quarta-feira, 15 de abril de 2020

A filantropia no lugar do Estado

Por Gilberto Maringoni

O Jornal Nacional desta terça (14) parece ter definido sua linha de atuação no grande embate político-ideológico desses tempos de pandemia.

Aliás, não apenas o JN. Toda a Alta Finança e suas ramificações pela sociedade.

Usaram um bloco inteiro do telejornal mais assistido do país para propagar o pote de ouro no fim da praga devastadora que nos envolve. A saída não é mais Estado, mas mais bondade...

Por trás do combate ao coronavírus, por trás do rebotalho humano fardado e civil que pilota o governo federal, por trás da hecatombe depressiva-sanitária que toma conta do globo, está em curso um questionamento sério ao grande pilar do neoliberalismo. Trata-se da lorota repetida há quatro décadas de o mercado tudo resolve na sociedade.

A sabedoria dos agentes econômicos em permanente competição entre si trariam constantes ganhos de produtividade, eficiência, investimentos e bem-estar, impondo à economia um eterno ciclo virtuoso.

Tudo iria bem desde que o Estado não interferisse.

Como se sabe, tal paradigma – aaaargghhh, detesto a palavra! – virou pó diante da absoluta incapacidade de países que não têm sistemas de saúde pública integrados combaterem a doença.

É preciso não apenas diagnosticar, tratar e curar pacientes, mas é vital conhecer o movimento geográfico de disseminação do covid-19. Só quem pode operar dessa maneira e atender milhões de pessoas são sistema públicos ou estatais.

Prazer, meu nome é SUS.

Essa evidência desfere um petardo mortal nos apóstolos do mercado autorregulável. Não é de se estranhar que um lobista de planos de saúde, o Dr. Mandetta, vista agora o jaleco do SUS e o defenda. Ele não tem saída. Isso é ótimo.

Assim também é ótimo que economistas-dinheiristas - figuras de mando em governos tucanos, petistas, golpistas e/ou extremistas (de direita) - façam sua conversão agora. Somos todos keynesianos-desenvolvimentistas.

Só falta dizerem que o mercadismo aloprado defendido por décadas a fio foi mero arroubo de juventude.

Agora todos podem se acalmar. O Jornal Nacional e os presidentes do Itaú, do Bradesco e do Santander "deixaram a concorrência e as diferenças de lado" em prol do Bem comum, como externou um solene William Bonner. Farão uma doação conjunta de um bilhão - ATENÇÃO, HUM BILHÃO! - para pesquisas e tratamentos de coronavírus. Mil milhões. One billion!

A filantropia chega a uma escala intergalática.

Outros oportunistas pedem a palavra, como o CEO da IFood!, que tirará da carteira R$ 50 milhões nesse esforço conjunto.

Isso, depois de derrotar - através de juíza de esquisita conduta - o pleito do Ministério Público e dos entregadores - para que a corporação fornecesse alcool gel, máscaras e assitência médica aos que trabalham precarizados sem vínculo algum com a empresa.

E mais: chamaram cientistas e médicos de primeira linha para coordenar - de forma "independente" - os projetos e recursos.

E isso tudo vai para o SUS, como seria lógico?

Claro que não, néscios!

A dinheirama irá para as fundações das casas bancárias - que com isso obterão vastas isenções fiscais - e tudo se dará no âmbito da iniciativa privada.

Uma lágrima escorre de meu olho direito, diante de tamanha benemerência.

Não se trata de opor os indecentes lucros dos bancos à pouca ajuda à solução da crise. Isso deve ser falado.

Mas o jogo é muito mais sofisticado, envolvendo o monopólio da comunicação e os monopólios do dinheiro para jogar areia nos olhos do distinto público e – mais uma vez – desqualificar o Estado como única possibilidade efetiva de combate à peste.

É sórdido. Mas é feito com tanta competência que nem parece ser sórdido.

E o Estado? Nada. Pode seguir sendo demonizado.

O jogo está jogado?

Não! A ação da oposição precisa tentar desmontar essa trama que – ao fim e ao cabo – é frágil como argumento definidor de qualquer coisa. Afinal, chegamos até aqui sob a total dominância do mercado que a todos provê.

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