Por Guilherme Boulos, na revista CartaCapital:
A pandemia do coronavírus já é um marco irreversível da nossa história e o mundo, mesmo após seu controle sanitário, seguramente não será igual.
O desfecho de uma crise dessas proporções é sempre imprevisível.
Como bem apontou a pensadora norte-americana Naomi Klein, choques como o que vivemos hoje fazem com que ideias antes tidas como impossíveis repentinamente tornem-se possíveis.
Para o bem ou para o mal.
As saídas podem caminhar para a construção de um modelo mais solidário ou para o aprofundamento da desigualdade e do autoritarismo no mundo. A sorte está lançada…
Os surtos de febre amarela e outras doenças infectocontagiosas no século 19 e início do 20 mostram a vocação histórica que nosso país infelizmente apresenta em momentos de tragédia.
Naquele tempo, o controle sanitário e a vacinação obrigatória acabaram servindo como álibis para medidas autoritárias e para políticas de segregação urbana.
Em nome de uma grande “regeneração” das cidades atingidas – era esse o nome que circulava na imprensa da época – cortiços foram demolidos e milhares de famílias expulsas de áreas centrais para novas periferias.
A história da Revolta da Vacina revela que a higienização da sociedade foi feita, não com álcool em gel, mas com muito sangue nas ruas e um número de mortos jamais contado.
Hoje, as falas do presidente e de seu séquito de lumpen-empresários exigindo que o Brasil não deveria parar por causa de “alguns milhares de mortos” ressoam as entranhas da mesma elite que, naquela época, usou a crise para impor seus interesses.
Por ora, a diferença reside no fato de que completamos três décadas de uma democracia – capenga, é verdade, mas inédita no Brasil.
A aposta de Bolsonaro no caos e em uma via autoritária vem sendo rechaçada por ampla parcela da sociedade. Seu desejo e inspiração era a Hungria, onde a crise garantiu a Viktor Orban o poder de governar por decretos e prender arbitrariamente qualquer cidadão por tempo indefinido. Aqui sabe-se que Bolsonaro não tem como obter um tal salvo-conduto por vias parlamentares e constitucionais.
Por isso, conta com algum tipo de convulsão social, com saques e violência generalizada, que seja pretexto para endurecimento político.
De fato, se o governo seguir inerte em relação a medidas de proteção aos trabalhadores, desempregados e pequenos empresários e comerciantes, o retrato do caos não é mera distopia.
A economia vai despencar, o desemprego vai explodir e a fome vai impulsionar o desespero.
Bolsonaro tentará emplacar um cínico “eu avisei”, responsabilizando a esquerda e os governadores de estado.
Na verdade, sabemos que o problema não são as medidas de isolamento – ao contrário, imprescindíveis para contenção da pandemia – mas a timidez das medidas de proteção social que deveriam acompanhá-la.
A responsabilidade é de Bolsonaro, mas não necessariamente parte da população entenderá assim.
Ele joga com o caos e a mentira para impor sua escalada autoritária. Foi assim que chegou ao poder e assim pretende conservá-lo.
É preciso, portanto, impedir um caminho autoritário para nosso país.
Mas precisamos ir além e disputar qual saída queremos para a crise.
O coronavírus já está escancarando a desigualdade brutal da nossa sociedade, em termos de condições de proteção e de acesso aos cuidados necessários.
Estamos falando aqui de moradia, saneamento básico, renda e do atendimento à saúde.
O primeiro efeito da pandemia foi resgatar de norte a sul do planeta a importância do Estado e das políticas públicas.
A pressão e a urgência pela renda básica mostraram a dimensão dos trabalhadores informais, que movimentam parte considerável da nossa economia.
A defesa do SUS feita por um ministro historicamente ligado a planos de saúde trouxe mais uma vez à tona a importância de um sistema público e universal de saúde.
O mesmo Congresso que aprovou o teto de gastos agora discute como aumentar o investimento público, demonizado por todos até 3 semanas atrás.
