A CPI da Pandemia está revelando uma realidade inquestionável: o bolsonarista-raiz que participa do governo é politicamente inútil, tecnicamente despreparado e psicologicamente fraco. São pessoas que trazem consigo o pior que vem da alma, a mais fraca relação com o conhecimento técnico e com o que há de menor em termos de responsabilidade social. Além das carências pessoais e públicas, exibem um comportamento medíocre, temeroso e arrogante. Os depoimentos de Wajngarten e Queiroga, ex-ministro das Comunicações e atual da saúde, são exibições de baixeza humana. Ratos seria a descrição mais exata.
Em primeiro lugar, mentiram, o que já é muito grave numa comissão parlamentar de inquérito. Em seguida, se esquivaram de afirmar posições para as quais foram e são pagos para exercer: negaram a condução de campanhas de incentivo à circulação e de estímulo ao uso de medicamentos que agravam a doença. Abjuraram do negacionismo que professavam em publicidade pública e protocolos sanitários, inclusive com gasto de dinheiro público. Deixaram de comprar vacinas quando isso era possível. Para completar, além de mentirosos, cruéis e fraudulentos, foram reticentes frente às próprias convicções. Em resumo, falsos, corruptos e covardes.
Há uma lei da compensação entre os fracos de caráter que ocupam posições para as quais não estão preparados: defendem com unhas e dentes seus patrocinadores e jogam sempre a responsabilidade para o outro. Wajngarten, por exemplo, em entrevista recente, despejou em Pazuello a culpa pela perda da oportunidade de comprar as vacinas da Pfizer, deixando mofar a proposta do laboratório por dois meses e milhares de vidas perdidas. Achava que assim protegeria Bolsonaro e se livraria da própria irresponsabilidade. Quando percebeu que estava no mesmo barco, não teve saída que não voltar atrás e criar uma situação sem saída: ou mentiu antes ou mente agora.
Para eximir o chefe preferiu abrir mão da verdade
Já Queiroga desceu ainda mais baixo na escala de valores de civilização. Não rifou apenas seu cargo, mas sua ética, seu juramento e sua identidade profissional como médico cardiologista. Sua incapacidade de afirmar valores científicos para validar uma fraude política – o uso da cloroquina – foi patética. Se não perder o cargo e mesmo a liberdade, já perdeu a credibilidade moral. Para eximir o chefe preferiu abrir mão da verdade. Valores fundamentais, depois de sacrificados no altar das conveniências, não são mais passíveis de resgate. O médico Queiroga já não existe, o ministro, pelo visto, nunca esteve no cargo.
A mesma lógica parece estar presente na ação e atitudes dos auxiliares do presidente que carregam patentes antes dos nomes. Os militares sempre foram orgulhosos de duas características primárias: a disciplina e a hierarquia. Pode parecer que são sinônimos, mas muitas vezes batem continência para lados distintos. Uma coisa é seguir ordens criminosas que podem levar ao agravamento da pandemia, em nome de interesses localizados, ideológicos ou eleitorais. Outra é garantir o cumprimento das diretrizes legais, dentro do marco constitucional e dos indicadores da razão e da ciência, independentemente da linha de comando.
Pazuello e Barra Torres são exemplos dessa postura difusa no corpo militar brasileiro. O general da saúde deixou claro que obedecer cegamente o chefe é seu mantra; o contra-almirante da Anvisa professou valores da ciência sem medo de discordar do presidente. Não é um acaso que, mesmo melhor situado na hierarquia, o general mostre hoje medo de depor e de ser preso, esquivando-se como não se espera de um soldado. Já o responsável pela agência de vigilância sanitária coloca a identidade militar em suspensão provisória em favor de uma postura técnica, aparentemente independente e juridicamente segura.
Essa divisão é importante por vários motivos. Além de mostrar que não existe um alinhamento automático das Forças Armadas com o presidente Bolsonaro (e “seu” Exército), tem o potencial pedagógico de apontar para o papel dos militares na sociedade brasileira. O mais significativo, no entanto, é a dimensão política que fica subentendida na situação. Não há ordem unida em torno do presidente, a não ser em meio aos boçais que o apoiam de forma irrestrita, que são expressivamente numéricos, embora autolimitados. O jogo está duro, mas não está perdido.
