Por William Nozaki, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
A geopolítica do petróleo tem passado, nesse início de século XXI, por transformações estruturais, o papel do continente Americano na produção tornou-se tão significativo quanto o da região do Oriente Médio no século XX e o peso do continente Asiático no consumo tornou-se tão relevante quanto o da Europa no passado. Além disso, novas tecnologias viabilizaram a ampliação da produção de hidrocarbonetos, como no caso do shale gas dos EUA, e novas fronteiras foram desbravadas colocando o petróleo offshore na dianteira da exploração petrolífera, como no caso do pré-sal do Brasil.
Nesse contexto, o velho oceano Atlântico tornou-se palco privilegiado para a prospecção, exploração e produção do novo ouro negro, qual seja: o óleo produzido em águas profundas e ultraprofundas. Sendo assim, a Amazônia Azul e a Amazônia Caribenha tornaram-se espaços geopolíticos e geoeconômicos fundamentais para os interesses e estratégias de Estados-nacionais e grandes corporações ligadas à indústria petrolífera global. Exatamente por isso essa região tem sido impactada com os efeitos colaterais da guerra comercial entre China e EUA e da intensificação de desafios impostos ao poder naval militar e à marinha mercante comercial.
Os mares e rios que orbitam o perímetro amazônico tem sido objeto de disputas cada vez mais intensas por recursos naturais estratégicos. A costa da Guiana, entre a Venezuela e o Suriname, e a costa do Brasil, entre o Amapá e a Foz do Amazonas, tornaram-se regiões de interesse estratégico para os EUA. Se, na última década, a descoberta do pré-sal na chamada Amazônia Azul estimulou a reabilitação da IV Frota Naval dos EUA, na década atual, as novas fronteiras de exploração na Amazônia Caribenha explica uma parte das tensões entre os governos Trump e Maduro e lança luz sobre alguns dos motivos do alinhamento automático entre os governos Trump e Bolsonaro.
A estratégia geopolítica dos militares brasileiros
No caso do Brasil, a subordinação recente aos interesses norte-americanos se deu pela utilização dos instrumentos das chamadas “guerras de quarta geração”, ou “guerras híbridas”, tais como o uso de lawfare, fake news, luta contra a corrupção e a presença de milícias em processos eleitorais; mais recentemente, o Brasil permitiu a entrada de turistas norte-americanos sem visto, firmou acordos liberando o lançamento de foguetes e satélites na Base de Alcântara, estimulou a venda da Embraer para a Boeing, tornou-se aliado preferencial extra-OTAN, abriu mão do status de país em desenvolvimento para receber apoio dos norte-americanos na OCDE, tornando-se uma espécie de protetorado econômico-militar a serviço dos EUA.
Já no caso da Venezuela, em que pesem os inúmeros erros e problemas do governo Maduro, a tentativa de desestabilização do país por meio da criação de um presidente fantoche e de um movimento manipulado sofreram maiores reveses, daí a necessidade de mobilização dos mecanismos da guerra tradicional. Dessa vez, tendo o Brasil como um pequeno peão militar aliado, em uma escalada militar que se acelera. Tais movimentações geopolíticas podem ser percebidas a partir das movimentações dos militares no interior do governo Bolsonaro.
A Amazônia Caribenha, que atualmente conta com presença militar russa e que recentemente foi palco de uma ameaça de intervenção fracassada e constrangedora do Itamaraty, tornou-se estratégica demais para permanecer apenas sob a guarda dos ministros civis de Bolsonaro, por isso a nomeação do vice-presidente, General Mourão, para comandar o Conselho da Amazônia, formalmente esvaziado da participação civil dos governadores da região.
A esse fato soma-se a divulgação dos cenários para a política nacional de defesa brasileira até 2040, que, de maneira um tanto extravagante, aponta a França como uma ameaça estratégica para o Brasil. A se considerar os interesses petrolíferos e minerários dos EUA, é compreensível que a presença francesa na Guiana e a parceria francesa no projeto do submarino nuclear brasileiro se apresentem como desconfortos para a estratégia norte-americana para o Atlântico Sul, e, dada a política de alinhamento automático do Brasil torna-se inteligível a presença dessas preocupações nesse documento.
