Foto: Luciney Martins/O São Paulo |
O governo Bolsonaro, que acabou com o exitoso programa Minha Casa, Minha Vida, resolveu substituí-lo por outro programa de sentido inverso: o Minha Rua, Minha Morte. Não, não foi o Casa Verde e Amarela; foi esse mesmo.
O Minha Casa, Minha Vida entregou, de 2009 até o final do governo Dilma Rousseff, mais de 4 milhões de unidades habitacionais, totalizando um investimento de R$ 105 bilhões, que beneficiou cerca de 16,5 milhões de pessoas.
Saliente-se que cerca de 70% dos contemplados com moradias eram pessoas de renda muito baixa, de até dois salário mínimos mensais.
Observe-se também que, nessa fase, o investimento anual destinado ao programa era de R$ 11,3 bilhões, em média.
Com Bolsonaro tudo mudou para pior, bem pior. No primeiro ano de seu governo, o valor do investimento anual no Minha Casa, Minha Vida caiu para R$ 4,6 bilhões.
Em 2020, a queda foi ainda maior. O investimento efetivo foi de apenas R$ 2,54 bilhões.
Em 2021, veio o golpe final.
O governo Bolsonaro praticamente zerou o orçamento para a faixa 1 (a faixa para clientes de baixa renda do Minha Casa, Minha), extinguiu o programa criado pelo PT e criou um programa ridículo, o Casa Verde e Amarela, com orçamento reduzido e concentrado no atendimento a famílias de renda média.
Os pobres, os que mais precisam, foram excluídos.
Agora, entretanto, esse notável investimento em exclusão está sendo complementado pelo Projeto de Lei 4188/2021, de autoria do governo de Jair Bolsonaro, já aprovado na Câmara dos Deputados, que cria o marco legal das garantias de empréstimos e altera Lei 8.009/1990, a qual trata da impenhorabilidade de imóvel da família.
Atualmente, o imóvel de residência da família não poder ser penhorado para quitar dívidas.
Contudo, esse projeto de alta “sensibilidade” social revoga esse estatuto da impenhorabilidade, assentado na Constituição e em instrumentos internacionais de direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os quais incluem o direito à moradia no rol dos direitos humanos básicos.
Assim, caso o projeto seja também aprovado no Senado, muitas famílias poderão perder suas casas, engordando a triste estatística das pessoas que não tem moradia.
Deve-se ter em mente que, segundo a última edição da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de famílias endividadas no país atingiu a máxima histórica de 77,5%, em março.
O número é o maior em 12 anos. Claro que muitas dessas dívidas são pagáveis, mas, com a continuidade da crise, é bastante provável que a inadimplência cresça, o que torna esse projeto extremamente perigoso.
De acordo com o IPEA, o déficit habitacional no Brasil é de cerca de 8 milhões de moradias.
Além disso, o número de moradores de rua apresenta crescimento exponencial.
Embora não existam estatísticas precisas e abrangentes recentes sobre o tema, é fato notório que o número de moradores de ruas nas grandes cidades cresce a cada dia.
Em São Paulo, por exemplo, as pesquisas da prefeitura indicam que, entre 2015 e 2021, os moradores de rua aumentaram em pelo menos 100%.
A desculpa esfarrapada para a aprovação desse projeto antissocial é a de que ele permitiria facilitar o crédito e diminuir as taxas de juros.
Trata-se, evidentemente, de uma desculpa cínica e ridícula.
A taxa de inadimplência média do crédito bancário para pessoa física fica em torno de apenas 4%.
Evidentemente, isso não explica as taxas de juros estratosféricas e os spreads monstruosos cobrados no Brasil.
Na realidade, isso se explica pelo caráter oligopolista de um sistema financeiro parasitário, acostumado com ganhos fáceis, e que não atua como deveria para estimular a chamada economia real.
Nesse aspecto, o Brasil só perde para Zimbabwe e Madagascar, economias muito pobres, frágeis e instáveis da África.
Saliente-se que a taxa média na América Latina e Caribe é de apenas 6, 1%. No Haiti, a economia mais pobre e instável da nossa região, a taxa é de 8,2%. Na Bolívia, a cifra é de 4,9%.
Mesmo na África Subsaariana, a região menos desenvolvida do planeta, essa taxa é, em média, de 8,0%. Nos países de renda média, categoria no qual o Brasil está incluído, a taxa é de somente 5,4%. Nos heavily indebted poor countries (HIPC- países pobres altamente endividados) a taxa é de 8,5%.
A única explicação plausível para esse descalabro brasileiro não está, é claro, na inadimplência e nas condições gerais da economia, que são bem melhores que nesses países, mas na política comercial abusiva de nossos bancos.
Por conseguinte, achar que o fim da impenhorabilidade do imóvel da família vai reduzir spreads e facilitar o crédito é a mesma coisa que acreditar que a cobrança de despacho de bagagens reduziria o preço das passagens aéreas.
É ilusão ridícula, que não tem o menor amparo na realidade histórica de nosso sistema financeiro.
Os nossos bancos estão entre os mais lucrativos do mundo.
Todos os anos, batem recordes de lucros.
Santander brasileiro, Itaú, Bradesco e Banco do Brasil figuram entre os 10 bancos mais rentáveis do mundo, uma anomalia para um país de renda média, ainda em desenvolvimento e com uma economia real em crise.
Enquanto isso, pequenas empresas e cidadãos comuns penam para conseguir honrar seus pesadíssimos compromissos financeiros.
O governo Bolsonaro, no entanto, pouco se importa. Só pensa em privilegiar os ricos.
É a mesma política dos combustíveis.
A prioridade da atual política da Petrobras é a de favorecer os interesses dos grandes acionistas privados, principalmente os estrangeiros, em detrimento da economia real e do cidadão comum.
Da mesma forma, a prioridade da política financeira é manter os lucros e os spreads estratosféricos dos bancos, em prejuízo do bom funcionamento da economia e do bem-estar de cidadãs e cidadãos.
Estes últimos, especialmente quando são pobres, não contam para nada, no governo Bolsonaro. Que vão morrer na rua.
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