Reproduzo artigo de Maurício Caleiro, publicado no blog “Cinema e outras artes”:
Ontem fiz minha inscrição para o I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas. Alimento uma ansiedade boa em relação ao evento e estou com grande expectativa – creio que será mais do que uma oportunidade de conhecer e confraternizar com outros blogueiros e entusiastas das novas comunicações, mas um evento histórico.
Só o fato de se realizar tal encontro, com uma programação de três dias e reunindo centenas de pessoas, já merece ser saudado como uma prova a mais de que, definitivamente, há uma nova força a se contrapor aos jornalões e grandes corporações midiáticas, com suas manipulações a favor do capital e de seus próprios interesses empresariais.
Desafios e conquistas
É evidente, no entanto, que se trata de uma luta de Davi e Golias. Talvez não nos encontremos mais em uma fase meramente embrionária da comunicação alternativa via web, mas, sendo realista, ainda são incipientes as bases materiais, legais e institucionais que permitiriam a constituição de um sustentáculo à atividade blogueira a médio e longo prazo. Muito precisaremos caminhar para nos consolidar como força capaz de vencer a longa luta da blogosfera por viabilização profissional, segurança jurídica, capacidade de se manter infesa ao poder do grande capital e de resistir contra as tentativas de intimidação e censura, entre outros desafios.
Assim como muitos têm afirmado, tenho a impressão de que o Encontro será o primeiro passo concreto e abrangente para a concepção de ações articuladas para começar a enfrentar de forma objetiva tais demandas. O incansável jornalista Altamiro Borges, dono de um dos melhores blogs de política do pedaço, acrescenta, em entrevista ao site Vermeho, a oportunidade para atacar uma questão premente da blogosfera: “o blog produz muita opinião e pouco conteúdo informativo. Para Miro, trata-se de uma ótima oportunidade para a articulação de uma agência de notícias".
Festa e confraternização
Como se não bastasse a oportunidade de nos unirmos e agir para a melhoria da blogosfera, teremos uma festa de abertura ao som de chorinho, com um grupo comandado por ninguém menos do que Luís Nassif (ao bandolim), com canjas de quem entende do riscado (infelizmente, não é o meu caso...).
Quem está querendo ir e não sabe como fazer para se inscrever, arrumar hotel e passagens em conta, etc., é só clicar no banner grandão lá encima ou aqui, que a minha grande amiga @Maria_Fro (a.k.a. Conceição Oliveira) explica tudim procê, como se diz aqui em Minas!
Miro, Nassif e Frô fazem parte da comissão de organização do evento, que conta ainda com as presenças do prezado Diego Casaes, de Paulo Henrique Amorim, Rodrigo Vianna, Eduardo Guimarães e Luiz Carlos Azenha - todos, desnecessário dizer, de parabéns pela capacidade, persistência e raça para viabilizar o encontro.
Pauta variada
Azenha, aliás, em post sobre suas perspectivas quanto ao encontro, observou, de forma realista e na contramão de análises mais derramadas, que “a blogosfera é muito diversa e é difícil encontrar dois blogueiros que concordem absolutamente sobre um único tema. Por isso, quem imagina que os 200 blogueiros já inscritos vão se submeter a algum tipo de controle, de comando centralizado ou de “ordens superiores” decididamente não conhece a blogosfera”. Para ele, os pontos fundamentais seriam: interação entre blogueiros, troca de informações e de ensinamentos visando aprimorar os blogs, discussão sobre “a viabilidade comercial da blogosfera” e debate acerca das “as ameaças já existentes à blogosfera”.
De minha parte, insisto – pois já abordei o tema aqui - na importância da constituição de um sistema permanente de defesa jurídica para a blogosfera. Não se trata, a meu ver, de mais um tema entre outros de igual importância, mas de uma necessidade premente, pois têm sido recorrentes – e em intervalos cada vez menores - os processos contra blogueiros, uns poucos por descuido próprio (e aí faltou orientação legal sobre que cuidados tomar para exercer jornalismo sem infringir a lei), mas uma maioria como forma de intimidar e calar o escriba.
