Há certo consenso entre os analistas políticos de que Bolsonaro, quando se vê encurralado, solta rolos de fumaça para turvar a visão do horizonte da verdade. Essa operação parece seguir o instinto do presidente, como um gesto imediato de raiva: imaturo, ressentido e grosseiro. No entanto, por trás da aparente espontaneidade, há uma astúcia da estupidez. As mensagens atingem diferentes públicos e acabam assumindo lugar de destaque no ecossistema de comunicação, dos jornalões às redes sociais.
De um lado, essa estratégia alimenta os seguidores mais radicais, os tais 25% que fincaram pé na barbárie e que precisam ser cevados o tempo todo com o reforço das pautas fascistas, da identidade de rebanho e da cultura do ódio. De outro lado, serve de material para a imprensa burguesa, que parece não entender que ao abrir canal para declarações do presidente serve de eco aos seus interesses diversionistas.
Bolsonaro vomita nas redes sociais e em suas transmissões semanais na internet um discurso inaceitável sob todos os aspectos, da verdade dos fatos à civilidade do trato e, mesmo assim, segue sendo pauta do jornalismo dito profissional. A mesma imprensa que se defende, dizendo que a expressão pública de sua ignorância é notícia relevante, não mudou a cor do rosto ao cobrir as manifestações do dia 29 de maio, reservando manchetes positivas sobre o governo questionado nas ruas. Ou, então, manchetou seu domingo com reportagens sobre trabalho remoto, turismo no interior, as mais belas igrejas do país e a retomada da economia.
Pode parecer, para muitos, que estamos apenas no terreno das repetitivas cortinas de fumaça. No entanto, como diz a sabedoria popular, onde há fumaça há fogo. Bolsonaro não apresenta apenas um propósito de despiste, de evasão, de fuga da verdade para encobrir seus problemas. Na realidade ele se aproveita da situação para fazer valer suas ideias. Não se trata de mentir para desviar a atenção, mas de afirmar projetos e visões de mundo para marcar ainda mais sua posição no jogo político.
Quando o governo se dispõe a realizar a Copa América, ou Cova América, por exemplo, não o faz apenas para escapar do foco da CPI da pandemia. É uma ação deliberada de afirmação dos rumos definidos para enfrentar exatamente a tragédia sanitária que se aproxima de levar à morte meio milhão de brasileiros. A possibilidade de acentuar a onda de contágio e de perdas humanas com o torneio não leva ao cuidado com as pessoas, mas exatamente à decisão de expô-las ao risco como estratégia sanitária e, consequentemente, econômica.
Em outras palavras, o empenho em trazer a disputa futebolística – privada e patrocinada por uma federação reconhecidamente corrupta no mundo dos esportes – para o país é uma afirmação do que o governo entende ser a realidade sanitária. Sem esconder seu intento, Bolsonaro vem incentivando aglomerações, incitando as pessoas a voltar ao trabalho, acusando os cuidados sanitários de exterminadores da economia.
Sua análise da situação é transparente: só a imunidade comunitária salva, quem se preservar em casa é covarde, a retomada da normalidade da economia é mais importante que a vida das pessoas. Sua visão do mundo da pandemia começa com um forçado e insincero “lamento as mortes”, para concluir com “a vida segue”. Para fundamentar essa leitura da realidade, ele precisa de um álibi sanitário e de um inimigo comum: começa com a cloroquina e se completa com o ataque às medidas de proteção individual e coletivas. Nada de vacinas, nada de isolamento. Má saúde pública e péssima conduta social.
A Copa América no Brasil não é um tapa-olho para a CPI, mas uma espécie de convocação extraordinária para a defesa do governo. Enquanto as instituições tentam agir, o governo atua contra o rumo das investigações, aprofundando exatamente as medidas irresponsáveis que o puseram em evidência na comissão de inquérito do Senado. Melhor que se defender a partir do campo de jogo da CPI é atacar no gramado do dia a dia, exibindo uma normalidade inexistente que pode agravar ainda mais a situação sanitária do país.
