Charge: Umpiérrez Nin |
Não são raras as vezes que entro nas redes sociais e me deparo com comentários de pessoas que acham que o mundo está chato depois que a “ideologia do politicamente correto” passou a vigorar. Consideram um absurdo não poderem fazer piadas racistas ou homofóbicas ou reproduzir conteúdos que reforçam a cultura machista e até mesmo do estupro. Tenho que concordar que ficou chato mesmo. Ficou muito chato para quem comete crimes de racismo, assédio sexual, estupro e homofobia. O problema é que não basta ficar chato, tem que haver punição rigorosa.
Enquanto houver impunidade, as mulheres continuarão a ter que justificar porque optaram pela denúncia. Continuaremos a ouvir a vítima de um crime bárbaro ter que explicar que não quer dinheiro, quer justiça.
Quem denuncia hoje, enfrenta um calvário. É revitimizada todo o tempo, o que desestimula a denúncia. E ela salva vidas. E salvaria mais se os criminosos não ficassem impunes. Nos 3 casos de “craques” denunciados por estupro, um foi condenado pela justiça italiana, outro inocentado pela justiça brasileira por falta de provas e o último aguarda, preso, julgamento pela justiça espanhola. Em comum a disputa desproporcional entre denunciantes sem fama e denunciados famosos. De diferente, o local do julgamento.
Duas mensagens começaram a circular com mais força para que, finalmente, a sociedade entenda a importância de combater a violência contra as mulheres. Dois temas que há tempos são colocados, mas ainda não conseguiram ecoar para que as mudanças necessárias se efetuem. Falo da autonomia das mulheres, e de como ainda há resistência para respeitá-la, e da luta pela igualdade entre homens e mulheres.
Duas lutas que se entrelaçam, interdependentes, e que só avançarão quando a sociedade entender que é inaceitável tratar as mulheres como cidadãs de 2ª categoria, frágeis, objetos de posse e da vontade alheia. Não somos nada disso, mas temos que gritar todo o tempo para exigir respeito e justiça.
Vamos aos casos concretos. O primeiro diz respeito ao padrão de beleza e faz com que parcela amplamente majoritária se sinta mal por nunca conseguir corresponder a ele. Eu confesso que custei a acreditar que chegaram a criticar o corpo de Paolla Oliveira. A resposta veio rápida em vídeo que comprova o abismo entre homens e mulheres. Eles, livres de qualquer preconceito, exibem barrigas, carecas e cabelos grisalhos sem qualquer cobrança. Se preparam para o carnaval bebendo cerveja e comendo picanha. Elas, cobradas eternamente pelo corpo e comportamento perfeitos. Perfeitos para quem? Para o padrão imposto pela cultura patriarcal.
Não nos querem livres dessas amarras. Nos querem subjugadas e com medo de ousar exigir os mesmos direitos que os homens. Não aceitam nosso NÃO. Acham que a vontade e o desejo deles deve prevalecer. E enquanto isso for a realidade nos depararemos com casos chocantes como o da jovem estudante de 22 anos, estuprada e morta durante uma calourada na universidade do Piauí. E permaneceremos convivendo com o preconceito que impede as mulheres de andarem em segurança, de viverem sem violência dentro de suas próprias casas e que as obrigam a conviver com a cultura do estupro e com números avassaladores de feminicídios.
Chegar em março de 2023, mês em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, e ter que explicar que o feminismo é sobre igualdade e não sobre querer submeter os homens é, no mínimo, ridículo. Queremos que as mulheres não sofram violências em casa, no momento do parto e de exames, nas ruas, festas e bares. Isso tem que acabar. NÃO É NÃO. Nossos direitos devem ser assegurados, a Constituição diz que todos somos iguais perante a lei, e, sem distinção de qualquer tipo, temos direito a igual proteção.
A justiça deve estar preparada para cada caso, considerando que a demora pode fazer a diferença entre a vida e a morte. Precisamos garantir a punição de quem estupra, agride e mata. Mas, mais do que isso, queremos que os casos de violência contra as mulheres sejam extirpados. Queremos que os homens entendam que nossos corpos nos pertencem. Que somos livres para decidir. Que roupa, local ou horário não são convites para o abuso. Queremos, simplesmente, que a determinação da Carta Maior se efetive em nosso dia a dia. Até que isso aconteça, nenhum crime pode passar impune. Nenhuma denúncia pode ser menosprezada. Que a voz das mulheres vitimas da violência não seja calada, porque isso é mais uma violência imposta a elas.
* Artigo publicado orginalmente na revista CartaCapital.
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