quarta-feira, 21 de junho de 2023

Setor privado não gosta de emissora pública

Hélio Doyle abriu série de 'lives' promovida pelo centro
Barão de Itararé sobre comunicação no atual governo
Por Vitor Nuzzi, na Rede Brasil Atual:

Fazer ao mesmo tempo comunicação pública e governamental, buscando audiência, é o desafio da nova direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), liderada pelo veterano jornalista Hélio Doyle. “Temos que atender a esses dois braços, que às vezes até parecem excludentes”, afirma o presidente da EBC, que participou de live, nesta terça-feira (20), organizada pelo Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé. Ele demarcou diferenças entre emissoras públicas e privadas de comunicação. E deixou claro que, sim, a EBC está atrás de audiência – mas não a qualquer custo.

“A gente não faz o discurso de que TV pública não precisa de audiência. A diferença é que a comunicação privada trata o público como consumidores. Nós temos que tratar o público como cidadãos”, afirma Hélio. “Mas temos que ter audiência. Não adianta falar para nós mesmos. Não queremos fazer nem um jornalismo popularesco, nem um jornalismo de elite.”

Comunicação não é propaganda

Ex-integrante do conselho do Barão de Itararé, o presidente da EBC abriu um ciclo de debates sobre comunicação no atual governo. O programa teve apresentação de Felipe Bianchi, com jornalistas convidados: Talita Galli, da TVT, Solon Neto (Alma Preta) e Theófilo Rodrigues, pesquisador e co-organizador do livro Democratizar a comunicação: teoria política, sociedade civil e políticas públicas.

O jornalista observou que fazer comunicação pública não é propaganda de governo. Cabe, inclusive, dar espaço à oposição. Ele contou que, como canais comerciais, como GloboNews e CNN, costumam levar, por exemplo, apenas pessoas favoráveis à política do Banco Central, a TV Brasil deveria fazer o oposto. Hélio discorda: “Nós temos que levar os dois lados”.

Conceito mal compreendido

Ao mesmo tempo, a EBC defende valores éticos e democráticos. “Ninguém vai usar nossos canais para defender golpe de Estado, racismo, opressão das mulheres. (…) No nosso jornalismo cabe uma crítica ao governo. Esse conceito de comunicação pública não é bem compreendido na sociedade brasileira”, avalia o jornalista.

A primeira preocupação ao chegar foi “reorganizar” a EBC. “Uma empresa pública está sujeita a uma série de normas e controles que as empresas privadas não têm.” Enquanto no segundo caso é possível fazer “tudo que a lei não proíbe”, no primeiro é “só o que a lei permite”.
Questão ideológica

Enquanto a Europa se caracteriza por forte presença de comunicação pública, o Brasil seguiu o modelo dos Estados Unidos: ou seja, privado. Mas claro que mesmo naqueles países o setor público enfrenta problemas. “Até porque as emissoras privadas não gostam das emissoras públicas. E não é porque divide faturamento, não. É pela questão ideológica. É porque as emissoras públicas, de modo geral, rompem o pensamento único. Neoliberal, vamos dizer assim, liberal.”

Por aqui, a experiência ainda é recente. A EBC foi criada em 2008. “Na Argentina, já tem TV pública há 45 anos, mas eles têm problemas semelhantes a nós. A TV pública ganhou os direitos para transmitir a última Copa do Mundo”, lembra Hélio Doyle.

Desmonte e orçamento

Ao assumir, ele também teve de lidar com um processo de desmonte da empresa, que chegou a estar na mira da privatização. “Temos muitas carências. Temos orçamento muito baixo para custeio e investimento.” Além disso, em um programa de demissões voluntárias a EBC perdeu quase 500 funcionários. “São Paulo já tinha um quadro reduzido. Nosso jornalismo está muito carente de pessoal, mas dentro disso queremos fazer o melhor possível.” O desafio é fazer comunicação com análises, comentários, entrevistas, inclusive com a oposição. “Porque senão não estaremos fazendo jornalismo público.” TVs públicas, lembra, “não podem ser vistas como instrumentos de governo”.

Ele também respondeu questionamentos sobre a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), à qual a EBC é vinculada. E disse ser totalmente favorável a parcerias com a chamada mídia alternativa, inclusive com verbas publicitárias, em geral destinada às emissoras comerciais. O problema, argumentou, é que o Tribunal de Contas e o Ministério Público costumam “cair em cima” quando isso acontece. “Estamos vendo como a gente pode fazer parcerias. Nós queremos que no telejornalismo a gente fale da mídia alternativa, mostre o que mídia alternativa está mostrando.”

O presidente do EBC citou como exemplo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), objeto de nova CPI no Congresso. O “lado positivo” do MST, como ele diz, “não tem a menor vez nos canais privados”. Além disso, é preciso pensar na questão da pluralidade. “Nós temos que regionalizar a nossa programação. Não é só por uma obrigação legal.” De novo, a emissora esbarra na falta de recursos. Segundo ele, é preciso pensar em outras fontes permanentes de financiamento”, independentemente do orçamento da União.

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