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No MST nós temos uma prática social de resolvermos tudo de maneira coletiva e mesmo que eu tenha uma cara mais conhecida na sociedade brasileira, sempre procuro expressar a opinião do nosso coletivo. Quando o MST nasceu e foi construído coletivamente há 40 anos atrás e o nosso ideal era a luta pela reforma agrária que se baseia naquela visão zapatista da Revolução mexicana: “tierra es para quien la trabaja”, que foi adotada em toda a América Latina pela luta dos movimentos camponeses, isso levava uma concepção campesinos da luta pela terra, ou seja se lutava de forma massiva mas a essência era resolver os problemas das famílias camponesas e agora nós estamos numa nova etapa do capitalismo internacional.
Nos últimos 20 anos o capitalismo mundial sofreu grandes mudanças e hoje quem domina a produção agrícola é o capital financeiro e grandes empresas transnacionais; no Brasil e em todo mundo, o que levou o MST e os movimentos camponeses em geral, nós nos aglutinamos na Via Campesina, a adequar seu programa diante da nova realidade da luta de classes na agricultura. Hoje nós temos uma situação onde três modelos, ou três propostas de organização da agricultura se enfrentam a todo momento no campo no Brasil e na América Latina, que modéstia à parte, conheço um pouco.
O primeiro modelo nós chamamos de latifúndio predador, não é nenhuma nomenclatura acadêmica, é um conceito da luta política. O latifúndio predador são aqueles grandes fazendeiros capitalistas financiados pelo capital de mercado e pelas empresas transnacionais que vão lá na natureza e se apropriam dos bens que são comuns: terras públicas, florestas, minérios, água e biodiversidade em geral; e transformam aqueles bens em mercadorias e com isso tem uma taxa de lucro fantástica.
Portanto, é um modelo que enriquece, porém não é um modelo socialmente justo e é insustentável do ponto de vista ambiental. O segundo modelo é o agronegócio cantado em verso e prosa todas as noites no Jornal Nacional como se fosse moderno, como se fosse o futuro como se fosse o que carregasse o Brasil nas costas. Porém o modelo do agronegócio se fundamenta numa forma de organização baseada no monocultivo e aqui no Brasil se resume a apenas cinco produtos: soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e pecuária bovina extensiva, mas todos esses produtos são commodities agrícolas para exportação não é para resolver os problemas do povo.
Por outro lado, por serem monocultivos em larga escala, eles adotam sementes transgênicas e agrotóxico e o agrotóxico mata a biodiversidade, mata a fertilidade do solo e desequilibra o meio ambiente e são mais perversos para as mudanças climáticas do que as próprias queimadas porque com as queimadas, a natureza se recupera, mas com o veneno não, ele fica lá e mata. Então, o modelo do agronegócio é insustentável também tanto do ponto de vista social porque ele não quer empregar pessoas quanto do ponto de vista ambiental porque ele destrói o meio ambiente.
O terceiro modelo é o modelo da agricultura familiar, que, de novo, a imprensa burguesa chama de atrasada, que não existe mais, que não sei o que, porém, a agricultura familiar do Brasil dá emprego para 16 milhões de trabalhadores familiares sem exploração; é a agricultura familiar que produz os alimentos para o mercado interno. O único produto que vai para a mesa do trabalhador que ainda sai do agronegócio é o óleo de soja, fora esse, tudo vem da agricultura familiar e é um modelo que pratica policultura, ou seja, tu vai lá em cinco hectares e encontra diversas formas de produção, diversos vegetais, diversos animais e essa combinação é que preserva o meio ambiente, preservar as nascentes.
Em São Paulo, nos últimos meses com a seca, houve os incêndios e como é que começaram os incêndios? Uma usina colocou fogo na cana para facilitar a colheita mecanizada, o vento veio e levou ao incêndio que queimou 300 mil hectares de cana em outras regiões. Foi feita a mesma prática por fazendeiros para queimar o pasto que estava seco e aí rebrotava a grama. Veio o vento e queimou 600 mil hectares de cana de pasto bom. A fumaça chegou aqui em São Paulo e, durante uma semana, os médicos denunciaram que morriam 60 pessoas por dia pela inalação da fumaça, claro, em geral idosos e crianças que são muito afetadas por doenças pulmonares.