Com a recepção da copa continental, Bolsonaro não está fugindo da acusação da CPI de conduzir equivocadamente a política de saúde – descaso com a compra de vacinas, instauração de gabinetes paralelos, militarização da saúde, tratamentos ineficientes, ausência de campanhas de informação, entre outros crimes –, mas afirmando seus propósitos mais caros. É exatamente porque aposta no contágio como estratégia que traz para o Brasil o torneio caça-níqueis da Conmebol.
Agressão à imprensa
Outro exemplo reiterado de cortina de fumaça apontado pelos analistas tem sido o continuado comportamento de agressão à imprensa. A mais recente foi contra a jornalista Daniela Lima, da CNN, que foi chamada de “quadrúpede” pelo presidente. Mais uma vez, não se trata de mudar de assunto apelando para a tangente, mas de afirmar uma opinião estabelecida. Jair Messias não está jogando sombra sobre outros assuntos, mas clareando ainda mais sua posição sobre o jornalismo.
Desde que assumiu, o presidente tem afrontado a liberdade de expressão, ameaçado com censura e uso da lei de segurança e, de forma covarde, atacado jornalistas individualmente, inclusive por meio de preconceitos baixos. Sem falar na industrialização robótica do ódio e das fake news. Com isso se notabilizou, mundialmente, como o maior inimigo da liberdade de expressão entre todas as democracias do mundo. O país despencou nos rankings internacionais em razão dos ataques quase diários à imprensa, que partem diretamente do presidente, filhos e asseclas. Bolsonaro, reconheça-se, não terceirizou o ódio.
A cada vez que Bolsonaro ataca um jornalista ou um órgão de informação, ele estabelece uma tripla vitória simbólica junto a seu gado. Em primeiro lugar, desvia o interesse para o mensageiro, deixando a mensagem em segundo plano. Em seguida, reforça a cultura de conflagração junto a seus seguidores, que se sentem ainda mais motivados para vitaminar as redes sociais com mentiras e ataques. Por fim, se torna pauteiro da imprensa corporativa, que cai no jogo de evasivas.
Nem assim, no entanto, a imprensa burguesa acerta o passo em relação ao governo Bolsonaro, mantendo um comportamento de crítica no varejo pontual das enormidades do governo para deixar intocada a aprovação no atacado do projeto econômico. Entre as formas de apoiar o presidente, parecendo que se mantém a independência, está a falsa equiparação entre esquerda democrática e extrema direita fascista; a moralização do centro como saída conciliatória por cima; a falta de isenção para cobrir as manifestações populares.
O terceiro exemplo de cortina de fumaça, que na verdade é puro fogo, se deu nos últimos dias, quando ao responder sobre o auxílio emergencial, o presidente mandou o trabalhador pedir dinheiro aos bancos. Não se trata de crueldade, mas da forma real como o bolsonarismo considera o povo. O governo não quer garantir vida digna para quem teve sua existência afetada pela pandemia. Menos ainda tem como objetivo distribuir renda. E também não quer adiar o retorno das pessoas ao trabalho, mesmo em cenário de insegurança.
Ou seja, a agressão ao trabalhador é uma forma de afirmar o desejo de abandonar as políticas de proteção social, entregando ao apetite do mercado o último dos consumidores disponíveis: os miseráveis. Mais uma vez, não se tem aqui uma situação em que, para esconder a crise, se lança mão de um ataque desumano. O que a sugestão de Bolsonaro traduz é exatamente o desprezo do papel do Estado em momentos de crise.
Ao personalizar o crescimento da pobreza, chegando à fome que hoje assola milhões de brasileiros, como efeito do fracasso pessoal, o governo se exime de proteger sua população em nome dos interesses do mercado e da fragilidade programada das relações trabalhistas. O presidente não está fugindo da questão da pobreza, está contribuindo de forma destacada para seu aprofundamento. O país da imunidade de rebanho não é para os fracos. Se não dão conta, é melhor que morram logo.