Aliás, ter políticos como Mandetta, Rodrigo Maia e Doria como porta-vozes da razoabilidade mostra o tamanho do atoleiro em que Bolsonaro afundou o país.
Algo já mudou.
No mundo inteiro, governos anunciam planos emergenciais de investimento e transferência de renda.
Os liberais repentinamente viraram keynesianos e a necessidade de sistemas de saúde públicos, a exemplo do nosso SUS, virou quase um consenso internacional. Comumente relegada a coquetéis de caridade empresarial, a palavra “solidariedade” agora aparece diariamente no cotidiano de todos.
Há um sentimento de que a lógica individualista do “cada um por si”, com sua falta de empatia, é incapaz de dar as respostas que o momento exige. Iniciativas de distribuição solidária e de cooperação para atender o povo mais vulnerável proliferaram-se nas últimas semanas.
O Fundo Solidário aos sem-teto, organizado pelo MTST, arrecadou 500 mil reais em menos de um mês e já distribuiu cestas básicas e materiais de higiene para mais de 15 mil pessoas em favelas, ocupações e entre moradores de rua.
A luta contra os direitos humanos volta, por ora, a ficar restrita em guetos fascistas da extrema-direita.
Se, de um lado, a distopia do caos e do autoritarismo bolsonarista é uma ameaça que ronda o país, a utopia de uma sociedade baseada na solidariedade, com outro modelo de Estado, renasce com uma força que não tinha há muito tempo.
O combate à pandemia pode significar o resgate da democracia e dos direitos sociais.
Neste duro momento, o futuro pós-coronavírus dependerá da força da sociedade em defesa da vida das pessoas acima do lucro dos bancos e das grandes corporações.
O desfecho de uma crise dessas proporções é sempre imprevisível.
Como bem apontou a pensadora norte-americana Naomi Klein, choques como o que vivemos hoje fazem com que ideias antes tidas como impossíveis repentinamente tornem-se possíveis.
Para o bem ou para o mal.
As saídas podem caminhar para a construção de um modelo mais solidário ou para o aprofundamento da desigualdade e do autoritarismo no mundo. A sorte está lançada…
Os surtos de febre amarela e outras doenças infectocontagiosas no século 19 e início do 20 mostram a vocação histórica que nosso país infelizmente apresenta em momentos de tragédia.
Naquele tempo, o controle sanitário e a vacinação obrigatória acabaram servindo como álibis para medidas autoritárias e para políticas de segregação urbana.
Em nome de uma grande “regeneração” das cidades atingidas – era esse o nome que circulava na imprensa da época – cortiços foram demolidos e milhares de famílias expulsas de áreas centrais para novas periferias.
A história da Revolta da Vacina revela que a higienização da sociedade foi feita, não com álcool em gel, mas com muito sangue nas ruas e um número de mortos jamais contado.
Hoje, as falas do presidente e de seu séquito de lumpen-empresários exigindo que o Brasil não deveria parar por causa de “alguns milhares de mortos” ressoam as entranhas da mesma elite que, naquela época, usou a crise para impor seus interesses.
Por ora, a diferença reside no fato de que completamos três décadas de uma democracia – capenga, é verdade, mas inédita no Brasil.
A aposta de Bolsonaro no caos e em uma via autoritária vem sendo rechaçada por ampla parcela da sociedade. Seu desejo e inspiração era a Hungria, onde a crise garantiu a Viktor Orban o poder de governar por decretos e prender arbitrariamente qualquer cidadão por tempo indefinido. Aqui sabe-se que Bolsonaro não tem como obter um tal salvo-conduto por vias parlamentares e constitucionais.
Por isso, conta com algum tipo de convulsão social, com saques e violência generalizada, que seja pretexto para endurecimento político.
De fato, se o governo seguir inerte em relação a medidas de proteção aos trabalhadores, desempregados e pequenos empresários e comerciantes, o retrato do caos não é mera distopia.