Que, um dia, tais estratégias venham a tomar a forma de uma ação articulada visando censurar e desarticular a blogosfera - através de uma enxurrada de processos e com as armas do poder econômico - é mera questão de tempo. Arrisco dizer que isso só não aconteceu nas eleições em curso porque, para os agentes do grande capital capazes de financiar tal empreitada, o naufrágio da candidatura da direita se evidenciou muito cedo – muito antes do que as pesquisas eleitorais o detectassem.
A hora é essa!
Essas e outras questões serão certamente debatidas nos três dias de encontro e, ainda que muita polêmica e até algumas discussões devam ocorrer, estou certo de que sairemos de São Paulo mais fortes e com projetos concretos para o aperfeiçoamento e fortalização da blogosfera, que nestas eleições têm mostrado seu tremendo potencial como força de comunicação interativa e livre de interesses corporativos.
Quem ainda não se decidiu, esta é a hora (inscrições só até dia 13/08)!
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domingo, 8 de agosto de 2010
A mídia e o escândalo Lula
Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado no sítio Carta Maior:
Quem olhasse para o Brasil através da imprensa, não conseguiria entender a popularidade do Lula. Foi o que constatou o ex-presidente português Mario Soares, que a essa dicotomia soma a projeção internacional extraordinária do Lula e do Brasil no governo atual e não conseguia entender como a imprensa brasileira não reflete, nem essa imagem internacional, nem o formidável e inédito apoio interno do Lula.
Acontece que Lula não se subordinou ao que as elites tradicionais acreditavam reservar para ele: que fosse eternamente um opositor denuncista, sem capacidade de agregar, de fazer alianças, se construir uma força hegemônica no país. Ficaria ali, isolado, rejeitado, até mesmo como prova da existência de uma oposição – incapaz de deixar de sê-lo.
Quando Lula contornou isso, constituiu um arco de alianças majoritário e triunfou, lhe reservavam o fracasso: ataque especulativo, fuga de capitais, onda de reivindicações, descontrole inflacionário, que levasse a população a suplicar pela volta dos tucanos-pefelistas, enterrando definitivamente a esquerda no Brasil por vinte anos.
Lula contornou esse problema. Aí o medo era de que permanecesse muito tempo, se consolidasse. Reservaram-lhe então o papel de “presidente corrupto”, vitima de campanhas orquestradas pela mídia privada – como em 1964 -, a partir de movimentos como o “Cansei”. Ou o derrubariam por impeachment ou supunham que ele pudesse capitular, não se candidatando de novo, ou que fosse, sangrado pela oposição, ser derrotado nas eleições de 2006. Tinham lhe reservado o destino do presidente solitário no poder, isolado do povo, rejeitado pelos “formadores de opinião”, vitima de mais um desses movimentos que escolhem cores para exibir repudio a governos antidemocráticos e antipopulares.
Lula superou esses obstáculos, conquistou popularidade que nenhum governante tinha conseguido, o povo o apóia. Mas nenhum espaço da mídia expressa esse sentimento popular – o mais difundido no país. O povo não ouve discursos do Lula na televisão, nem no rádio, nem os pode ler nos jornais. Lula não pode falar ao povo, sem a intermediação da mídia privada, que escolhe o que deseja fazer chegar à população. Nunca publica um discurso integral do presidente da republica mais popular que o Brasil já teve. Ao contrário, se opõem frenética e sistematicamente a ele, conquistando e expressando os 3% da população que o rejeita, contra os 82% que o apóiam.
Talvez nada reflita melhor a distância e a contraposição entre os dois países que convivem, um ao lado do outro. Revela como, apesar da moderação do seu governo, sua imagem, sua trajetória, o que ele representa para o povo brasileiro, é algo inassimilável para as elites tradicionais. Essa mesma elite que tinha uma imensa e variada equipe de apologetas de Collor e de FHC, não tolera o fracasso deles e o sucesso nacional e internacional, político e de massas, de um imigrante nordestino, que perdeu um dedo na máquina, como torneiro mecânico, dirigente sindical e um Partido dos Trabalhadores, que não aceitou a capitulação ou a derrota.