Agora, fica a pergunta: por que na região da agricultura familiar não houve incêndio, na região de Itapeva no sul do estado, no Vale do Ribeira ou lá na região de Andradina? Porque na policultura existem diversas formas de vida vegetal e animal que convivem e, portanto, não há seca e incêndio que destruam isso. Bom, então agora vou ao que interessa: lutar hoje por reforma agrária não é apenas lutar por terra para os camponeses; lutar hoje por reforma agrária é lutar pelo que nós chamamos de uma reforma agrária popular.
Ou seja, precisam acontecer mudanças estruturais na propriedade da terra e na organização da produção, que tenham como centro de sua função social dois grandes objetivos: primeiro, produzir alimentos saudáveis para todo o povo, porque o povo brasileiro se alimenta muito mal. Quando a gente fala produzir alimentos para o povo, é de fato pensar em uma cesta básica que leve nutrientes, proteína animal, ovos caipiras para todo o povo. Se continuar essa agressão que o agronegócio e o latifúndio praticam contra a natureza, isso coloca em risco a vida do ser humano, que já está morrendo também por esses crimes ambientais. Então, essas novas funções de uma reforma agrária popular precisam ser daqui para frente.
Por uma agricultura sustentável
Para fazer com que a agricultura familiar, que tem 16 milhões de pessoas trabalhando, cumpra a missão de defender a natureza e produzir alimentos saudáveis para todos, é necessário implementar, como modo de produção tecnológica, a agroecologia. A agroecologia é uma junção de conhecimento dos saberes populares, que vêm de geração em geração do convívio dos camponeses com a natureza, mas há também um componente fundamental, que é o conhecimento científico produzido na academia, na Embrapa e nos institutos de pesquisa.
É da combinação dessas duas vertentes, a sabedoria popular e o conhecimento científico, que você vai introduzir e propagar a agroecologia. Para que a agroecologia seja utilizada de forma massiva e não como agora, que infelizmente poucas famílias conseguem adotar, não porque não queiram, mas porque não sabem, é preciso difundir e utilizar a agroecologia de forma ampla em todo o Brasil e em todos os biomas. Precisamos enfrentar alguns desafios, e é esse o diálogo que o MST e a Via Campesina têm feito com os pesquisadores, nossos aliados das universidades, e agora até com a Universidade da Agricultura da China.
O primeiro desafio é que precisamos controlar a produção de sementes. Quem não controla a semente será refém de alguma empresa. A empresa que controla a venda de semente de milho híbrido transgênico, vende 15 quilos por R$ 200 reais, com a taxa de lucro lá em cima. Esse mesmo milho poderia ser produzido pela própria agricultura familiar, e o agricultor poderia reservar a semente que vai utilizar. Para citar um exemplo, precisamos resolver o problema do fertilizante orgânico. As formas predatórias de agricultura vão exaurindo a fertilidade natural do solo, que contém milhares de formas e nutrientes.
Em geral, as pessoas, influenciadas pela propaganda do agronegócio e dos agroquímicos, pensam que a fertilidade do solo se baseia apenas em NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), mas isso não é certo. Agora, qual é o problema que enfrentamos? Como produzir um solo fértil? Alimentando com fertilizantes orgânicos, que ativam os micro-organismos e a vida no solo. No Brasil, não há quem venda ou forneça fertilizantes orgânicos em grande escala. O agricultor tenta fazer isso em sua unidade, usando esterco de animal e compostagem, mas isso é em pequena escala.
Por exemplo, nós, no Rio Grande, temos seis mil hectares de arroz orgânico que precisam ser alimentados com fertilizantes orgânicos. Alimentar seis mil hectares a cada safra exige uma produção em grande escala. Aqui entra a experiência da China. Durante nossas viagens para lá, onde temos uma brigada de militantes morando em Pequim e Xangai para interagir com a agricultura chinesa, descobrimos que eles desenvolveram a produção de fertilizantes orgânicos a partir dos resíduos das cidades, com restos da alimentação das famílias, restaurantes, podas de árvores, sobras das feiras e mercados. Eles juntam essa matéria orgânica, inserem bactérias que ativam o processo de dar nova vida a essa matéria, e em sete dias têm a produção de fertilizante orgânico.