Do ponto de vista econômico, merece atenção a maneira como a política de defesa tem passado por incrementos que vão na contramão da política econômica ultraliberal em curso. Em 2019-2020, o Ministério da Defesa brasileiro teve seu maior orçamento histórico, R$ 115 bilhões em média. Mais ainda, a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), vinculada à Defesa e à Marinha, foi capitalizada em R$ 7,6 bilhões e passa por um projeto de revisão da sua atuação e escopo que a permite coordenar e executar projetos estratégicos não apenas da Marinha, mas também do Exército e da Aeronáutica.
A situação torna-se mais preocupante se levarmos em conta a decisão do governo brasileiro de remover quatro diplomatas e onze funcionários de sua embaixada em Caracas e dos seus consulados em Ciudad Guayana e Santa Helena do Uairén, cidade próxima à fronteira com Roraima. Além disso, funcionários da embaixada venezuelana em Brasília foram notificados de que devem deixar Brasília em até 60 dias, caso contrário serão expulsos do país. Trata-se de uma ruptura diplomática sem precedentes, que, à luz dos acontecimentos descritos sinalizam uma verdadeira escalada militar.
Nesse cenário merece destaque a recente viagem de Bolsonaro aos EUA, seu encontro com Trump, suas reuniões com empresários do setor de energia e infraestrutura e sua visita às instalações militares do Comando Sul.
Ao que tudo indica, as tratativas por trás dessa missão buscam dar consequência à acordos de cooperação militar iniciados ainda no biênio 2017-2018, como o Master Information Exchange Agreement (de troca de informações tecnológicas militares), o Acquisition and Cross-Servicing Agreement (de apoio logístico e de serviços militares), o Space Situational Awareness (de uso do espaço exterior e aéreo para “fins pacíficos”).
Considerando a nova dinâmica geoestratégica global, é importante observar a relação entre estes acordos militares de troca de informações e aqueles que foram estabelecidos, em 2019, entre o Ministério da Justiça brasileiro e o Departamento de Segurança Interna dos EUA, entre a Polícia Federal e o FBI. Do mesmo modo, há que se atentar para os encontros empresariais à luz da instalação, também em 2019, do Fórum de Energia Brasil-EUA (USBEF).
Um dos principais desdobramentos da última viagem de Bolsonaro aos EUA, segundo os Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, foi o acerto e a divulgação do acordo Research, Development, Test e Evaluation (RDT&E), que estabelece parcerias entre as Bases Industriais de Defesa dos dois países envolvendo valores que podem chegar a US$ 96 bilhões, segundo o Itamaraty. Por trás das promessas de parceria industrial estratégica, transferência tecnológica e propriedade intelectual compartilhada o que deve ocorrer é a projeção dos interesses americanos sobre o Brasil em troca de alguns investimentos no país, o que vem bem a calhar para a soberania dos EUA, em um período de iminência de crise econômica internacional, e para a subalternidade do Brasil, em um momento de falta de crescimento econômico, pois, a potencialização da base industrial de defesa do país pode criar algum estimula para a indústria local, ainda que seu efeito multiplicador não seja capaz de solucionar os profundos problemas econômicos do país.
A tática corporativista dos militares brasileiros
Do ponto de vista político, a condução do processo descrito acima deve se tornar mais dinâmica com a presença de um general da ativa, até então chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, no comando do Ministério da Casa Civil. A ascensão do General Souza Braga Netto, além de responder a questões internas de um governo envolto em problemas causados por olavistas nas redes e milicianos nas ruas, serve muito bem a interesses estratégicos e internacionais de outra monta.