Por isso, sempre que se falar em cortina de fumaça, procure o fogo que a alimenta. Pode ser o desprezo pela vida, o medo da liberdade ou a renúncia voluntária do papel do Estado em favor do mercado. Bolsonaro não está escondendo quem é. Quando fala coisas horrorosas, está apenas revelando o que lhe vai na alma.
De um lado, essa estratégia alimenta os seguidores mais radicais, os tais 25% que fincaram pé na barbárie e que precisam ser cevados o tempo todo com o reforço das pautas fascistas, da identidade de rebanho e da cultura do ódio. De outro lado, serve de material para a imprensa burguesa, que parece não entender que ao abrir canal para declarações do presidente serve de eco aos seus interesses diversionistas.
Bolsonaro vomita nas redes sociais e em suas transmissões semanais na internet um discurso inaceitável sob todos os aspectos, da verdade dos fatos à civilidade do trato e, mesmo assim, segue sendo pauta do jornalismo dito profissional. A mesma imprensa que se defende, dizendo que a expressão pública de sua ignorância é notícia relevante, não mudou a cor do rosto ao cobrir as manifestações do dia 29 de maio, reservando manchetes positivas sobre o governo questionado nas ruas. Ou, então, manchetou seu domingo com reportagens sobre trabalho remoto, turismo no interior, as mais belas igrejas do país e a retomada da economia.
Pode parecer, para muitos, que estamos apenas no terreno das repetitivas cortinas de fumaça. No entanto, como diz a sabedoria popular, onde há fumaça há fogo. Bolsonaro não apresenta apenas um propósito de despiste, de evasão, de fuga da verdade para encobrir seus problemas. Na realidade ele se aproveita da situação para fazer valer suas ideias. Não se trata de mentir para desviar a atenção, mas de afirmar projetos e visões de mundo para marcar ainda mais sua posição no jogo político.
Quando o governo se dispõe a realizar a Copa América, ou Cova América, por exemplo, não o faz apenas para escapar do foco da CPI da pandemia. É uma ação deliberada de afirmação dos rumos definidos para enfrentar exatamente a tragédia sanitária que se aproxima de levar à morte meio milhão de brasileiros. A possibilidade de acentuar a onda de contágio e de perdas humanas com o torneio não leva ao cuidado com as pessoas, mas exatamente à decisão de expô-las ao risco como estratégia sanitária e, consequentemente, econômica.
Em outras palavras, o empenho em trazer a disputa futebolística – privada e patrocinada por uma federação reconhecidamente corrupta no mundo dos esportes – para o país é uma afirmação do que o governo entende ser a realidade sanitária. Sem esconder seu intento, Bolsonaro vem incentivando aglomerações, incitando as pessoas a voltar ao trabalho, acusando os cuidados sanitários de exterminadores da economia.
Sua análise da situação é transparente: só a imunidade comunitária salva, quem se preservar em casa é covarde, a retomada da normalidade da economia é mais importante que a vida das pessoas. Sua visão do mundo da pandemia começa com um forçado e insincero “lamento as mortes”, para concluir com “a vida segue”. Para fundamentar essa leitura da realidade, ele precisa de um álibi sanitário e de um inimigo comum: começa com a cloroquina e se completa com o ataque às medidas de proteção individual e coletivas. Nada de vacinas, nada de isolamento. Má saúde pública e péssima conduta social.
A Copa América no Brasil não é um tapa-olho para a CPI, mas uma espécie de convocação extraordinária para a defesa do governo. Enquanto as instituições tentam agir, o governo atua contra o rumo das investigações, aprofundando exatamente as medidas irresponsáveis que o puseram em evidência na comissão de inquérito do Senado. Melhor que se defender a partir do campo de jogo da CPI é atacar no gramado do dia a dia, exibindo uma normalidade inexistente que pode agravar ainda mais a situação sanitária do país.
Com a recepção da copa continental, Bolsonaro não está fugindo da acusação da CPI de conduzir equivocadamente a política de saúde – descaso com a compra de vacinas, instauração de gabinetes paralelos, militarização da saúde, tratamentos ineficientes, ausência de campanhas de informação, entre outros crimes –, mas afirmando seus propósitos mais caros. É exatamente porque aposta no contágio como estratégia que traz para o Brasil o torneio caça-níqueis da Conmebol.
