Foto: Adriano Machado |
Você já deve ter ouvido falar de um instrumento utilizado para enganar um asno. Coloca-se na frente do animal uma cenoura amarrada por um cordão a uma haste de madeira que está preza no próprio asno. De modo que, a cenoura fica sempre às vistas do animal, que passa a se locomover para alcançá-la, porém, sem nunca conseguir. É isso que o Governo Federal tem feito com micro e pequenos empresários e seus empregados. Desculpem-me a comparação e peço, sinceramente, que não me levam a mal. Não se trata de nenhum desrespeito às pessoas com essa anedota. Mas, de uma metáfora que me pareceu bastante adequada, não para rebaixar os pequenos e médios empresários, mas para mostrar a perversidade do Governo para com eles. Afinal, nem todos têm a obrigação de entender de medidas macroeconômicas e das possibilidades de atuação de um governo. Logo, trata-se de desvendar o modus operandi dos atuais gestores governamentais.
Enquanto o Governo não se mexe para ofertar qualquer ajuda que permita que as empresas sobrevivam durante a crise causada pela pandemia de Covid-19, coloca na frente dos empresários, principalmente pequenos e médios, uma “cenoura”, que no caso é uma promessa de “briga” pelo fim das medidas de isolamento social e reabertura dos negócios. Assim, os empresários seguem rumo ao conflito social generalizado, uma insurreição frente à ordem democrática, que é para onde o Governo quer que eles vão.
Como isso se dá? O Governo simplesmente não está fazendo o que pode. Se aproveita, claramente, do solo fértil de onde colheu a “cenoura”. Esse solo é a ladainha dos últimos anos que propagou aos quatro ventos que o Estado brasileiro estava falido, até que essa mensagem estivesse cravada no inconsciente coletivo da sociedade brasileira e as pessoas, mesmo sem saber exatamente do que se tratava, passassem a exigir a austeridade fiscal.
Veja-se bem, não se trata de negar as questões fiscais com que o Estado brasileiro precisa lidar, mas sim de colocar crítica sobre o caminho resolutivo único que se desenhou. Paulo Guedes e sua equipe encarnam e operacionalizam essa mensagem. Mas, para além da equipe econômica, boa parte da população e, majoritariamente, pequenos e médios empresários têm como pressuposto a “verdade” de que o Estado não tem dinheiro. Por outro lado, economistas das mais diferentes vertentes sabem que essas favas não estão bem contadas.
Muitos de nós têm se esforçado em evidenciar diferentes portas de saída, com emissão de moeda (elevação de base monetária), emissão de dívida e até utilização de fundos do Tesouro. Mais do que saber qual dessas estratégias seria a mais acertada, pois há muita controvérsia nesse campo, olhando para o movimento de outros países (agora e no passado) e sabendo-se do gigantesco (apesar de não tão bem dimensionado) tamanho dessa crise, é quase unânime o entendimento de que o Estado precisa agir de maneira eloquente. O que, nesse momento, significa salvar empresas e empregos e garantir as condições básicas de sobrevivência da população por meio de alocação de dinheiro. Dito de outro modo, “grana” na “veia” das empresas e das pessoas.
O esperado, e até um tanto óbvio, seria ver os empresários pressionando o Governo para que as devidas medidas de socorro fossem empregadas. Mas não é o que se vê. Pois, na mente desses seres humanos, empreendedores brasileiros, o “Estado está quebrado” e nada pode ser feito a não ser enfrentar a pandemia “no peito”. Aí é que entra a “cenoura” na história. Vá! Corra para sua liberdade, alcance-a!
Ora, nos coloquemos no lugar de pequenos empresários do ramo de academias de exercícios físicos, salões de beleza, barbearias, pequenos buffets, bares, restaurantes, lojas de roupas, seus funcionários e tantos outros que dependem do trabalho diário para sobreviver. Se tivéssemos como pressuposto que o Estado está quebrado e vendo sua poupança derreter e sua capacidade de comprar comida se esvair, o que faríamos? Óbvio, moveríamos o mundo para voltar a trabalhar. Em outras palavras, diante desse cenário e da falta de informações com relação às possibilidades, qualquer um iria atrás da inalcançável “cenoura”.
Soma-se a isso o discurso oficial negacionista, que coloca em dúvida a veracidade da pandemia, mais o batalhão de robôs disseminadores de mentiras por WhatsApp e está tudo pronto. A ideia do Estado quebrado e as mentiras alimentam a desesperança com relação a qualquer tipo de ajuda e a coragem para enfrentar qualquer perigo.
Obviamente, os dirigentes do Governo Federal sabem que essas pessoas nunca a alcançarão. Primeiro, porque, ainda que neguem, sabem que a pandemia é séria. Sabem que gestores de Estados e/ou Municípios agirão diante da pilha de cadáveres. Segundo, porque a maior parte da população, mesmo cansada pelo isolamento, continua a apoiar as medidas adotadas, pois acompanham os resultados de outros países.
Por fim, no limite, sabem que a pilha de cadáveres endossa as provocações de setores da sociedade junto ao Poder Judiciário. Logo, em nenhum momento do futuro vai se gerar um consenso em torno da ideia de que se deve deixar morrer quem tiver que morrer e de que todos devemos ignorar a pandemia e trabalhar.
Assim, não é preciso muito esforço mental para saber qual será o desfecho dessa situação. Bolsonaro já faz menção a situações de convulsão social e fala abertamente, “é guerra!”
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