Por Altamiro Borges
Na semana passada, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) decidiu arquivar o processo de sindicância que investigava o médico José Antônio Franchini Ramires por difusão de fake news sobre a saúde do presidente Lula. A ação criminosa ocorreu em novembro passado e foi denunciada pela revista Fórum.
Segundo a reportagem, o cardiologista enviou mensagens em um grupo de WhatsApp afirmando ter recebido informações de “fonte fidedigna” do Hospital Sírio-Libanês relatando que Lula estaria de novo se submetendo a um tratamento contra um câncer. No dia em que as mentiras se espalharam pelo esgoto digital bolsonarista, o presidente estava descansando na Bahia. No dia seguinte, ele foi à festa de aniversário do vice Geraldo Alckmin.
As postagens creditadas ao médico-monstro diziam que o petista estaria com um “linfonodo jugulo carotídeo, com certeza recidiva loco-regional. Não quiz[sic] operar, não aceitou traqueostomia, agora... Carcinoma de base de língua agressivo estágio IV [sic]". Venenoso, ele ainda afirmava que, “antes tratado com quimioterapia”, Lula “continuou bebendo, voz muito rouca, disfagia, edema pós-radioterapia ou recidiva com certeza”.
A descarada enrolação do conselho
Diante da repercussão do caso, advogados do grupo Prerrogativas encaminharam representação ao Cremesp pedindo investigação e punição. Mas, segundo ofício obtido pela Folha, o órgão aprovou no maior cinismo “o arquivamento da sindicância”. O conselho aceitou as desculpas esfarrapadas da defesa de José Ramires, que argumentou que a denúncia era “apenas e tão somente a transcrição de uma reportagem jornalística”.
Procurado pela Folha, o Cremesp ainda tentou despistar jurando que “a apuração segue em andamento”, mas justificou que “apura condutas que envolvam o ato médico, e que, como em todo processo investigatório, faz-se necessária a presença de indício de materialidade para seu prosseguimento”. Descarada enrolação!
Antros da extrema-direita nativa
A atitude do Cremesp reflete bem o que ocorreu com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e com boa parte dos conselhos regionais. Eles viraram antros da extrema-direita nativa. Entre outros absurdos, o CFM ajudou a difundir o negacionismo durante a pandemia da Covid, propagandeando a cloroquina e outros remédios sem eficácia comprovada. A entidade também virou palanque na tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro.
No final de março, o governo Lula inclusive exigiu ações mais rigorosas do órgão contra os médicos antivacina. Segundo matéria de Mônica Bergamo na Folha, “o Ministério da Saúde cobrou do CFM explicações sobre quais medidas a autarquia vem tomando para repreender profissionais que propagam informações falsas contra as vacinas disponíveis no país”. O ofício enviado ao órgão deixou implícita a crítica aos charlatões bolsonaristas:
O movimento antivacina que mata
“Nos últimos anos, o movimento antivacina, considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre as dez maiores ameaças à saúde global, ganhou maior visibilidade e vem propagando informações falsas à população geral... Sabe-se que a vacina é considerada pela OMS uma das intervenções de saúde pública com maior impacto na prevenção de óbitos e doenças em todo o mundo. Não há nenhum outro procedimento que produza resultados tão excelentes na redução da morbimortalidade por enfermidades imunopreveníveis”.
“Nesse sentido, tendo em vista que a desinformação tem sido propagada por profissionais de todas as áreas e que a hesitação em vacinas tem trazido prejuízos à população, esta Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente requer informação de que medidas são tomadas por esse conselho contra os profissionais que propagam informações inverídicas contra as vacinas disponíveis no país”, finaliza o ofício.
Como lembra Mônica Bergamo, “a cobrança feita pelo Ministério da Saúde representa uma guinada na relação entre o governo federal e a autarquia. Durante a crise sanitária da Covid-19, o conselho se alinhou ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) e consentiu com a possibilidade de médicos prescreverem remédios sem eficácia contra a doença”. A crítica, porém, parece que não obteve efeito. Os conselhos do setor seguem protegendo difusores de fake news!
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