Agressão à imprensa
Outro exemplo reiterado de cortina de fumaça apontado pelos analistas tem sido o continuado comportamento de agressão à imprensa. A mais recente foi contra a jornalista Daniela Lima, da CNN, que foi chamada de “quadrúpede” pelo presidente. Mais uma vez, não se trata de mudar de assunto apelando para a tangente, mas de afirmar uma opinião estabelecida. Jair Messias não está jogando sombra sobre outros assuntos, mas clareando ainda mais sua posição sobre o jornalismo.
Desde que assumiu, o presidente tem afrontado a liberdade de expressão, ameaçado com censura e uso da lei de segurança e, de forma covarde, atacado jornalistas individualmente, inclusive por meio de preconceitos baixos. Sem falar na industrialização robótica do ódio e das fake news. Com isso se notabilizou, mundialmente, como o maior inimigo da liberdade de expressão entre todas as democracias do mundo. O país despencou nos rankings internacionais em razão dos ataques quase diários à imprensa, que partem diretamente do presidente, filhos e asseclas. Bolsonaro, reconheça-se, não terceirizou o ódio.
A cada vez que Bolsonaro ataca um jornalista ou um órgão de informação, ele estabelece uma tripla vitória simbólica junto a seu gado. Em primeiro lugar, desvia o interesse para o mensageiro, deixando a mensagem em segundo plano. Em seguida, reforça a cultura de conflagração junto a seus seguidores, que se sentem ainda mais motivados para vitaminar as redes sociais com mentiras e ataques. Por fim, se torna pauteiro da imprensa corporativa, que cai no jogo de evasivas.
Nem assim, no entanto, a imprensa burguesa acerta o passo em relação ao governo Bolsonaro, mantendo um comportamento de crítica no varejo pontual das enormidades do governo para deixar intocada a aprovação no atacado do projeto econômico. Entre as formas de apoiar o presidente, parecendo que se mantém a independência, está a falsa equiparação entre esquerda democrática e extrema direita fascista; a moralização do centro como saída conciliatória por cima; a falta de isenção para cobrir as manifestações populares.
O terceiro exemplo de cortina de fumaça, que na verdade é puro fogo, se deu nos últimos dias, quando ao responder sobre o auxílio emergencial, o presidente mandou o trabalhador pedir dinheiro aos bancos. Não se trata de crueldade, mas da forma real como o bolsonarismo considera o povo. O governo não quer garantir vida digna para quem teve sua existência afetada pela pandemia. Menos ainda tem como objetivo distribuir renda. E também não quer adiar o retorno das pessoas ao trabalho, mesmo em cenário de insegurança.
Ou seja, a agressão ao trabalhador é uma forma de afirmar o desejo de abandonar as políticas de proteção social, entregando ao apetite do mercado o último dos consumidores disponíveis: os miseráveis. Mais uma vez, não se tem aqui uma situação em que, para esconder a crise, se lança mão de um ataque desumano. O que a sugestão de Bolsonaro traduz é exatamente o desprezo do papel do Estado em momentos de crise.
Ao personalizar o crescimento da pobreza, chegando à fome que hoje assola milhões de brasileiros, como efeito do fracasso pessoal, o governo se exime de proteger sua população em nome dos interesses do mercado e da fragilidade programada das relações trabalhistas. O presidente não está fugindo da questão da pobreza, está contribuindo de forma destacada para seu aprofundamento. O país da imunidade de rebanho não é para os fracos. Se não dão conta, é melhor que morram logo.
Por isso, sempre que se falar em cortina de fumaça, procure o fogo que a alimenta. Pode ser o desprezo pela vida, o medo da liberdade ou a renúncia voluntária do papel do Estado em favor do mercado. Bolsonaro não está escondendo quem é. Quando fala coisas horrorosas, está apenas revelando o que lhe vai na alma.
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