segunda-feira, 27 de abril de 2020

Globo, o partido dos ricos e seu candidato

Por Ângela Carrato, no blog Viomundo:

A pompa e a circunstância com que o Jornal Nacional, na edição da sexta-feira (24/04) noticiou a demissão do agora ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, não deixam dúvidas.

O maior partido brasileiro, a TV Globo, da família Marinho, já tem candidato para as eleições de 2022.

A TV Globo, claro, não é um partido político no sentido estrito do termo.

Mas como já deixava patente em seus escritos o filósofo italiano Antônio Gramsci (1891-1937), ela funciona como tal.

Gramsci, um teórico e também um militante político, viveu em uma época em que a mídia restringia-se aos jornais. O rádio estava começando e a televisão só entraria em cena para valer depois do fim da Segunda Guerra Mundial.

Preso pela ditadura de Mussolini e escrevendo nas piores condições, Gramsci deixou apontamentos essenciais para se entender a mídia daquela época e também a mídia corporativa dos dias atuais.

Entender, sobretudo, a interferência altamente problemática dela na conformação da opinião pública, atuando como partido político da burguesia.

Vale dizer: dos interesses dos mais ricos.

Quanto menor a tradição democrática de um país, mais força acaba assumindo a mídia e, por tabela, quem a controla.

É o caso do Brasil. Apesar de no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estarem registrados 33 partidos políticos, nem meia dúzia deles funciona efetivamente. A maioria não passa de balcão para registro de candidaturas e negociações em período eleitoral.

Assim, enquanto a maioria dos partidos existe apenas no papel, a mídia está presente na vida das pessoas 365 dias por ano.

O que, por si só, aponta para o seu enorme poder de persuasão.

É esse poder que a Globo colocou em prática, com grande competência, na última sexta-feira, ao noticiar a demissão de Moro.

Para se avaliar a importância que a emissora conferiu ao fato, até a pandemia do coronavírus, que vinha ocupando quase 90% do seu noticiário, foi relegada a segundo plano.

Irmãos bilionários

Os três irmãos Marinho, donos do Grupo Globo – João Roberto, José Roberto e Roberto Irineu – ocupam, respectivamente, as posições 15º, 16º e 17º entre os 20 brasileiros mais ricos.

Cada um possui fortuna avaliada em US$ 2,5 bilhões.

Somados têm US$ 7,5 bilhões e sobem para a sexta posição nesse ranking, divulgado em 2019, pela revista Exame. Isso significa em moeda nacional R$ 42,7 bilhões , considerando o dólar cotado em R$ 5,65 na última sexta-feira.

A fonte principal da fortuna dos Marinho é o Grupo Globo.

Em função da posição social que ocupam e dos interesses de seus negócios, seus amigos são também pessoas muito ricas.

Para o sociólogo Jessé Souza esses endinheirados constituem, salvo honrosas exceções, a “elite do atraso” brasileira, não por serem ricos, mas por adotarem práticas legais e ilegais em seus negócios, a exemplo de pagarem pouco tributo em relação ao tamanho de suas fortunas, sonegarem impostos e ainda serem credores da sociedade por meio da dívida pública.

Ainda segundo Jessé Souza, no passado, os integrantes da “elite do atraso” se diziam liberais, mas possuíam escravos ou se viam como democratas, mas apoiavam ditaduras.

Já nos dias atuais, não medem esforços em defesa da desregulamentação do mercado, do estado “mínimo” e do ideário ultraliberal, como o que Bolsonaro, através de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, está implementando no Brasil.

Quem pensava e agia de forma diferente, como é o caso dos governos trabalhistas de Getúlio Vargas e João Goulart, e mais recentemente, de Lula e Dilma, eram e são considerados inimigos a serem combatidos sem trégua.

É isso o que a TV Globo, o partido político dos Marinho, tem feito e intensificou a partir da última semana.

Desde a manhã da quinta-feira (23/04), quando começaram a circular os rumores de que Moro poderia deixar o governo, todos os veículos que integram o Grupo Globo – jornal o Globo, rádio CBN, TV Globo, GloboNews, portal G1, edições eletrônicas do Valor Econômico e de Época – passaram a dar destaque ao assunto.

