Por Eric Nepomuceno
Bem: é preciso reconhecer que antes ele disse outra verdade, quando assegurou que não pretendia construir um novo Brasil mas ‘desconstruir’ o que existia. E também é preciso reconhecer que ele vem ‘desconstruindo’ tudo com uma voracidade e um ódio sem precedentes.
E qual a segunda das duas únicas verdades que ele proferiu desde que assentou sua deplorável figura na poltrona presidencial?
Que no Brasil o jornalismo é uma espécie em extinção.
Devo admitir que pela primeira e única vez estou de acordo com Jair Messias.
Por razões radicalmente diferentes, é claro. Mas de acordo.
O jornalismo, ao menos o praticado pela minha geração e talvez pelas duas ou três que vieram imediatamente depois, começou a desaparecer há muito, muito tempo. Mais exatamente a partir de 1985, quando a ditadura acabou (ao menos formalmente...) e um civil retomou a presidência.
A razão é, ao menos para mim, evidente e palpável: aqui, o jornalismo não se democratizou, não surgiu nem vestígio de diversidade de informação.
Na Espanha, por exemplo, a lenta abertura iniciada após a morte do generalíssimo Francisco Franco (era assim que o monstruoso ditador exigia ser chamado) gerou várias publicações que propunham diferentes visões do que acontecia. Algumas não sobreviveram ao tempo.
Mas o melhor exemplo, sobreviveu: em abril de 1976, escassos cinco meses depois da morte de Franco, surgiu o ‘El País’, até hoje um dos mais importantes da Europa.
Na Argentina, quando acabou a ditadura mais sanguinária da sua história – a que durou de 1976 a 1983 – foi preciso esperar um pouco mais, até maio de 1987, para que chegasse às bancas o ‘Página 12’, criado por um grupo de veteranos jornalistas unido a um punhado de jovens do ofício.
Hoje é o terceiro jornal em tiragem, conta com um público cativo e continua inventivo e ágil como quando surgiu.
Eu poderia dar exemplos de publicações mais – ou menos – bem sucedidas, conforme o caso, no Uruguai e no Chile, quando recuperaram a democracia. Diferentes pontos de vista, abordagens diversificadas do que acontece. E não me refiro apenas ao jornalismo impresso: também surgiram emissoras de rádio e televisão atuando da mesma e diversificada maneira.
E aqui no Brasil? Aqui, nada.
Os grandes conglomerados hegemônicos de comunicação continuam a oferecer ao respeitável público diferentes ecos de uma mesma voz, que é a voz do sistema que continua dominando os dominados.
Depois de dez anos e meio, voltei ao meu país no fim de julho de 1983 e, em setembro, fui trabalhar na Rede Globo. Fiquei lá até março de 1986, ou seja, dois anos e meio. Tempo mais do que suficiente para entender como o jornalismo pouco a pouco ia se tornando, ao menos aquele ofício no qual eu tinha ido me formando desde meus 17 anos, em 1965, uma espécie em risco de extinção.
O poder dos grandes meios brasileiros já era impactante.
Mais ainda, porém, era sua hegemonia, a ausência absoluta de diversidade, de espaços alternativos que rompessem a barreira dos ecos de uma mesma e impune voz. Basta recordar o que as emissoras de televisão, com a Globo à cabeça, e os grandes jornalões da época fizeram contra o então governador do Rio Leonel Brizola: uma campanha insidiosa, mentirosa, carregada de um ódio sem fim.
Ou a manipulação brutal, tanto no noticiário como nos debates, da campanha presidencial de 1989, a primeira desde 1961. Conseguiram o que queriam: eleger Color de Mello.
Desde, portanto, a retomada da democracia, o que aconteceu no jornalismo brasileiro foi a implantação de um lento e persistente processo de extinção, que persiste até hoje.
Houve exceções, é verdade: veículos, uns mais, outros menos efêmeros, que tentaram abrir espaço para outras visões.
A única exceção que sobrevive é a revista semanal ‘Carta Capital’, capitaneada pelo veterano mestre Mino Carta.
A falta de uma diversidade real e significativa nos meios brasileiros de comunicação contribuiu de maneira decisiva para fortalecer o surgimento de figuras daninhas ao país, a começar pelo altar ao qual foi elevado um juiz provinciano que, além de assassinar o idioma e os princípios fundamentais do direito romano, conseguiu espaço suficiente para manipular a justiça, atuar de maneira olimpicamente contrária a qualquer vestígio de ética e continuar tendo sua verdadeira forma de agir completamente camuflada.
Contribuiu também para fortalecer a amnésia e o aparvalhamento de uma classe média que, mantida em estado de permanente ignorância, permitisse que fossem impostos programas e projetos daninhos ao interesse público e social dela mesma.
O Brasil há muito tempo deixou de ter meios de informação e passou – basta ver o que acontece hoje, além da imprensa tradicional, mas também e principalmente na área digital – a ter meios de deformação.
Tenho a mais inoxidável certeza de que se tivesse havido uma verdadeira democratização nos meios de comunicação do meu país, iniciada com o fim da ditadura, Jair Messias seria hoje o que jamais deixou de ser: um ser tosco, primata, que não mereceria nem menos ser desprezado.
Seria olimpicamente ignorado a não ser pela dúzia e meia de boçais iguais a ele.
Que, aliás, demonstra uma profunda ingratidão quando ataca de maneira tão descontrolada justamente os meios de imprensa que foram essenciais para que ele estivesse onde está.