Cisão entre militares
A cisão entre os militares aponta para um dado essencial nesse momento: a necessidade de resgatar a articulação política em torno do crescimento da dissidência do projeto de poder de Bolsonaro. A cada dia, setores que se identificaram com o presidente expressam seu desconforto em participar de um programa de destruição sistemática da democracia brasileira, dos empresários à imprensa. Essa onda, ainda que constrangida, pelo visto chegou aos militares. E os homens na sala precisam estar atentos à necessidade de fazer política nessa hora. As rachaduras estão na antessala da caserna.
No século XIX, o pensador alemão Nietzsche defendia uma filosofia feita a marteladas. A política também pode lucrar com esse método, ampliando as brechas que se abrem, com marretadas precisas. Entre os consensos possíveis neste momento está a convicção de que é preciso afastar Bolsonaro do poder, pelo impedimento urgente, pela eleição no ano que vem ou por uma revolução, o que vier primeiro. A continuidade do governo, sob qualquer forma de expressão, será a derrocada radical não apenas da república instaurada pelo pacto da Constituição de 1988, mas da democracia brasileira em si. Não será apenas a vitória de um projeto regressivo, autoritário e de extrema direita, mas um sinal de consolidação do Estado de exceção.
O projeto das forças populares não é hegemônico e se apresenta dividido. O que, em si, não é um problema e deriva da legitimidade das diferentes propostas possíveis. O que não é aceitável é que essa pluralidade não se encaminhe para uma união necessária no caso de um confronto direto. Desde já. O esforço não é afirmar protagonismos, mas justamente o contrário. E, nessa hora, todos que são contra Bolsonaro precisam estar do mesmo lado, até como condição de possibilidade de sobrevivência das pessoas, das ideias e das instituições. Os militares incluídos.
A cisão do bloco fardado precisa ser considerada com atenção por todos que se preocupam com o destino histórico do país. É preciso conversar com quem quiser conversar, independentemente da origem e da ideologia. Fazer política, nessa hora, exige um ato de coragem e superação, inclusive de estar ao lado de antigos adversários, quando o horizonte é de combate ao inimigo mortal. As palavras têm sentido e é preciso estar atento a elas.
Que a marreta faça seu trabalho saneador
Numa democracia madura, como destaca o filósofo e cientista político Marcos Nobre, lida-se sempre com adversários e conflitos; no terreno fora da política, a luta é contra inimigos, não há espaço para consensos construídos, mas apenas para jogo de perde e ganha. É para esse território que Bolsonaro tem empurrado o país, na sua fábula dos “bons brasileiros”. Não se pode deixar que ele dê as cartas ou sua vitória será inevitável. Os militares talvez tenham percebido isso antes de certos setores da esquerda.
O ideal é que o jogo de fortalecimento de uma frente viável se desse ao mesmo tempo do crescimento do movimento de massas e de protesto nas ruas. Mas não parece ser o horizonte em tempos de pandemia, infelizmente. Sem falar da estrutura de defesa articulada pelo governo em torno das instituições de controle, como os tribunais superiores, o Ministério Público e parte da PF.
Além disso, as candidaturas postas e os pedidos de impeachment represados no Congresso não são garantia em si de nada. De um lado, o custo dos projetos pessoais e partidários, todos legítimos e igualmente insuficientes. De outro, a sequência do jogo de corrosão do sistema por dentro da máquina, com uso de recursos públicos, emendas e outros esquemas corruptores.
A CPI da Pandemia está exibindo o espetáculo de gente menor, de que é feito o governo e suas ações. Pessoas capazes de muita destruição, que causaram muitas mortes evitáveis e que, por isso, devem ter seus atos apurados e punidos exemplarmente. Mas, por si só, a comissão talvez não seja capaz de mudar o jogo, embora aponte descaminhos graves e ajude a balizar a opinião pública.