Essa nomeação foi seguida da elevação do status da Secretaria de Assuntos Estratégicos que recebeu como titular o Almirante Flávio Rocha, a SAE recebeu como funções prioritárias a definição de estratégias para a formulação de políticas públicas de longo-prazo, além de ter recebido as atribuições de assessorar o presidente na preparação de materiais de informação e de apoio para encontros e audiências com autoridades estrangeiras, sendo também responsável pela preparação e execução das viagens internacionais da presidência. Com isso os militares passam a ter postos privilegiados para incidir tanto sobre a relação com o Congresso quanto para monitorar as ações do Ministério das Relações Exteriores.
A Secretaria de Governo, a Secretaria-Geral da Presidência e o Gabinete de Segurança Institucional também são comandados por ministros fardados. Os militares tem titulares também nos Ministérios de Minas e Energia, Ciência e Tecnologia, Defesa, Infraestrutura e na Controladoria Geral da União.
Tal investida segue uma lógica: ocupar os espaços dos ministros excessivamente ideológicos (olavistas) e daqueles que tem encontrado dificuldades políticas e técnicas. Não causará surpresa se, dentro em breve, os generais avançarem sob o Ministério da Educação e o da Economia. Nesse sentido, Augusto Heleno tornou-se muito mais um exotismo, um ponto fora da curva, do que um general que expressa a opinião geral dos militares de alta patente, sendo assim vale muito mais escutar as falas de Santos Cruz e os silêncios de Villas Boas e Etchegoyen.
Os tentáculos das armas se estendem de uma maneira mais ampla por toda a estrutura do governo, segundo um levantamento do Drive Poder 360, o número de integrantes das Forças Armadas cedidos a órgãos da administração federal direta aumentou 43% de 2018 a 2019. Atualmente, são cerca de 2897 militares cedidos e com cargos de confiança, sendo 1595 do Exército, 680 da Marinha e 622 da Aeronáutica. Se o cálculo se estender às empresas estatais esse número aumenta significativamente.
Não só tal presença é, certamente, uma das maiores da história, de fazer inveja até mesmo aos períodos militares, com também ela tem rendido outros ganhos corporativos às Forças Armadas.
Como se sabe, entre os servidores públicos, os militares são os que custam mais caro para a previdência. Apesar disso, a reforma da previdência militar sancionada em 2019 deu mais vantagens a essa categoria quando comparada à reforma dos trabalhadores da iniciativa privada, os militares poderão receber salário integral ao se aposentar, não terão idade mínima obrigatória e pagarão contribuição de 10,5% (enquanto os demais pagarão entre 7,5% e 11,6%), em linhas gerais, a despeito de algumas diferenças na transição, tais regras também valem para policiais militares e bombeiros dos estados.
Além disso, os militares foram a única carreira do serviço público a ter aumento salarial garantido para 2020, enquanto o congelamento foi a regra geral para todas as demais categorias. O reajuste do soldo de praças chega a 13%, com a inclusão de outros beneficio relacionados à reforma na carreira militar, como: aumento do adicional de disponibilidade, pago aos militares da reserva que podem ser reconvocados; aumento do adicional de habilitação, gratificação paga para cada curso ou treinamento concluído pelo militar; além de uma ajuda de custo para aqueles que deixam a ativa.
Por todos esses motivos, é importante ressaltar, as forças armadas brasileiras tem se movido não por qualquer espírito nacionalista ou estatista, mas muito mais por interesses geopolíticos que a fizeram estabelecer um compromisso estratégico com o alinhamento automático aos EUA, com a entrega dos recursos naturais estratégicos do país e com um pragmatismo associado ao neoliberalismo, e também por interesses corporativistas que a possibilitaram conquistar uma reforma da previdência específica, uma reforma da carreira militar, além de inúmeros cargos de confiança no interior do governo. Tudo isso em um ambiente em que as fronteiras brasileiras ganham uma importância geopolítica sem precedentes. Não é apenas Bolsonaro que se cerca de militares, os militares também cercam o governo Bolsonaro.
* William Nozaki é professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP).