Esse processo, que chamamos de biorreator, envolve colocar toda essa matéria orgânica num cilindro grande como se fosse um silo, injetar as bactérias, e as bactérias trabalham dia e noite para produzir o fertilizante. O que estamos fazendo agora, e que reforçamos com a vinda da delegação chinesa à reunião do G20, é que queremos instalar unidades dessas fábricas aqui no Brasil para produzir os fertilizantes que a agroecologia adora. A terceira linha importante como desafio da agroecologia e do conhecimento científico são as máquinas agrícolas.
Você não vai conseguir produzir alimentos para todo mundo com enxadas, e ninguém mais quer trabalhar apenas com enxadas. Nenhum jovem camponês sonha em ganhar uma enxada no Dia de Natal; ele sonha em ganhar uma moto, um computador, algo moderno e nós também acreditamos nisso. Portanto, as máquinas são a única maneira de aumentar a produtividade do trabalho, pois com menos pessoas, você produz mais, e também aumenta a produtividade da área. Assim, em uma mesma área, você poderá produzir mais arroz, mais feijão, mais produtos variados, etc. De novo, no Brasil, temos cinco fábricas de máquinas agrícolas, todas multinacionais, como Fiat, John Deere e New Holland, etc. Todas elas só fazem apenas grandes máquinas para o agronegócio, porque o objetivo delas não é resolver os problemas dos agricultores, o objetivo deles é lucro.
Elas se concentram em fabricar máquinas grandes para alcançar uma escala e um lucro cada vez maiores. Então, vamos ser salvos novamente pelos chineses, porque na China, em vez de oito marcas, existem oito mil fábricas de máquinas agrícolas espalhadas por todo o território. Com a reforma agrária realizada entre 1949 e 1952, cada camponês possui apenas um hectare. Assim, a indústria de máquinas que eles implementaram nos últimos 30 anos, na reindustrialização do país, precisou desenvolver máquinas adequadas para apenas um hectare.
Isso resultou em uma grande variedade de máquinas. Nós queremos trazer essas máquinas para cá. Não será através de compras ou importações, mas sim realizando parcerias com nossas cooperativas e com os governos estaduais, estabelecendo fábricas de máquinas para os camponeses. Aqui no Brasil, já temos delineados pelo menos cinco locais onde vamos colocar essas fábricas.
As relações com a China
O processo de parceria com a China, que já vem de muito tempo, agora, com o governo Lula, acelerou as possibilidades. Mesmo durante o governo Bolsonaro, quando havia um boicote à China, começamos as conversações através do Consórcio Nordeste, já que todos os governadores da região eram progressistas. A parceria com o governo da China indicou, como contraponto, a Universidade da Agricultura da China, que é a maior universidade do mundo em agricultura e é responsável por pesquisas e protótipos de máquinas para a agricultura familiar.
A Universidade da Agricultura da China convocou fábricas para nos fornecer 33 tipos diferentes de máquinas para testarmos. Essas máquinas chegaram em fevereiro deste ano, e, como o Consórcio Nordeste apadrinhou essa primeira parceria, foi nossa obrigação testá-las inicialmente no Nordeste. As máquinas foram desembarcadas lá e usadas em algumas áreas. Depois, as levamos para o Ceará e o Maranhão para serem testadas. Nos próximos dias, antes do final do ano, a universidade fez novos incentivos às fábricas na China, e esperamos a chegada de mais 55 máquinas para testar.
Estamos estabelecendo uma parceria com a Universidade Nacional de Brasília, e essas máquinas serão enviadas para Brasília para testarmos as condições específicas do Cerrado e daquela região do Centro-Oeste. Estamos todos na expectativa para ver que tipo de máquina vai chegar para nós testarmos. Estamos instalando, nesta semana, um sistema de controle das máquinas por satélite. Então, lá dentro da universidade, vai ter um grande computador com painéis, e em cada máquina vai ter, como se fosse, um chip. Por meio deste chip, serão enviadas mensagens via satélite, que chegarão aos computadores lá da universidade, permitindo que possamos controlar o gasto de combustível, quantas horas a máquina trabalha, qual é o seu desempenho e quantos dias choveu na região onde ela está.