Nos textos e na boca de seus repórteres, âncoras e entrevistados, a trajetória de Moro como “o implacável juiz da Operação Lava Jato”, “o homem que colocou os maiores corruptos brasileiros na cadeia” e o “super-ministro” que poderia, se confirmada a demissão, “ por em xeque o próprio governo Bolsonaro”, foi relembrada e alardeada.

Na manhã da sexta-feira, uma vez confirmada a demissão, Moro teve direito a pronunciamento ao vivo, onde teceu ácidas críticas ao presidente Bolsonaro, a quem acusou de tentativa de ingerência política na Polícia Federal, órgão ligado ao ministério da Justiça, com a demissão de seu diretor-geral, Maurício Valeixo, aliado e nomeado por Moro. Saiu atirando, como se diz.

Semiótica e marketing político

A repercussão dada pelo Grupo Globo foi digna dos mais importantes acontecimentos da vida nacional.

Já Bolsonaro, segundo suas próprias palavras, se viu na obrigação de “contar a verdade sobre o que aconteceu” e fez um atabalhoado pronunciamento à tarde, em cadeia nacional de rádio e televisão, acusando Moro de pedir uma vaga no STF antes de efetivar a exoneração de Valeixo.

Quando acabou de falar, a âncora do Jornal Nacional, Renata Vasconcellos, entrou ao vivo para anunciar que “a cobertura completa sobre a demissão do ministro Sérgio Moro poderá ser vista logo mais”, com a emissora enquadrando assim a fala do próprio presidente da República.

Para quem está minimamente familiarizado com conceitos de semiótica ou com técnicas de marketing político, a edição de sexta-feira do JN pode ser definida como o lançamento de uma “bomba” ou “aproveitamento de oportunidade”.

Em momento algum, se falou em candidatura, mas a forma elegante e altiva com que Moro foi apresentado e a maneira como Bolsonaro foi desconstruído, deixam claro quem deve ser considerado o mocinho.

A edição do JN estava ainda repleta de “cuidados”, que podem ter passado despercebidos pelo telespectador.

O primeiro deles foi antecipar-se e tentar neutralizar as críticas a Moro, pelo fato de ele ter participado de um governo considerado fascista e mundialmente execrado; por ter combinado uma espécie de pensão privada para sua família, coisa que não existe no serviço público; e pela suspeita de tentar negociar a demissão do diretor-geral da PF em troca de ser indicado ministro do STF.

Através de imagens selecionadas, Moro foi mostrado como uma pessoa que acreditou e foi iludido em sua boa fé.

Mas, uma vez percebendo o que se passava, não aceitou o jogo.

Não se deixou corromper.

A edição do JN fez questão de lembrar que Moro, para assumir o cargo de ministro, abriu mão de 22 anos de serviço público como magistrado e agora está desempregado, mesmo que, como disse, sempre “à disposição do país para ajudar o que quer que seja”.

Por pouco, o que estava sendo mostrado pelo JN sobre Moro não se confundia com os enredos das novelas exibidas antes e depois do telejornal e que tanto sucesso costumam fazer.

O segundo cuidado tomado pela edição do JN foi ouvir uma infinidade de políticos dos mais diversos partidos e de entidades da sociedade civil, para garantir “pluralidade”, mas sem incluir entre eles os representantes dos principais partidos de oposição.

Pessoas que teriam muito a dizer sobre a destruição da economia brasileira provocada pela Operação Lava Jato, sobre o entreguismo de representantes dessa operação, além da perseguição, condenação e prisão, sem provas, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o objetivo de retirá-lo da disputa eleitoral em 2018.

O terceiro cuidado foi mostrar o próprio ex-presidente Lula, o principal alvo de Moro, apenas através de uma imagem de arquivo.

Nela, Lula aparece com o rosto visivelmente abalado e a imagem é usada para ilustrar a sua prisão, um dos principais “feitos” de Moro.

O JN não levou ao ar, nesta edição e em nenhuma outra anterior, imagens da multidão que se manteve em vigília, dia e noite, na porta da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, durante os 580 dias em que Lula esteve preso.

Muito menos citou as toneladas de denúncias, a exemplo do intelectual e ativista social estadunidense Noam Chomsky, um dos nomes mais respeitados no mundo, sobre a parcialidade de Moro nos processos contra o ex-presidente.