A geopolítica do petróleo tem passado, nesse início de século XXI, por transformações estruturais, o papel do continente Americano na produção tornou-se tão significativo quanto o da região do Oriente Médio no século XX e o peso do continente Asiático no consumo tornou-se tão relevante quanto o da Europa no passado. Além disso, novas tecnologias viabilizaram a ampliação da produção de hidrocarbonetos, como no caso do shale gas dos EUA, e novas fronteiras foram desbravadas colocando o petróleo offshore na dianteira da exploração petrolífera, como no caso do pré-sal do Brasil.
Nesse contexto, o velho oceano Atlântico tornou-se palco privilegiado para a prospecção, exploração e produção do novo ouro negro, qual seja: o óleo produzido em águas profundas e ultraprofundas. Sendo assim, a Amazônia Azul e a Amazônia Caribenha tornaram-se espaços geopolíticos e geoeconômicos fundamentais para os interesses e estratégias de Estados-nacionais e grandes corporações ligadas à indústria petrolífera global. Exatamente por isso essa região tem sido impactada com os efeitos colaterais da guerra comercial entre China e EUA e da intensificação de desafios impostos ao poder naval militar e à marinha mercante comercial.
Os mares e rios que orbitam o perímetro amazônico tem sido objeto de disputas cada vez mais intensas por recursos naturais estratégicos. A costa da Guiana, entre a Venezuela e o Suriname, e a costa do Brasil, entre o Amapá e a Foz do Amazonas, tornaram-se regiões de interesse estratégico para os EUA. Se, na última década, a descoberta do pré-sal na chamada Amazônia Azul estimulou a reabilitação da IV Frota Naval dos EUA, na década atual, as novas fronteiras de exploração na Amazônia Caribenha explica uma parte das tensões entre os governos Trump e Maduro e lança luz sobre alguns dos motivos do alinhamento automático entre os governos Trump e Bolsonaro.
A estratégia geopolítica dos militares brasileiros
No caso do Brasil, a subordinação recente aos interesses norte-americanos se deu pela utilização dos instrumentos das chamadas “guerras de quarta geração”, ou “guerras híbridas”, tais como o uso de lawfare, fake news, luta contra a corrupção e a presença de milícias em processos eleitorais; mais recentemente, o Brasil permitiu a entrada de turistas norte-americanos sem visto, firmou acordos liberando o lançamento de foguetes e satélites na Base de Alcântara, estimulou a venda da Embraer para a Boeing, tornou-se aliado preferencial extra-OTAN, abriu mão do status de país em desenvolvimento para receber apoio dos norte-americanos na OCDE, tornando-se uma espécie de protetorado econômico-militar a serviço dos EUA.
Já no caso da Venezuela, em que pesem os inúmeros erros e problemas do governo Maduro, a tentativa de desestabilização do país por meio da criação de um presidente fantoche e de um movimento manipulado sofreram maiores reveses, daí a necessidade de mobilização dos mecanismos da guerra tradicional. Dessa vez, tendo o Brasil como um pequeno peão militar aliado, em uma escalada militar que se acelera. Tais movimentações geopolíticas podem ser percebidas a partir das movimentações dos militares no interior do governo Bolsonaro.
A Amazônia Caribenha, que atualmente conta com presença militar russa e que recentemente foi palco de uma ameaça de intervenção fracassada e constrangedora do Itamaraty, tornou-se estratégica demais para permanecer apenas sob a guarda dos ministros civis de Bolsonaro, por isso a nomeação do vice-presidente, General Mourão, para comandar o Conselho da Amazônia, formalmente esvaziado da participação civil dos governadores da região.
A esse fato soma-se a divulgação dos cenários para a política nacional de defesa brasileira até 2040, que, de maneira um tanto extravagante, aponta a França como uma ameaça estratégica para o Brasil. A se considerar os interesses petrolíferos e minerários dos EUA, é compreensível que a presença francesa na Guiana e a parceria francesa no projeto do submarino nuclear brasileiro se apresentem como desconfortos para a estratégia norte-americana para o Atlântico Sul, e, dada a política de alinhamento automático do Brasil torna-se inteligível a presença dessas preocupações nesse documento.