Uma joint venture para máquinas agrícolas
O modelo é montar uma nova empresa aqui no Brasil, uma joint venture, onde já dissemos para os chineses que eles poderiam entrar com até 49%. O 51% seria brasileiro, para que a empresa seja nacional. Assim, o 51% brasileiro será uma mescla entre uma cooperativa nossa e uma empresa brasileira que deseja ser sócia, entendeu? E vamos buscar financiamento no BNDES e fundos que possam se interessar. Há alguns dias nos reunimos com a diretoria da empresa Tupi, que é de propriedade da Previ, dos bancários. Eles são os maiores acionistas, portanto, a Tupi virou uma empresa social.
Ela é a maior produtora de motores aqui no Brasil. Os diretores da Tupi se interessaram bastante, pois poderiam entrar como sócios na fábrica e produzir os motores aqui, ao invés de importar motores da China, nós temos capacidade tecnológica de fazer os motores aqui. Outro exemplo é o projeto da fábrica de pequenos tratores em Maricá, onde a prefeitura também vai entrar como sócia, garantindo que os empregos sejam dos moradores de Maricá, o que gerará uma multiplicação de renda no município.
O formato é mais ou menos esse, e estamos exatamente nessa etapa de negociar com as empresas chinesas. 90% delas são estatais, e estamos avaliando quais delas se interessam. E, em dois anos, poderemos, então, estabelecer uma joint venture com eles para fabricar os equipamentos aqui no Brasil. Especificamente, estamos falando do biorreator, que é como uma grande panela de pressão onde você coloca os resíduos orgânicos e as bactérias para funcionar.
As famílias assentadas
Infelizmente, a reforma agrária está parada. Nos 40 anos de luta, conquistamos terra para 450 mil famílias, o que representa em torno de 8 a 9 milhões de hectares, dando uma média de 20 hectares por família. É importante ressaltar que, nessas áreas, na totalidade de 8 milhões de hectares, existem os 30% de reserva legal, o que significa que nem tudo pode ser cultivado. Na sociedade brasileira, ainda há cerca de 3 milhões de famílias sem-terra, que trabalham como assalariados rurais, como meeiros e arrendatários, e que desejariam ter seu próprio espaço. O que falta é a capacidade do MST, dos sindicatos e da CPT de ajudar a organizar esses 3 milhões de pessoas para que ocupem a terra. Se não ocuparem, nenhum governo do mundo se mexe.
No período de Jair Bolsonaro, que ficou para trás, e nos últimos seis anos, incluindo o período de Michel Temer, acumulamos um passivo de famílias que estavam acampadas, e os governos não resolveram essa situação. Esta semana, o INCRA finalizou o cadastro de todos os acampamentos, e atualmente há cerca de 90 mil famílias acampadas no Brasil. Uma parte delas está vinculada ao MST, mas também há muitas famílias ligadas a outros movimentos menores, à CONTAG e aos sindicatos de trabalhadores rurais.
No Mato Grosso do Sul, inclusive, existe um movimento ligado à CUT Rural, que se autodenomina assim, e está acampado na região. Então, temos um passivo, e essa é a nossa luta com o Ministério do Desenvolvimento Agrário agora. Não se pode falar de reforma agrária sem resolver a situação dessas famílias que, somando 2 anos de Temer e 4 anos de Bolsonaro, totalizam 6 anos, e agora já se vão mais 2 de Lula. Isso significa 8 anos acampados esperando.
A maioria dessas famílias está lutando para sobreviver. Algumas conseguem plantar na área ocupada, ainda que de forma ilegal. Outras estão acampadas à beira da estrada, onde conseguem arranjar trabalhos aqui e acolá. Além disso, alguns assentados cedem áreas para que eles trabalhem, mas essa é uma situação completamente insustentável. Não adianta qualquer ação se não resolver os problemas dos acampados, e já dissemos isso ao Lula. Como diria o saudoso José Gomes da Silva, o maior especialista em reforma agrária, que completaria 100 anos este ano, e deu uma entrevista histórica para a revista Teoria e Debate, aqueles que tiverem curiosidade, leiam na Teoria e Debate.
