segunda-feira, 1 de abril de 2024

STF rejeita poder moderador dos militares

Ilustração: Miguel Paiva/247
Por Altamiro Borges


Em um importante avanço democrático, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta segunda-feira (1) contra o chamado “poder moderador” das Forças Armadas. Foi uma derrota do nefasto “partido militar”, tão acostumado a golpes contra a democracia – como no trágico 1º de abril de 1964 e na tentativa frustrada do 8 de janeiro de 2023. Dos onze ministros, seis já votaram contra os milicos: Luiz Fux (relator do processo), Luiz Roberto Barroso (presidente do STF), Flávio Dino, Edson Fachin, André Mendonça e Gilmar Mendes.

Conforme relato da Rede Brasil Atual, todos os ministros “se manifestaram contra a interpretação golpista do artigo 142 da Constituição... Gilmar Mendes também votou contra, formando maioria na Corte para enterrar de vez a tese do ‘Poder Militar’. ‘Diante de tudo o que temos observado nesses últimos anos, todavia, faz-se necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal para reafirmar o que deveria ser óbvio: o silogismo de que a nossa Constituição não admite soluções de força”.

Julgamento é resultado de ação do PDT

O julgamento, em plenário virtual, vai até a próxima segunda-feira (8). Ainda faltam apresentar seus votos os ministros Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Cristiano Zanin. “O julgamento é resultado da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.457, que o PDT apresentou em 2020, questionando a aplicação do dispositivo. O partido questionou a interpretação por juristas de viés ‘reacionário’ e ‘setores da caserna’ que consideram que os militares seriam uma espécie de ‘poder moderador’”, registra a reportagem.

Em seu voto, o relator do processo, Luiz Fux afirmou que a Constituição não autoriza o presidente da República a recorrer às Forças Armadas contra os demais poderes – como foi tentado pelo fascista Jair Bolsonaro. Ele também ressaltou que o texto constitucional não concede aos militares a atribuição de moderadores de eventuais conflitos entre os três poderes. “Qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição”, afirmou.

"A função militar é subalterna", afirma Dino

O presidente do STF, Luiz Roberto Barroso, acompanhou o voto do relator. Já o ministro recém-empossado Flávio Dino foi duro em seu voto. “Eventos recentes revelaram que ‘juristas’ chegaram a escrever proposições atinentes a um suposto ‘Poder Moderador’, que na delirante construção teórica seria encarnado pelas Forças Armadas... Tais fatos, lamentavelmente, mostram a oportunidade do STF repisar conceitos basilares plasmados na Constituição vigente – filiada ao rol das que consagram a democracia como um valor indeclinável e condição de possibilidade à concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs”. O novo ministro ainda acrescentou:

“Lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um ‘poder militar’. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna”. E defendeu que sejam “eliminadas quaisquer teses que ultrapassem ou fraudem o real sentido do artigo 142 da Constituição Federal”. Ao final, propôs que a íntegra do acórdão seja enviada ao ministro da Defesa, a fim de que haja a difusão para todas as organizações militares, inclusive escolas de formação, aperfeiçoamento e similares.

Apostila do Exército exalta golpe e ditadura

A sugestão é bem procedente e atual. Neste domingo (31), o site Metrópoles deu destaque para uma matéria intitulada “Exército adotou, no governo Lula, livro que exalta golpe de 1964”. Segundo a reportagem, “a controversa orientação do presidente Lula para que não haja eventos do governo em lembrança aos 60 anos do golpe, com o objetivo de não melindrar as Forças Armadas, não tem tido um movimento recíproco, ao menos por parte de alguns militares”.

“No ano passado, já durante o governo petista, colégios militares, vinculados ao Exército, deixaram de usar o livro didático externo para as aulas de história e adotaram uma apostila feita pela própria Força, que exalta a ditadura e ensina conceitos errados sobre história, repetindo uma visão até hoje defendida por militares golpistas. A mudança foi planejada em 2022, no fim do governo Bolsonaro, e implementada no ano passado, mesmo após a vitória de Lula”.

Na apostila do Exército, o capítulo que trata da ditadura é intitulado ‘A Revolução de 1964’. Não há qualquer menção ao termo ‘tortura’ e aos assassinatos do período. Para a obra, o golpe foi só uma ‘decisão’ tomada por ‘lideranças democráticas’. Os golpistas são chamados de ‘grupos moderados e respeitadores da lei e da ordem’. “O Brasil permaneceu no rol das democracias, embora as mudanças introduzidas pela revolução na Constituição em vigor aumentassem consideravelmente o Poder Executivo’, afirmou o texto do Exército.

Defesa do AI-5 e de outras atrocidades

“Os governos militares são chamados na obra de “governos revolucionários”. Segundo essa versão militar, o Ato Institucional 5 (AI-5), o mais duro ato jurídico da ditadura, foi apenas uma defesa contra ‘atentados terroristas’. A norma deu ao então presidente, general Arthur Costa e Silva, o poder para fechar o Congresso; prender qualquer pessoa, sem a possibilidade de habeas corpus; revogar a liberdade de expressão e reunião; decretar estado de sítio; intervir nos estados; cassar mandatos; e demitir funcionários, entre outras arbitrariedades.

Procurado pela reportagem do site Metrópoles, o comando do Exército não comentou o teor da apostila. “A Força afirmou que ela cumpre o Projeto Pedagógico do Sistema de Colégios Militares, que foi feito em 2021 e vigora até 2025. O projeto ‘segue as orientações previstas nas legislações vigentes dos órgãos responsáveis pelo ensino no país’, declarou”.

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