1º de janeiro de 2003 |
A expectativa a respeito da escolha do ministro da Defesa e dos comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica está no mesmo nível da ansiedade – e da histeria – do mercado financeiro acerca da definição dos ministros da área econômica.
Na montagem do governo Lula I [2003/2006], a definição do ministro da Defesa transcorreu com naturalidade; sem sobressaltos. O anúncio do titular da Pasta, embaixador José Viegas, somente aconteceu em 23 de dezembro de 2002, no último lote de anúncios do ministério.
No contexto brasileiro atual, contudo, a questão militar e a gestão econômica são os dois assuntos mais sensíveis do processo de transição do governo eleito.
Lula organiza e monta seu terceiro governo flanqueado, por um lado, pelas cúpulas militares; e, por outro lado, por setores poderosos do capital. E é, ainda, restringido pelo esquema corrupto do orçamento secreto do Congresso Nacional.
A histeria do mercado em relação à política econômica do governo Lula III tem forte caráter especulativo. Não deixa de ser hipócrita a gritaria dos ventríloquos do mercado com o futuro econômico do país diante do desastre legado pelo governo militar de Bolsonaro, que deixa as finanças do país em ruínas, a economia devastada e uma realidade de emergência social e humanitária.
No fundo, “deus-mercado” sabe que Lula conduzirá a economia e as finanças do país com competência e equilíbrio, mas mesmo assim aperta a chantagem para barganhar o aumento dos seus privilégios fiscais-orçamentários e avançar nos interesses estratégicos do capital.
A relação governo-mercado será de tensão permanente e de disputa aberta pela apropriação privada dos fundos públicos. O mercado não dará trégua ao governo, sobretudo depois do “costume” adquirido a partir do golpe de 2016, que propiciou um padrão pornográfico de ganhos, exploração e acumulação de capital.
A questão militar, porém, deverá ser tão ou mais crítica e decisiva para a governabilidade do governo Lula quanto a pressão econômica. O enfrentamento adequado da problemática militar, por isso, será vital para a própria sobrevivência da democracia e para a preservação do poder e da institucionalidade civil.
Ficou evidente até para observadores mais incrédulos que as cúpulas militares acalentam um projeto de poder militar que guarda contradições insolúveis com a democracia.
A contestação do resultado das urnas e o estímulo a que hordas fascistas, integradas por oficiais da reserva e, inclusive, por militares da ativa, promovam atos antidemocráticos e criminosos nas áreas de administração militar, é um atestado inequívoco da participação das Forças Armadas na gestação do ambiente de baderna e caos no país.
O comunicado ilegal de 11 de novembro e a ameaça de abandonarem os postos de comando para não baterem continência a Lula, que a partir de 1º de janeiro de 2023 será o comandante supremo das Forças Armadas, confirmam a perspectiva conspirativa e golpista dos atuais comandantes militares.
Uma disputa decisiva está sendo travada neste momento na transição do governo.
Os militares tentam emplacar o ministro da Defesa e os comandantes do seu agrado para continuarem exercendo a tutela da democracia e um delirante “Poder Moderador”. Como servidores públicos fardados, os militares arvoram para si prerrogativas incompatíveis com regimes democráticos civis.
Seria um equívoco fatal o governo eleito escolher um ministro da Defesa que o general e vice-presidente Hamilton Mourão e quejandos consideram alguém “muito bem visto pelas Forças Armadas”.
O governo Lula não foi eleito para materializar planos de um oficialato conspirador e golpista. O Brasil espera que Lula nomeie para o ministério da Defesa um ministro que lidere o esforço de despolitização, despartidarização, profissionalização e modernização das Forças Armadas, para que o país possa contar com uma defesa eficaz ante qualquer agressão estrangeira.
Não está em consideração se os militares aprovam ou se reprovam as decisões e as escolhas do governo que será empossado. Não está em debate se eles gostam ou se eles desgostam de tais escolhas. Como servidores públicos armados, os militares têm apenas duas opções: ou obedecer, ou então obedecer e cumprir as decisões do governo que assume o comando do país. Ponto.
Aos militares cabe unicamente observar o princípio da hierarquia e disciplina. Como já nos ensinou o famoso general da Morte, “é muito simples: um manda e outro obedece”. É assim mesmo: há quem comanda, e há quem é comandado.
Os comandantes comandam e os comandados obedecem aos comandos dos comandantes; cumprem as ordens dos superiores hierárquicos.
Os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica comandam as respectivas tropas. E quem comanda os comandantes das três Forças é o comandante supremo das Forças Armadas, ou seja, o presidente da República, que os nomeia, conforme estabelece o inciso XIII do artigo 84 da Constituição brasileira.
Lula foi eleito pela soberania popular para exercer o comando supremo das Forças Armadas do Brasil. Seria absolutamente impróprio e ilegítimo Lula ter de se submeter a imposições ou a condicionalidades absurdas, interpostas por militares fora de juízo.
As escolhas do Lula na questão militar definirão não somente a viabilidade futura do governo que assume em 1º de janeiro, mas a sobrevivência da democracia e do regime civil.
Lula é privilegiado, pois tem à mão alternativas importantes para o ministério da Defesa, como o ex-ministro do STF e da Defesa Nelson Jobim; o professor e especialista em questões militares Manuel Domingos Neto; o senador eleito Flávio Dino, dentre outros.
A única alternativa que Lula jamais deverá adotar é aquela que traduz o interesse – principalmente quando manifesto – das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas.
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