Há riscos muito maiores que as mentiras por trás dos roedores que prestam depoimentos na CPI. Wajngarten, Pazuello, Araújo, Guedes e Queiroga, como nulidades humanas e morais, não são o perigo, mas o rebotalho da verdadeira tragédia brasileira. É pela boca covarde deles que o rato ruge seu esgar de ódio e destruição. Até que as rachaduras do poder não sejam mais disfarçadas. Ou que a marreta faça seu trabalho saneador.
Em primeiro lugar, mentiram, o que já é muito grave numa comissão parlamentar de inquérito. Em seguida, se esquivaram de afirmar posições para as quais foram e são pagos para exercer: negaram a condução de campanhas de incentivo à circulação e de estímulo ao uso de medicamentos que agravam a doença. Abjuraram do negacionismo que professavam em publicidade pública e protocolos sanitários, inclusive com gasto de dinheiro público. Deixaram de comprar vacinas quando isso era possível. Para completar, além de mentirosos, cruéis e fraudulentos, foram reticentes frente às próprias convicções. Em resumo, falsos, corruptos e covardes.
Há uma lei da compensação entre os fracos de caráter que ocupam posições para as quais não estão preparados: defendem com unhas e dentes seus patrocinadores e jogam sempre a responsabilidade para o outro. Wajngarten, por exemplo, em entrevista recente, despejou em Pazuello a culpa pela perda da oportunidade de comprar as vacinas da Pfizer, deixando mofar a proposta do laboratório por dois meses e milhares de vidas perdidas. Achava que assim protegeria Bolsonaro e se livraria da própria irresponsabilidade. Quando percebeu que estava no mesmo barco, não teve saída que não voltar atrás e criar uma situação sem saída: ou mentiu antes ou mente agora.
Para eximir o chefe preferiu abrir mão da verdade
Já Queiroga desceu ainda mais baixo na escala de valores de civilização. Não rifou apenas seu cargo, mas sua ética, seu juramento e sua identidade profissional como médico cardiologista. Sua incapacidade de afirmar valores científicos para validar uma fraude política – o uso da cloroquina – foi patética. Se não perder o cargo e mesmo a liberdade, já perdeu a credibilidade moral. Para eximir o chefe preferiu abrir mão da verdade. Valores fundamentais, depois de sacrificados no altar das conveniências, não são mais passíveis de resgate. O médico Queiroga já não existe, o ministro, pelo visto, nunca esteve no cargo.
A mesma lógica parece estar presente na ação e atitudes dos auxiliares do presidente que carregam patentes antes dos nomes. Os militares sempre foram orgulhosos de duas características primárias: a disciplina e a hierarquia. Pode parecer que são sinônimos, mas muitas vezes batem continência para lados distintos. Uma coisa é seguir ordens criminosas que podem levar ao agravamento da pandemia, em nome de interesses localizados, ideológicos ou eleitorais. Outra é garantir o cumprimento das diretrizes legais, dentro do marco constitucional e dos indicadores da razão e da ciência, independentemente da linha de comando.
Pazuello e Barra Torres são exemplos dessa postura difusa no corpo militar brasileiro. O general da saúde deixou claro que obedecer cegamente o chefe é seu mantra; o contra-almirante da Anvisa professou valores da ciência sem medo de discordar do presidente. Não é um acaso que, mesmo melhor situado na hierarquia, o general mostre hoje medo de depor e de ser preso, esquivando-se como não se espera de um soldado. Já o responsável pela agência de vigilância sanitária coloca a identidade militar em suspensão provisória em favor de uma postura técnica, aparentemente independente e juridicamente segura.
Essa divisão é importante por vários motivos. Além de mostrar que não existe um alinhamento automático das Forças Armadas com o presidente Bolsonaro (e “seu” Exército), tem o potencial pedagógico de apontar para o papel dos militares na sociedade brasileira. O mais significativo, no entanto, é a dimensão política que fica subentendida na situação. Não há ordem unida em torno do presidente, a não ser em meio aos boçais que o apoiam de forma irrestrita, que são expressivamente numéricos, embora autolimitados. O jogo está duro, mas não está perdido.