A economia vai despencar, o desemprego vai explodir e a fome vai impulsionar o desespero.
Bolsonaro tentará emplacar um cínico “eu avisei”, responsabilizando a esquerda e os governadores de estado.
Na verdade, sabemos que o problema não são as medidas de isolamento – ao contrário, imprescindíveis para contenção da pandemia – mas a timidez das medidas de proteção social que deveriam acompanhá-la.
A responsabilidade é de Bolsonaro, mas não necessariamente parte da população entenderá assim.
Ele joga com o caos e a mentira para impor sua escalada autoritária. Foi assim que chegou ao poder e assim pretende conservá-lo.
É preciso, portanto, impedir um caminho autoritário para nosso país.
Mas precisamos ir além e disputar qual saída queremos para a crise.
O coronavírus já está escancarando a desigualdade brutal da nossa sociedade, em termos de condições de proteção e de acesso aos cuidados necessários.
Estamos falando aqui de moradia, saneamento básico, renda e do atendimento à saúde.
O primeiro efeito da pandemia foi resgatar de norte a sul do planeta a importância do Estado e das políticas públicas.
A pressão e a urgência pela renda básica mostraram a dimensão dos trabalhadores informais, que movimentam parte considerável da nossa economia.
A defesa do SUS feita por um ministro historicamente ligado a planos de saúde trouxe mais uma vez à tona a importância de um sistema público e universal de saúde.
O mesmo Congresso que aprovou o teto de gastos agora discute como aumentar o investimento público, demonizado por todos até 3 semanas atrás.
Aliás, ter políticos como Mandetta, Rodrigo Maia e Doria como porta-vozes da razoabilidade mostra o tamanho do atoleiro em que Bolsonaro afundou o país.
Algo já mudou.
No mundo inteiro, governos anunciam planos emergenciais de investimento e transferência de renda.
Os liberais repentinamente viraram keynesianos e a necessidade de sistemas de saúde públicos, a exemplo do nosso SUS, virou quase um consenso internacional. Comumente relegada a coquetéis de caridade empresarial, a palavra “solidariedade” agora aparece diariamente no cotidiano de todos.
Há um sentimento de que a lógica individualista do “cada um por si”, com sua falta de empatia, é incapaz de dar as respostas que o momento exige. Iniciativas de distribuição solidária e de cooperação para atender o povo mais vulnerável proliferaram-se nas últimas semanas.
O Fundo Solidário aos sem-teto, organizado pelo MTST, arrecadou 500 mil reais em menos de um mês e já distribuiu cestas básicas e materiais de higiene para mais de 15 mil pessoas em favelas, ocupações e entre moradores de rua.
A luta contra os direitos humanos volta, por ora, a ficar restrita em guetos fascistas da extrema-direita.
Se, de um lado, a distopia do caos e do autoritarismo bolsonarista é uma ameaça que ronda o país, a utopia de uma sociedade baseada na solidariedade, com outro modelo de Estado, renasce com uma força que não tinha há muito tempo.
O combate à pandemia pode significar o resgate da democracia e dos direitos sociais.
Neste duro momento, o futuro pós-coronavírus dependerá da força da sociedade em defesa da vida das pessoas acima do lucro dos bancos e das grandes corporações.
Quem queremos salvar? E quem vai pagar a conta?
Dessas respostas dependerá nosso futuro.
É hora de desfazer os mitos de um mercado como entidade suprema e reguladora da vida e de um Estado pretensamente dispensável.
De rever profundamente os valores da sociedade que construímos.
E não apenas em tempo de pandemia.
Dessas respostas dependerá nosso futuro.
É hora de desfazer os mitos de um mercado como entidade suprema e reguladora da vida e de um Estado pretensamente dispensável.
De rever profundamente os valores da sociedade que construímos.
E não apenas em tempo de pandemia.
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