“O Bolsonaro é filho do Moro”

Se Lula tivesse sido ouvido, o mínimo a se esperar de qualquer veículo de comunicação que se pretende “sério e imparcial”, ele diria, como fez na reunião com as bancadas do PT na Câmara e no Senado, na noite da mesma sexta-feira em que Moro pediu demissão, que “não pode haver inversão da história. O Bolsonaro é filho do Moro, e não o Moro cria do Bolsonaro”.

Mais tarde, Lula postou em sua rede social que “os dois são filhos das mentiras inventadas pela Globo”.

Claro que o público do JN não tomou conhecimento de nada disso.

A ausência de Lula no noticiário do Grupo Globo serve para explicitar ainda mais o caráter de partido político assumido por esse grupo.

Como partido que disputa o poder, ao Grupo Globo não convém que o público se lembre dos governos petistas de Lula e Dilma, dos tempos de pleno emprego, de crescimento, inclusão social, valorização da educação, cultura e ciência, além do respeito que o país tinha no mundo.

Governos bem diferentes dos de Temer e Bolsonaro, apoiados pelo Grupo Globo, que conduziram o Brasil ao caos em que se encontra.

Por mais que o ministro Guedes tente vender a ideia de que a economia brasileira estava retomando o crescimento quando surgiu a pandemia, isso não é validado pelos fatos.

Aproximadamente 13 milhões de pessoas estavam desempregadas, 40 milhões se encontravam em ocupações informais, o governo vendia a preço de banana o patrimônio público e a subserviência de Bolsonaro aos Estados Unidos, criava problemas com a China, principal parceiro econômico do país.

É importante lembrar que se Temer teve apoio integral do grupo Globo, só muito recentemente esse grupo passou a fazer críticas a Bolsonaro.
Mesmo assim, elas se limitam às pessoas dele e de seus filhos. Já o Pacote Anticrime proposto por Moro, criticadíssimo pela oposição e pelos mais diversos representantes da sociedade civil, sempre mereceu só elogios do partido dos ricos, o mesmo acontecendo com a agenda ultraliberal do ministro Guedes, dois queridinhos da família Marinho.

Não é por acaso, também, que nos veículos do Grupo Globo está vedada qualquer referência positiva aos governos petistas.

É assim, por exemplo, que o Cadastro Único, que inclui as informações sobre famílias brasileiras vulneráveis, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada são citados apenas como “programas sociais de governos anteriores”, quando se tornou impossível não mencioná-los, como agora, em meio à pandemia de covid-19.

Moro, o candidato dos EUA

Uma prova de que o partido dos ricos pretende continuar na cruzada a favor de Moro é que a edição do JN de sábado manteve o mesmo tom do dia anterior.

As denúncias de Moro apareceram na escalada, logo após as chamadas sobre o avanço do coronavírus.

As denúncias de Moro, no entanto, dominaram o primeiro bloco do telejornal e retornaram no terceiro bloco.

Como no dia anterior, a postura de Moro, ao denunciar a tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, foi usada como elemento para reforçar o pedido de impeachment contra o presidente.

Com esse objetivo, foram ouvidos parlamentares e governadores, inclusive Flávio Dino (PCdoB-MA) e seis representantes de entidades ligadas ao meio jurídico, além de um ministro aposentado do STF.

Todos unânimes ao concordarem que as acusações de Moro contra Bolsonaro são “muito graves” e que “merecem ser apuradas”.

Novamente não foi ouvido nenhum representante do PT ou dos juristas que consideram que Moro admitiu diversas ilegalidades em sua própria fala.

As acusações que pesam sobre Moro durante seu período no governo Bolsonaro – prevaricar no caso do “laranjal” do PSL, obstruir a investigação e mentir em relação às denúncias da Vaja Jato, do portal The Intercept-Br, e novamente prevaricar em relação às milícias bolsonaristas digitais – não foram sequer mencionadas.

Como igualmente não foi mencionado que Moro está para ser julgado pelo STF exatamente por suspeição nos julgamentos de Lula.

O Globo ignorou, também, a entrevista do renomado sociólogo português Boaventura de Souza Santos, que conversou com os repórteres dos Jornalistas Livres, em Lisboa, no mesmo momento em que Moro falava com a imprensa sobre a sua saída do ministério.

Boaventura assinalou que a demissão de Moro tem causas próximas e outras longínquas e foi incisivo: “Moro é o homem dos Estados Unidos, é o candidato dos Estados Unidos para 2022”.