Ele era um homem fantástico, um agrônomo de primeira, tinha uma área aqui em Pirassununga que acho que era de 700 hectares, cultivada de maneira exemplar, e era um defensor da reforma agrária como forma de superação da pobreza. Ele tinha uma expressão sobre a reforma agrária que é genial, quase como uma veia no estilo de Carlito Maia. Ele dizia o seguinte: a reforma agrária é igual à feijoada. Você pode ter toucinho, orelha de porco, o que quiser colocar na panela. Mas, se não tiver feijão, nunca será feijoada.
Na reforma agrária é a mesma coisa; você pode ter um monte de medidas complementares, mas se não tiver terra, não será reforma agrária. Então, essa é a lição: leia a entrevista do José Gomes da Silva que você vai aprender um pouco sobre o que é reforma agrária. Sem desapropriação e sem resolver o problema dos acampados, não se pode falar a respeito da reforma agrária.
Os golpistas
Dessas mentes insanas dos golpistas eu não duvido de nada. Lembremos que ele foi expulso do exército em função do seu comportamento insano. Tenho a biografia auto-entrevistada, pasmem, do general Ernesto Geisel, que foi dada a um historiador da Fundação Getúlio Vargas com uma condição: só publique o livro depois que eu morrer. Assim como tenho a autobiografia daquele outro general que se comportou muito mal durante o governo Lula e depois apoiou Jair Bolsonaro, que nem vou citar, mas ele está lá numa cadeira de rodas.
Quando o general Ernesto Geisel foi perguntado sobre sua opinião a respeito do deputado capitão Jair Bolsonaro, ele disse: “Eu não vou dar pitaco, porque essa pessoa é um desequilibrado mentalmente.” E foi por isso que ele foi expulso do nosso glorioso exército. São pessoas insanas que adotaram como ideologia, cujo responsável é Olavo de Carvalho, o fascismo. O fascismo ao qual me refiro não é um movimento de massas como ocorreu no Japão e na Europa. Aqui, o fascismo se manifesta na ideologia. O fascismo, como ideologia, prega o ódio e a violência na prática política para se chegar ao poder. Assim, esses senhores, do ponto de vista ideológico, são fascistas. Por quê? Porque adotam o ódio e a violência para obter e exercer o poder.
A violência pode ser tentar destruir o seu inimigo. Nós, o povo de esquerda, moralmente, fomos alvo do que eles fizeram com a prisão do Lula. Sergio Moro e a turma da Lava Jato são fascistas, porque usaram a violência para destruir um inimigo. A violência moral. Ah, ele é ladrão, então tem que ir preso. Mas nem era ladrão, nem devia ser preso. Essa é a natureza da violência, que não se limita a atirar. A violência também é desmoralizar publicamente, como fazem com as fake news e as redes sociais. Esse setor tem apoio de outros setores fascistas do mundo.
Refiro-me ao governo de Israel, que sempre apoiou com seus instrumentos. Agora, isso está comprovado, inclusive com a venda de equipamentos para a ABIN, daquele programa Pegasus, e cedendo computadores. Na primeira eleição, os computadores estavam em Taiwan. Na última eleição, circularam informações de que os computadores que apoiaram Jair Bolsonaro estavam em vários países, entre eles a Moldávia, porque a Moldávia não está no Tribunal Penal Internacional.
Assim, escolheram um país que estaria à revelia do sistema judicial mundial. Portanto, está comprovado que os computadores que ajudaram a criar as fake news e que dispararam 80 milhões de mentiras durante a campanha estavam instalados na Moldávia, que, nem sabemos exatamente onde fica, precisamos procurar no mapa para descobrir que parte do mundo é essa. Com uma ideologia fascista que prega o ódio, ou seja, a tensão social permanente, e promove a tensão política como método, pode-se esperar de tudo. Quem está disposto a matar o presidente da república, qualquer um abaixo dele pode ser alvo.
Mas, como eles não adotam a luta de classes nem a correlação de forças como método, é evidente que eles não se consideravam, e nem se consideram, como sujeitos a reações e reações de massa. Nós, do MST, se houvesse um golpe, iríamos reagir. E, certamente, outros setores da esquerda, do PT, do movimento popular e do movimento sindical também reagiram. Ou seja, nós não somos sapos para morrer quietos debaixo da pata do boi, como dizíamos em Lagoa Vermelha, minha terra no Rio Grande do Sul.