Do ponto de vista econômico, merece atenção a maneira como a política de defesa tem passado por incrementos que vão na contramão da política econômica ultraliberal em curso. Em 2019-2020, o Ministério da Defesa brasileiro teve seu maior orçamento histórico, R$ 115 bilhões em média. Mais ainda, a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), vinculada à Defesa e à Marinha, foi capitalizada em R$ 7,6 bilhões e passa por um projeto de revisão da sua atuação e escopo que a permite coordenar e executar projetos estratégicos não apenas da Marinha, mas também do Exército e da Aeronáutica.
A situação torna-se mais preocupante se levarmos em conta a decisão do governo brasileiro de remover quatro diplomatas e onze funcionários de sua embaixada em Caracas e dos seus consulados em Ciudad Guayana e Santa Helena do Uairén, cidade próxima à fronteira com Roraima. Além disso, funcionários da embaixada venezuelana em Brasília foram notificados de que devem deixar Brasília em até 60 dias, caso contrário serão expulsos do país. Trata-se de uma ruptura diplomática sem precedentes, que, à luz dos acontecimentos descritos sinalizam uma verdadeira escalada militar.
Nesse cenário merece destaque a recente viagem de Bolsonaro aos EUA, seu encontro com Trump, suas reuniões com empresários do setor de energia e infraestrutura e sua visita às instalações militares do Comando Sul.
Ao que tudo indica, as tratativas por trás dessa missão buscam dar consequência à acordos de cooperação militar iniciados ainda no biênio 2017-2018, como o Master Information Exchange Agreement (de troca de informações tecnológicas militares), o Acquisition and Cross-Servicing Agreement (de apoio logístico e de serviços militares), o Space Situational Awareness (de uso do espaço exterior e aéreo para “fins pacíficos”).
Considerando a nova dinâmica geoestratégica global, é importante observar a relação entre estes acordos militares de troca de informações e aqueles que foram estabelecidos, em 2019, entre o Ministério da Justiça brasileiro e o Departamento de Segurança Interna dos EUA, entre a Polícia Federal e o FBI. Do mesmo modo, há que se atentar para os encontros empresariais à luz da instalação, também em 2019, do Fórum de Energia Brasil-EUA (USBEF).
Um dos principais desdobramentos da última viagem de Bolsonaro aos EUA, segundo os Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, foi o acerto e a divulgação do acordo Research, Development, Test e Evaluation (RDT&E), que estabelece parcerias entre as Bases Industriais de Defesa dos dois países envolvendo valores que podem chegar a US$ 96 bilhões, segundo o Itamaraty. Por trás das promessas de parceria industrial estratégica, transferência tecnológica e propriedade intelectual compartilhada o que deve ocorrer é a projeção dos interesses americanos sobre o Brasil em troca de alguns investimentos no país, o que vem bem a calhar para a soberania dos EUA, em um período de iminência de crise econômica internacional, e para a subalternidade do Brasil, em um momento de falta de crescimento econômico, pois, a potencialização da base industrial de defesa do país pode criar algum estimula para a indústria local, ainda que seu efeito multiplicador não seja capaz de solucionar os profundos problemas econômicos do país.
A tática corporativista dos militares brasileiros
Do ponto de vista político, a condução do processo descrito acima deve se tornar mais dinâmica com a presença de um general da ativa, até então chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, no comando do Ministério da Casa Civil. A ascensão do General Souza Braga Netto, além de responder a questões internas de um governo envolto em problemas causados por olavistas nas redes e milicianos nas ruas, serve muito bem a interesses estratégicos e internacionais de outra monta.