Cisão entre militares
A cisão entre os militares aponta para um dado essencial nesse momento: a necessidade de resgatar a articulação política em torno do crescimento da dissidência do projeto de poder de Bolsonaro. A cada dia, setores que se identificaram com o presidente expressam seu desconforto em participar de um programa de destruição sistemática da democracia brasileira, dos empresários à imprensa. Essa onda, ainda que constrangida, pelo visto chegou aos militares. E os homens na sala precisam estar atentos à necessidade de fazer política nessa hora. As rachaduras estão na antessala da caserna.
No século XIX, o pensador alemão Nietzsche defendia uma filosofia feita a marteladas. A política também pode lucrar com esse método, ampliando as brechas que se abrem, com marretadas precisas. Entre os consensos possíveis neste momento está a convicção de que é preciso afastar Bolsonaro do poder, pelo impedimento urgente, pela eleição no ano que vem ou por uma revolução, o que vier primeiro. A continuidade do governo, sob qualquer forma de expressão, será a derrocada radical não apenas da república instaurada pelo pacto da Constituição de 1988, mas da democracia brasileira em si. Não será apenas a vitória de um projeto regressivo, autoritário e de extrema direita, mas um sinal de consolidação do Estado de exceção.
O projeto das forças populares não é hegemônico e se apresenta dividido. O que, em si, não é um problema e deriva da legitimidade das diferentes propostas possíveis. O que não é aceitável é que essa pluralidade não se encaminhe para uma união necessária no caso de um confronto direto. Desde já. O esforço não é afirmar protagonismos, mas justamente o contrário. E, nessa hora, todos que são contra Bolsonaro precisam estar do mesmo lado, até como condição de possibilidade de sobrevivência das pessoas, das ideias e das instituições. Os militares incluídos.
A cisão do bloco fardado precisa ser considerada com atenção por todos que se preocupam com o destino histórico do país. É preciso conversar com quem quiser conversar, independentemente da origem e da ideologia. Fazer política, nessa hora, exige um ato de coragem e superação, inclusive de estar ao lado de antigos adversários, quando o horizonte é de combate ao inimigo mortal. As palavras têm sentido e é preciso estar atento a elas.
Que a marreta faça seu trabalho saneador
Numa democracia madura, como destaca o filósofo e cientista político Marcos Nobre, lida-se sempre com adversários e conflitos; no terreno fora da política, a luta é contra inimigos, não há espaço para consensos construídos, mas apenas para jogo de perde e ganha. É para esse território que Bolsonaro tem empurrado o país, na sua fábula dos “bons brasileiros”. Não se pode deixar que ele dê as cartas ou sua vitória será inevitável. Os militares talvez tenham percebido isso antes de certos setores da esquerda.
O ideal é que o jogo de fortalecimento de uma frente viável se desse ao mesmo tempo do crescimento do movimento de massas e de protesto nas ruas. Mas não parece ser o horizonte em tempos de pandemia, infelizmente. Sem falar da estrutura de defesa articulada pelo governo em torno das instituições de controle, como os tribunais superiores, o Ministério Público e parte da PF.
Além disso, as candidaturas postas e os pedidos de impeachment represados no Congresso não são garantia em si de nada. De um lado, o custo dos projetos pessoais e partidários, todos legítimos e igualmente insuficientes. De outro, a sequência do jogo de corrosão do sistema por dentro da máquina, com uso de recursos públicos, emendas e outros esquemas corruptores.
A CPI da Pandemia está exibindo o espetáculo de gente menor, de que é feito o governo e suas ações. Pessoas capazes de muita destruição, que causaram muitas mortes evitáveis e que, por isso, devem ter seus atos apurados e punidos exemplarmente. Mas, por si só, a comissão talvez não seja capaz de mudar o jogo, embora aponte descaminhos graves e ajude a balizar a opinião pública.
Há riscos muito maiores que as mentiras por trás dos roedores que prestam depoimentos na CPI. Wajngarten, Pazuello, Araújo, Guedes e Queiroga, como nulidades humanas e morais, não são o perigo, mas o rebotalho da verdadeira tragédia brasileira. É pela boca covarde deles que o rato ruge seu esgar de ódio e destruição. Até que as rachaduras do poder não sejam mais disfarçadas. Ou que a marreta faça seu trabalho saneador.
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