Reprodução do twitter de Irací Hassler |
A chamada “mega-eleição” ocorrida no Chile no último final de semana resultou numa expressiva vitória dos segmentos progressistas e prenuncia um novo momento para o país andino, com repercussões em toda a América do Sul. Um “enorme passo das forças anti-neoliberais”, como bem definiu o jornal comunista El Siglo em seu editorial desta segunda-feira (17). Estavam em disputa 16 governos regionais (o equivalente aos estados no Brasil), 345 prefeituras, 2252 conselheiros (vereadores) municipais e 155 representes para a Convenção Constitucional, que elaboração a nova Constituição chilena.
O resultado para a Convenção Constitucional, que funcionará a partir de junho próximo, concentra importantes elementos dos dilemas vividos pela América Latina. Os candidatos que se apresentaram como independentes ocuparão 65 cadeiras (42%) das 155 cadeiras na assembleia constituinte. O resultado, antes considerado imprevisível, reflete justamente a intensa mobilização política viva pelos chilenos nos últimos anos em que surgiram uma infinidade de atores políticos e sociais disposto a dar um novo rumo ao Chile.
Já a direita mais radical, quem tem o presidente Sebastián Piñera como principal expoente, sofreu uma grande derrota, com uma votação que não chega a um quarto do plenário, quantidade muito inferior ao número necessário para barrar mudanças mais profundas na atual Constituição. A chapa “Aprovo”, que abriga um setor considerável da aliança Concertação, que governou o Chile entre 1990 e 2010, nominada como centro-esquerda, obteve apenas um sexto da votação. A aliança “Aprovo Dignidade”, que abarca os comunistas e a Frente Ampla, obteve expressiva votação que, aliada aos independentes, terá ampla maioria entre os convencionais.
Os resultados da disputa para governadores, prefeitos e vereadores também expressaram vitórias das forças mais avançadas do país e uma derrota de grande porte para o presidente Piñera. Merece destaque a eleição de Iraci Hassler, do Partido Comunista, para a prefeitura da capital Santiago, em meio a outras vitórias de candidaturas de esquerda para prefeituras e governos regionais, que poderão se ampliar no segundo turno. Centro principal das atenções, os futuros constituintes elaborarão a nova Carta Fundamental em substituição à atual, que entrou em vigência em 1980, na ditadura sanguinária do general Augusto Pinochet. A Convenção Constitucional nasceu de um processo iniciado pelas grandes manifestações de 2019, seguidas por um plebiscito em que quase 80% dos eleitores decidiu por uma nova Constituição.
Abrem-se promissoras perspectivas para o povo chileno superar as seguidas crises vividas por seu país. O resultado eleitoral é também uma derrota política e ideológica para as forças de direita. “Ratifica que o povo não quer mais neoliberalismo, não quer mais abusos ou injustiças, e que o Chile deve iniciar um caminho para transformações que permitam um sistema democrático saudável, participativo e deliberativo, um novo modelo de desenvolvimento, um Estado democrático com direitos e, claro, uma nova Constituição”, enfatiza o editorial de El Siglo.
A raiz da crise política chilena são os problemas sociais decorrentes do projeto neoliberal, que se iniciou na região exatamente pelo Chile sob o governo de Pinochet. A experiência dessa nova configuração econômica, que ganhou a denominação de “Consenso de Washington”, resultou em tragédias sociais em praticamente todos os países que pegaram esse caminho, que foram dilacerados por índices vergonhosos de injustiças sociais, violência, inépcia administrativa e corrupção.
Foram dois ciclos marcados pela violência contra o povo e por desastres econômicos. O primeiro, marcado pela condução anglo-saxã dos governos Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher na Inglaterra, teve como representantes latino-americanos, além de Pinochet, Carlos Menen na Argentina, Carlos Salinas de Gortari no México, Gonzalo Sánchez de Lozada, Bolívia, Alberto Fujimori no Peru, Carlos Andrés Perez na Venezuela e Fernando Collor de Mello no Brasil. Alguns, perseguido pela lei, se esconderam nos Estados Unidos.
O modelo sofreu readequações, devido aos desgastes, e iniciou a era de governos supostamente de “centro-esquerda”, novamente sob a condução anglo-saxã, desta vez com Bill Clinton liderando o governo dos Estados Unidos e Tony Blair o da Inglaterra. Os mesmos resultados desastrosos levaram à formação de uma onda progressista na região, agora novamente golpeada para fazer emergir a velha ordem neoliberal, desta vez com um viés ainda mais autoritário. O processo chileno representa um revés para essa investida, o que poderá ter influência em outros países que enfrenta a mesma situação, como é o caso do Brasil.
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