As redes sociais
A atuação do MST e a causa da reforma agrária nas redes sociais são geridas pelo nosso setor de comunicação social. Foram eles que receberam o convite para ir ao Flow. Eu nem sabia que existia, porque sou meio alienado nessas coisas, mas eles insistiram: “João Pedro, vá lá, o rapaz não é fascista e se compromete a se comportar republicanamente.” Assim, como decidiu o nosso setor, eu disciplinadamente me submeti e fui lá, claro, acompanhado pelos nossos jornalistas. Tive uma grande surpresa, pois as perguntas foram todas muito sensatas, fui tratado muito bem e, depois, ainda estava aquele clima pré-eleitoral.
Soube que, no total, já chegaram a 5,7 milhões de visualizações. Fiquei até muito grato, porque nenhum outro espaço, exceto no Jornal Nacional, poderia proporcionar tanto alcance. Talvez, quando fui à CPI, a TV Câmara também tenha acompanhado o tempo todo, e parece que isso também resultou em muitas visualizações.
Agora, de maneira geral, é assim que me comporto: eu não tenho uma política pessoal, a política é do MST, mas me somo às teses de que a esquerda precisa difundir suas ideias naquilo que, tradicionalmente, chamávamos de agitação e propaganda. Agitação e propaganda envolvem duas vontades políticas: agitar é denunciar o capitalismo, expor as mazelas e os problemas que o povo enfrenta. Já a propaganda é anunciar qual é a solução para esses problemas, ou seja, defender nosso programa, que no caso do MST é defender a reforma agrária popular, entre outras mudanças. Agora, como é que você faz agitação e propaganda?
A nossa teoria e prática é que não podemos nos limitar a um único veículo; devemos atuar em todas as frentes possíveis. Porém, a primeira delas, que consideramos a forma mais eficaz, é que a melhor maneira de fazer agitação e propaganda é através dos meios culturais, porque é preciso chegar ao coração das pessoas. Não se ganha as pessoas pela lógica racional de um argumento; conquista-se as pessoas pelo coração, pelo sentimento. E como você chega ao sentimento das pessoas? Você chega pela poesia, pela música, pelo teatro, por uma palavra de ordem, algo em que Carlito Maia era especialista.
A realidade das esquerdas
Nas últimas três décadas, estamos vivendo tempos de crise mundial. Há uma crise do capitalismo, que por sorte gera muitas contradições, entre elas a decadência do império estadunidense, a decadência do dólar e a emergência dos BRICs, que é muito importante. Assim, há uma crise do capitalismo e suas consequências. Há também uma crise das esquerdas em geral, porque no fundo, os movimentos de esquerda são originários do período do capitalismo industrial, que tinha a fábrica, o sindicato e o partido operário. Esse mundo do capitalismo industrial ruiu.
Agora, emergiu, e é hegemônico, o capital financeiro, rentista, as grandes multinacionais e o agronegócio. Isso exige uma renovação das esquerdas, pois há uma nova base social que precisa ser construída e que exige novos métodos. Entre esses novos métodos, defendemos sempre a criação de novas articulações internacionais. As articulações que existiam no período anterior, onde partidos só falam com partidos e sindicatos só falam com sindicatos, estão superadas. Precisamos criar grandes articulações internacionais da classe trabalhadora sob a égide de uma unidade, o anti-imperialismo.
O imperialismo está levando a um risco de verdade, inclusive o risco de uma guerra atômica. O imperialismo está provocando genocídio em Gaza, genocídio na Síria, genocídio no Sudão, e não podemos ficar calados. Então nossa unidade mundial deve ser a derrota do império estadunidense. Refiro-me a isso porque nós, do MST e da Via Campesina, fomos contundentes na defesa do governo Maduro e da Venezuela. Por quê? Porque quem é hoje anti-imperialista na América Latina? Poucos governos e poucos países, entre eles, claro, Cuba, que é anti-imperialista há 60 anos, e a Venezuela. Portanto, todos que forem anti-imperialistas, devemos nos somar a eles. Queremos novos espaços de articulação internacional sob a bandeira do anti-imperialismo estadunidense.
* João Pedro Stédile é membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
* Texto estabelecido a partir da entrevista concedida ao portal Focus da Fundação Perseu Abramo.
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