Essa nomeação foi seguida da elevação do status da Secretaria de Assuntos Estratégicos que recebeu como titular o Almirante Flávio Rocha, a SAE recebeu como funções prioritárias a definição de estratégias para a formulação de políticas públicas de longo-prazo, além de ter recebido as atribuições de assessorar o presidente na preparação de materiais de informação e de apoio para encontros e audiências com autoridades estrangeiras, sendo também responsável pela preparação e execução das viagens internacionais da presidência. Com isso os militares passam a ter postos privilegiados para incidir tanto sobre a relação com o Congresso quanto para monitorar as ações do Ministério das Relações Exteriores.
A Secretaria de Governo, a Secretaria-Geral da Presidência e o Gabinete de Segurança Institucional também são comandados por ministros fardados. Os militares tem titulares também nos Ministérios de Minas e Energia, Ciência e Tecnologia, Defesa, Infraestrutura e na Controladoria Geral da União.
Tal investida segue uma lógica: ocupar os espaços dos ministros excessivamente ideológicos (olavistas) e daqueles que tem encontrado dificuldades políticas e técnicas. Não causará surpresa se, dentro em breve, os generais avançarem sob o Ministério da Educação e o da Economia. Nesse sentido, Augusto Heleno tornou-se muito mais um exotismo, um ponto fora da curva, do que um general que expressa a opinião geral dos militares de alta patente, sendo assim vale muito mais escutar as falas de Santos Cruz e os silêncios de Villas Boas e Etchegoyen.
Os tentáculos das armas se estendem de uma maneira mais ampla por toda a estrutura do governo, segundo um levantamento do Drive Poder 360, o número de integrantes das Forças Armadas cedidos a órgãos da administração federal direta aumentou 43% de 2018 a 2019. Atualmente, são cerca de 2897 militares cedidos e com cargos de confiança, sendo 1595 do Exército, 680 da Marinha e 622 da Aeronáutica. Se o cálculo se estender às empresas estatais esse número aumenta significativamente.
Não só tal presença é, certamente, uma das maiores da história, de fazer inveja até mesmo aos períodos militares, com também ela tem rendido outros ganhos corporativos às Forças Armadas.
Como se sabe, entre os servidores públicos, os militares são os que custam mais caro para a previdência. Apesar disso, a reforma da previdência militar sancionada em 2019 deu mais vantagens a essa categoria quando comparada à reforma dos trabalhadores da iniciativa privada, os militares poderão receber salário integral ao se aposentar, não terão idade mínima obrigatória e pagarão contribuição de 10,5% (enquanto os demais pagarão entre 7,5% e 11,6%), em linhas gerais, a despeito de algumas diferenças na transição, tais regras também valem para policiais militares e bombeiros dos estados.
Além disso, os militares foram a única carreira do serviço público a ter aumento salarial garantido para 2020, enquanto o congelamento foi a regra geral para todas as demais categorias. O reajuste do soldo de praças chega a 13%, com a inclusão de outros beneficio relacionados à reforma na carreira militar, como: aumento do adicional de disponibilidade, pago aos militares da reserva que podem ser reconvocados; aumento do adicional de habilitação, gratificação paga para cada curso ou treinamento concluído pelo militar; além de uma ajuda de custo para aqueles que deixam a ativa.
Por todos esses motivos, é importante ressaltar, as forças armadas brasileiras tem se movido não por qualquer espírito nacionalista ou estatista, mas muito mais por interesses geopolíticos que a fizeram estabelecer um compromisso estratégico com o alinhamento automático aos EUA, com a entrega dos recursos naturais estratégicos do país e com um pragmatismo associado ao neoliberalismo, e também por interesses corporativistas que a possibilitaram conquistar uma reforma da previdência específica, uma reforma da carreira militar, além de inúmeros cargos de confiança no interior do governo. Tudo isso em um ambiente em que as fronteiras brasileiras ganham uma importância geopolítica sem precedentes. Não é apenas Bolsonaro que se cerca de militares, os militares também cercam o governo Bolsonaro.
* William Nozaki é professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP).
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