação” da legenda da AIB por Anésio e, de outro, o então presidente que se recusava a abrir mão da liderança.

Nessa ocasião, tentaram reorganizar o integralismo através dos Centros Culturais que reuniam alguns grupos nacionalistas, mas não necessariamente seguidores diretos do integralismo. Alguns deles pertenciam ao movimento “carecas” do Rio de Janeiro e do ABC em São Paulo. A relação entre os “carecas” e o integralismo ocorreu através de Anésio Lara Campos Júnior, que os acolheu na recém-fundada AIB.

Entendo que nesse momento o integralismo ganhou outra conotação, pois defensores de outros elementos políticos, além do integralismo, passaram a utilizar a simbologia, algo que é visto atualmente com os diversos grupelhos que se denominam de integralistas.

No século XXI eles tentaram uma reorganização principalmente a partir de 2004, quando reuniram-se os grupos dispersos que tentavam dar uma unidade ao integralismo através do Iº Congresso Integralista para o Século XXI, mas que não foi muito bem sucedido, pois as ramificações continuaram, marca dos diversos grupos que hoje existem.

Devido as redes sociais, eles estão presentes em todo o Brasil, mas vejo que Rio de Janeiro e São Paulo tem uma maior expressão.

Você acha que a recente cobertura da mídia de pequenas manifestações desses grupos tenha incitado outros grupos neo-integralistas, não necessariamente alinhados aos que apareceram, a se manifestarem?

No dia 16 de dezembro eu fiz uma postagem no twitter, quando divulguei a reportagem do Estadão comentando superficialmente algo a respeito. Copio abaixo:

O Integralismo está na mídia! Nos últimos dias uma série de matérias jornalísticas foram publicadas sobre o integralismo brasileiro, seja na busca de relações analíticas com a contemporaneidade ou com o propósito de refletir sobre o passado da extrema-direita brasileira. [1]

Para o pesquisador do integralismo é muito bom, pois o seu objeto está cada vez mais em evidência e mostra a relevância de um tema que foi visto como periférico e marginalizado na historiografia. [2]

Mas, ao mesmo tempo, contribui para dar voz aos grupelhos que hoje não possuem voz alguma, encorajando muitos jovens a gritar o Anauê! [3]

Por muitos anos, o integralismo e o estudo da direita foram marginalizados pela historiografia. Lembro de uma edição especial, em dezembro de 2005 da saudosa revista Caros Amigos, com um dossiê voltado para o estudo da direita. A justificativa emitida pela redação, ao analisar a necessidade de conhecer e estudar o tema, foi justificada pela necessidade de conhecimento do conservadorismo brasileiro: “A direita brasileira é uma das mais espertas do mundo, porque entregou a pesquisa universitária à esquerda, para que esta estudasse os movimentos populares e assim ela ficaria bem informada – enquanto praticamente não há quem estude a própria direita e as elites em geral”.

E é isso mesmo. Por anos, a universidade estudou, financiou e incentivou apenas o estudo da esquerda, no que tange a História Política, deixando a direita em um espaço de desconhecimento (e associando quem estuda a direita como um defensor do espectro). Quantas vezes eu não fui questionado se não era integralista por estudar o integralismo?!?

Nos anos 70 o Florestan Fernandes escreveu: “Hoje está na moda dizer-se que se deve estudar o integralismo. Não compartilho dessa opinião.” Entendo as palavras do sociólogo, mas não concordo, pois é preciso dar voz e conhecer aqueles que assumem uma posição de força e opressão, entretanto, quando a mídia trata o tema, um lado sensacionalista e caricaturado é muitas vezes estabelecido.

Como disse, em hipótese alguma, acho que deva ser um objeto de pesquisa ignorado, mas quando o tema sai dos muros acadêmicos, para o público geral, deve ser tratado com cautela. Sei que o leitor tem curiosidade em saber quem são, onde vivem… Mas acho que as falas públicas dos militantes deveriam ser mais dosadas, ao contrário do pesquisador. Participei recentemente de algumas excelentes reportagens na Folha de São Paulo, com algumas jornalistas excelentes. O Estadão fez uma matéria muito boa com o meu colega de departamento da UFJF, Odilon Caldeira, entretanto, sinto que, em troca de likes, em alguns momento, a voz do militante ecoa mais que a voz do pesquisador.

Você acha que poderia haver um movimento maior de repressão à esquerda depois do ato, ainda que eles estejam, de certa forma, alinhados ideologicamente com o governo fascista?

Ontem mesmo quando o vídeo foi divulgado eu pensei nisso… Creio que, dependendo dos rumos das investigações, o governo pode, sim, endurecer e aplicar a lei anti-terror… Mas ainda acho cedo, porque o principal no momento é identificar a veracidade do vídeo, dos autores e dos elementos que estão por trás do ato.

Os integralistas sempre foram alinhado com os católicos. Você acha que poderia existir um braço evangélico neo-integralista?

O integralismo tem a defesa do cristianismo e não só o catolicismo. Aqui em Juiz de Fora mesmo, o integralismo nos anos 30 foi fundado dentro da Igreja Metodista. No Rio Grande do Sul, a base foi o Luteranismo. Tinham espíritas kardecistas no movimento dos anos 30, mas obviamente, a base central foi o catolicismo, devido a liderança e discurso do Plínio Salgado, que era um homem muito católico. A defesa gira em torno dos elementos católicos (inclusive no passado alguns neo-integralistas ensaiaram uma aproximação com a TFP, nitidamente católica), mas nada impede um protestante ser integralista

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