Que o neoliberalismo clássico passa por uma crise, principalmente acentuada pela crise global de 2008, não é muito novidade para ninguém. No entanto, erram aquelas que advogam a existência de uma crise “do” neoliberalismo ao invés de uma crise “no” neoliberalismo. A diferença não é meramente semântica. Quem parte da segunda caracterização consegue melhor compreender que a emergência da nova direita e do neoliberalismo autoritário nada mais é do que uma expressão da própria metamorfose do neoliberalismo, que precisa mudar a forma para manter o conteúdo.
A crise no neoliberalismo tem sido por ele, plenamente, solucionada. Afasta-se, temporariamente, a roupagem do neoliberalismo tradicional, liberal na economia e na política; dotado de certo progressismo cultural e bem-comportado. Por outro turno, acende um neoliberalismo de novo tipo, capaz de – aguçando uma perspectiva autoritária – cumprir com os designo da reorganização da economia global, que amarga baixíssimo padrão de crescimento desde a crise de 2008.
A pandemia escancara mais uma crise e compele os defensores do neoliberalismo a encontrar novas roupas que caibam nos velhos personagens. Me parece uma ingenuidade demasiada creditar a um dos bastiões do neoliberalismo, o partido democrata americano – queridinho de Wall Street – o protagonismo do fim desse ciclo.
Bem enfim, vamos ao ponto. O neoliberalismo é muito mais do que “austeridade fiscal”. Além disso, esse receituário serve muito mais ao disciplinamento dos países periféricos do que corresponde a práticas fiscais nos países centrais. Ou seja, uma política fiscal expansionista não significa oposição aos pilares do neoliberalismo, assim como a política monetária como resposta a crise de 2008 tampouco.
O que marca e dá nascedouro ao neoliberalismo, em meados da década de 1970, é – sobretudo – uma política de reivindicação da desregulamentação econômica; da liberdade aos fluxos de capitais; de desproteção do mercado de trabalho; de mudança na estrutura tributária para ampliar o estoque de riqueza dos mais ricos e a privatização dos servidores públicos como espaços de valorização ao capital privado.
O que caracterizou a economia dos chamados “estados de bem-estar social” na “era de ouro do capitalismo” foi uma redução substantiva da desigualdade social, uma mudança na estrutura tributária que rumou para um caráter mais progressivo e a ampliação de sistemas de proteção social universais. Tudo isso sob a égide de maior presença do Estado na coordenação macroeconômica e com um elevado controle de capitais selado pela Conferência de Bretton Woods.
O Plano Biden incide apenas sobre um desses elementos, e ainda assim com caráter diminuto. A progressividade tributária sobre o faturamento do capital, embora majorada em relação a adotada por Trump, ainda está muito aquém do padrão de taxação da capital operado em governos anteriores. O Plano Biden de forma majoritária se financiará por emissão de dívida, diferente da experiência do New Deal que baseou-se muito mais na elevação da carga tributária e no seu caráter mais progressivo.
Do ponto de vista da redução das desigualdades sociais o plano é inócuo, mantendo a estrutura salarial ao sabor das movimentações cíclicas do mercado. No que tange aos sistemas de proteção o plano é ainda menos profícuo no que tange a enfraquecer o neoliberalismo, na medida em que a política social do plano restringe-se a subsidiar o plano de saúde privada dos trabalhadores desempregados pela crise.
Obviamente que o plano tem seus méritos, principalmente em escancarar a necessidade da política fiscal como motor de soerguimento de economias afetadas pela crise, suplantando a lógica anterior que apregoava a contração fiscal expansionista. No entanto, achar que esse pacote desarma ou suplanta o neoliberalismo é, no mínimo, partir de uma concepção muito simplista do que significa o neoliberalismo.
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