Ele lembrou que a carreira de Moro foi muito bem sucedida, pois “destruiu a economia brasileira, destruiu a esquerda e abriu caminho para um político de transição”, acrescentando que o verdadeiro candidato apoiado pelo Tio Sam é Moro.

O sociólogo português observou ainda que Moro deve ter percebido que não precisa mais de Bolsonaro, até porque sua popularidade é maior do que a do presidente.

“O salvador da pátria”

As ligações dos Marinho com os Estados Unidos são notórias.

O patriarca Roberto estava na linha de frente dos golpistas que derrubaram Goulart, em 1964, e deve o surgimento da TV Globo ao dinheiro e aos recursos técnicos que recebeu ilegalmente do grupo estadunidense Time-Life. Essa história que está descrita em detalhes no best-seller “A história Secreta da Rede Globo”, do jornalista Daniel Herz.

Seus filhos e sucessores mantiveram as mesmas amizades e os mesmos pontos de vista.

Como partido dos ricos e dos endinheirados, o Grupo Globo sabe que o melhor, para os seus interesses, é tentar jogar no esquecimento quem considera inimigo.

E o principal deles é o ex-presidente Lula.

Por outro lado, como em política não existe espaço vazio, sabem que precisam criar seus próprios “heróis” e “paladinos da justiça”.

E é aí que entra Moro, com a benção da “elite do atraso” e do Tio Sam.

É aí que entra o investimento da família Marinho e dos endinheirados na figura de Moro como um anti-Lula, da mesma forma que o brigadeiro Eduardo Gomes ou mesmo Carlos Lacerda, nas décadas de 1940 e 1950, eram apresentados como antídotos a Getúlio Vargas.

Não é a primeira vez e possivelmente nem será a última, que a Globo tenta emplacar candidato próprio nas eleições presidenciais. Em 1989, depois de uma ditadura que durou 21 anos, o seu candidato era Fernando Collor de Melo.

Para favorecer Collor, além do noticiário, a TV Globo colocou em cena na sua teledramaturgia, duas novelas – O Salvador da Pátria e Que Rei Sou Eu – que impulsionaram a sua candidatura.

Como se isso não bastasse, o arremate se deu na edição manipulada do último debate entre ele e Lula. Foram para o ar os melhores momentos de Collor e os piores de Lula, quando não havia mais tempo para direito de resposta.

Collor foi eleito, mas, rapidamente, os desentendimentos entre criador e criatura tiveram lugar. O resto da história é conhecido.

Não admitiram perder

A relação da Globo com tucano Fernando Henrique Cardoso, que venceu as eleições em 1994, foi maravilhosa, pois ele, em seus dois mandatos, colocou em prática o programa econômico dos sonhos da família Marinho, dos endinheirados e do Tio Sam: privatizações do patrimônio público a preço de banana para grupos internacionais e seus prepostos nacionais, como aconteceu com a telefonia, com a Companhia Vale do Rio Doce e com várias dezenas de outras empresas estatais.

Se não fosse a vitória de Lula nas eleições de 2002, a Petrobras e o Banco do Brasil seriam os próximos na lista das privatizações.

Apesar de tudo o que enfrentou a partir das denúncias do Mensalão, Lula conseguiu se reeleger e concluiu seu segundo mandato com um dos mais altos índices de aprovação de um chefe de Estado em todo o planeta: 87%.

Mas estava apenas no começo a campanha para criminalizá-lo e ao PT, patrocinada pelo Grupo Globo.

Ao contrário da aposta da mídia corporativa brasileira, Globo à frente, que jogou todas as suas fichas no candidato tucano José Serra, a vitoriosa nas eleições de 2010 foi Dilma Rousseff, do PT.

O “poste” de Lula, como era chamada pela mídia, obteve 56,05% dos votos, contra 43,95% de Serra. Resultado que impactou fortemente a família Marinho.

Em meados de seu primeiro mandato, Dilma chegou a alcançar aprovação popular superior até a de Lula em igual período.

Foi aí, ao que tudo indica, que o partido da Globo e seus aliados internos e externos decidiram que aquela situação não poderia continuar.

Para encurtar uma outra longa história, que começa nas manifestações de 2013 e termina com o golpe, travestido de impeachment contra ela em 2016, nem a Globo e nem o seu candidato de então, o tucano Aécio Neves, admitiam perder.