Bem: é preciso reconhecer que antes ele disse outra verdade, quando assegurou que não pretendia construir um novo Brasil mas ‘desconstruir’ o que existia. E também é preciso reconhecer que ele vem ‘desconstruindo’ tudo com uma voracidade e um ódio sem precedentes.
E qual a segunda das duas únicas verdades que ele proferiu desde que assentou sua deplorável figura na poltrona presidencial?
Que no Brasil o jornalismo é uma espécie em extinção.
Devo admitir que pela primeira e única vez estou de acordo com Jair Messias.
Por razões radicalmente diferentes, é claro. Mas de acordo.
O jornalismo, ao menos o praticado pela minha geração e talvez pelas duas ou três que vieram imediatamente depois, começou a desaparecer há muito, muito tempo. Mais exatamente a partir de 1985, quando a ditadura acabou (ao menos formalmente...) e um civil retomou a presidência.
A razão é, ao menos para mim, evidente e palpável: aqui, o jornalismo não se democratizou, não surgiu nem vestígio de diversidade de informação.
Na Espanha, por exemplo, a lenta abertura iniciada após a morte do generalíssimo Francisco Franco (era assim que o monstruoso ditador exigia ser chamado) gerou várias publicações que propunham diferentes visões do que acontecia. Algumas não sobreviveram ao tempo.
Mas o melhor exemplo, sobreviveu: em abril de 1976, escassos cinco meses depois da morte de Franco, surgiu o ‘El País’, até hoje um dos mais importantes da Europa.
Na Argentina, quando acabou a ditadura mais sanguinária da sua história – a que durou de 1976 a 1983 – foi preciso esperar um pouco mais, até maio de 1987, para que chegasse às bancas o ‘Página 12’, criado por um grupo de veteranos jornalistas unido a um punhado de jovens do ofício.
Hoje é o terceiro jornal em tiragem, conta com um público cativo e continua inventivo e ágil como quando surgiu.
Eu poderia dar exemplos de publicações mais – ou menos – bem sucedidas, conforme o caso, no Uruguai e no Chile, quando recuperaram a democracia. Diferentes pontos de vista, abordagens diversificadas do que acontece. E não me refiro apenas ao jornalismo impresso: também surgiram emissoras de rádio e televisão atuando da mesma e diversificada maneira.
E aqui no Brasil? Aqui, nada.
Os grandes conglomerados hegemônicos de comunicação continuam a oferecer ao respeitável público diferentes ecos de uma mesma voz, que é a voz do sistema que continua dominando os dominados.
Depois de dez anos e meio, voltei ao meu país no fim de julho de 1983 e, em setembro, fui trabalhar na Rede Globo. Fiquei lá até março de 1986, ou seja, dois anos e meio. Tempo mais do que suficiente para entender como o jornalismo pouco a pouco ia se tornando, ao menos aquele ofício no qual eu tinha ido me formando desde meus 17 anos, em 1965, uma espécie em risco de extinção.
O poder dos grandes meios brasileiros já era impactante.
Mais ainda, porém, era sua hegemonia, a ausência absoluta de diversidade, de espaços alternativos que rompessem a barreira dos ecos de uma mesma e impune voz. Basta recordar o que as emissoras de televisão, com a Globo à cabeça, e os grandes jornalões da época fizeram contra o então governador do Rio Leonel Brizola: uma campanha insidiosa, mentirosa, carregada de um ódio sem fim.
Ou a manipulação brutal, tanto no noticiário como nos debates, da campanha presidencial de 1989, a primeira desde 1961. Conseguiram o que queriam: eleger Color de Mello.
Desde, portanto, a retomada da democracia, o que aconteceu no jornalismo brasileiro foi a implantação de um lento e persistente processo de extinção, que persiste até hoje.
Houve exceções, é verdade: veículos, uns mais, outros menos efêmeros, que tentaram abrir espaço para outras visões.
A única exceção que sobrevive é a revista semanal ‘Carta Capital’, capitaneada pelo veterano mestre Mino Carta.
A falta de uma diversidade real e significativa nos meios brasileiros de comunicação contribuiu de maneira decisiva para fortalecer o surgimento de figuras daninhas ao país, a começar pelo altar ao qual foi elevado um juiz provinciano que, além de assassinar o idioma e os princípios fundamentais do direito romano, conseguiu espaço suficiente para manipular a justiça, atuar de maneira olimpicamente contrária a qualquer vestígio de ética e continuar tendo sua verdadeira forma de agir completamente camuflada.
Contribuiu também para fortalecer a amnésia e o aparvalhamento de uma classe média que, mantida em estado de permanente ignorância, permitisse que fossem impostos programas e projetos daninhos ao interesse público e social dela mesma.
O Brasil há muito tempo deixou de ter meios de informação e passou – basta ver o que acontece hoje, além da imprensa tradicional, mas também e principalmente na área digital – a ter meios de deformação.
Tenho a mais inoxidável certeza de que se tivesse havido uma verdadeira democratização nos meios de comunicação do meu país, iniciada com o fim da ditadura, Jair Messias seria hoje o que jamais deixou de ser: um ser tosco, primata, que não mereceria nem menos ser desprezado.
Seria olimpicamente ignorado a não ser pela dúzia e meia de boçais iguais a ele.
Que, aliás, demonstra uma profunda ingratidão quando ataca de maneira tão descontrolada justamente os meios de imprensa que foram essenciais para que ele estivesse onde está.
♫ É sempre bom lembrar o Millor Fernandes, ainda que eu nem sempre concordasse com ele: "Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."
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