A Operação Lava Jato, o juiz Moro e a Globo, que foram fundamentais para gerar o ódio ao PT, foram igualmente os elementos-chave na deposição de Dilma.

Basta lembrar que sem o vazamento criminoso, do igualmente criminoso grampo em uma ligação telefônica entre a então presidente Dilma Rousseff e Lula, feito pelo juiz Moro, o ex-presidente teria assumido a Casa Civil e até seus adversários reconhecem que dificilmente o impeachment prosperaria.

Globo chega antes da PF

Desiludidos com as chances eleitorais dos tucanos, o apresentador da Globo, Luciano Huck, chegou a ser aventado para a disputa presidencial de 2018.

Jovem, marido e pai dedicado, dono de audiência cativa, parecia reunir os ingredientes considerados essenciais pelos Marinho para a empreitada.

Antes de sua candidatura avançar para a formalização, ele desistiu. Ao que parece, temeu os desgastes que poderia ter ou poderia trazer ao seu padrasto, o controvertido economista Andrea Calabi, um dos principais nomes da era das privatizações de FHC.

Como já abordei em outros artigos, a Globo e o grupo de endinheirados que ela representa, buscavam, naquele momento, viabilizar um candidato de centro.

Para tanto, era essencial neutralizar Lula, que viam como a principal ameaça ao plano.

É aí que entra o apoio ao capitão reformado Jair Bolsonaro.

O currículo de Bolsonaro – do qual constava expulsão do Exército por tentativa de atentado terrorista, histórico para lá de medíocre como parlamentar e um conjunto de ações e declarações que o situavam na extrema direita – não foi tido como empecilho.

Lula foi impedido de participar das eleições. Mesmo assim, o segundo turno se deu entre o candidato do PT, Fernando Haddad, apoiado por ele, e Bolsonaro.

Mesmo relutante, o Grupo Globo acabou ficando com Bolsonaro. A escolha de Moro como ministro da Justiça, contada por Bolsonaro como sendo exclusiva dele, na realidade envolveu uma espécie de recompensa.

Um reconhecimento implícito de que sem Moro, sem a Lava Jato e sem a prisão de Lula, não teria chegado lá.

O ótimo relacionamento entre a família Marinho e Moro ficou visível através da exclusividade com que as operações da Lava Jato viravam notícia, em primeira mão, nos veículos do Grupo Globo.

Não faltaram casos de equipes da TV Globo e da rádio CBN chegarem ao local de algumas dessas operações antes mesmo da PF.

Em retribuição, os veículos do Grupo Globo nunca levaram ao ar quaisquer críticas a Moro nos dezesseis meses em que integrou o time bolsonarista.

A Globo não viu nada de errado no juiz que condenou e prendeu o principal adversário de Bolsonaro nas eleições, quando era juiz, e menos ainda na sua tentativa dele federalizar o processo sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), quando ministro.

Slogan de campanha eleitoral

A parceria Globo-Moro foi selada, de forma definitiva, no entanto, há pouco mais de dois meses, quando ambos passaram a ver em Bolsonaro um obstáculo a ser superado.

De “super ministro”, Moro se viu jogado para escanteio. Ao perceber que ele nutria altas ambições – assumir uma vaga no STF ou disputar a sua própria sucessão – Bolsonaro começou a cozinha-lo em fogo brando.

Já a família Marinho, por sua vez, acompanhava com enorme preocupação os privilégios de que sempre gozara serem transferidos para a TV Record, do empresário Edir Macedo que, antes do final do segundo turno das eleições, anunciou seu apoio e o de sua Igreja a Bolsonaro.

Não falta nem mesmo quem levante a suspeita de que “as provas” que a TV Globo pediu a Moro sobre as denúncias que fez contra Bolsonaro não passam de um bem articulado esquema para assumirem o protagonismo na deposição do ex-capitão.

A etapa seguinte seria dar dimensão nacional à campanha #FaçaaCoisaCerta, que o próprio Moro lançou em sua página do twitter, com toda a cara de slogan de campanha eleitoral.

Que Bolsonaro, pela dezena de crimes de responsabilidade que cometeu, não pode continuar no poder é inegável.

É inegável, igualmente, que Moro é partícipe da maioria desses crimes, sem falar nos praticados à frente da Operação Lava Jato.

Razão pela qual nenhum dos dois é mocinho nessa nova novela, que está apenas começando.

* Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.

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