Lula é o melhor fenômeno para entender o que é o Brasil hoje, em todas as posições da estrutura social, em todas as dimensões da nossa história. Quase se pode dizer: diga-me o que você acha do Lula e eu te direi quem és.
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Quem olhasse para o Brasil através da imprensa, não conseguiria entender a popularidade do Lula. Foi o que constatou o ex-presidente português Mario Soares, que a essa dicotomia soma a projeção internacional extraordinária do Lula e do Brasil no governo atual e não conseguia entender como a imprensa brasileira não reflete, nem essa imagem internacional, nem o formidável e inédito apoio interno do Lula.
Acontece que Lula não se subordinou ao que as elites tradicionais acreditavam reservar para ele: que fosse eternamente um opositor denuncista, sem capacidade de agregar, de fazer alianças, se construir uma força hegemônica no país. Ficaria ali, isolado, rejeitado, até mesmo como prova da existência de uma oposição – incapaz de deixar de sê-lo.
Quando Lula contornou isso, constituiu um arco de alianças majoritário e triunfou, lhe reservavam o fracasso: ataque especulativo, fuga de capitais, onda de reivindicações, descontrole inflacionário, que levasse a população a suplicar pela volta dos tucanos-pefelistas, enterrando definitivamente a esquerda no Brasil por vinte anos.
Lula contornou esse problema. Aí o medo era de que permanecesse muito tempo, se consolidasse. Reservaram-lhe então o papel de “presidente corrupto”, vitima de campanhas orquestradas pela mídia privada – como em 1964 -, a partir de movimentos como o “Cansei”. Ou o derrubariam por impeachment ou supunham que ele pudesse capitular, não se candidatando de novo, ou que fosse, sangrado pela oposição, ser derrotado nas eleições de 2006. Tinham lhe reservado o destino do presidente solitário no poder, isolado do povo, rejeitado pelos “formadores de opinião”, vitima de mais um desses movimentos que escolhem cores para exibir repudio a governos antidemocráticos e antipopulares.
Lula superou esses obstáculos, conquistou popularidade que nenhum governante tinha conseguido, o povo o apóia. Mas nenhum espaço da mídia expressa esse sentimento popular – o mais difundido no país. O povo não ouve discursos do Lula na televisão, nem no rádio, nem os pode ler nos jornais. Lula não pode falar ao povo, sem a intermediação da mídia privada, que escolhe o que deseja fazer chegar à população. Nunca publica um discurso integral do presidente da republica mais popular que o Brasil já teve. Ao contrário, se opõem frenética e sistematicamente a ele, conquistando e expressando os 3% da população que o rejeita, contra os 82% que o apóiam.
Talvez nada reflita melhor a distância e a contraposição entre os dois países que convivem, um ao lado do outro. Revela como, apesar da moderação do seu governo, sua imagem, sua trajetória, o que ele representa para o povo brasileiro, é algo inassimilável para as elites tradicionais. Essa mesma elite que tinha uma imensa e variada equipe de apologetas de Collor e de FHC, não tolera o fracasso deles e o sucesso nacional e internacional, político e de massas, de um imigrante nordestino, que perdeu um dedo na máquina, como torneiro mecânico, dirigente sindical e um Partido dos Trabalhadores, que não aceitou a capitulação ou a derrota.
Lula é o melhor fenômeno para entender o que é o Brasil hoje, em todas as posições da estrutura social, em todas as dimensões da nossa história. Quase se pode dizer: diga-me o que você acha do Lula e eu te direi quem és.
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A revista Veja e a mídia neofascista
Reproduzo excelente artigo de Tulio Muniz, publicado no Observatório da Imprensa:
Saiu na sexta-feira (30/7) a última pesquisa do Ibope sobre as eleições presidenciais, demonstrando o óbvio: Dilma Rousseff já tem vantagem sobre José Serra para além da margem de erro. Entretanto, será o suficiente para desmontar a miragem que o Datafolha vem criando com seus resultados únicos e originais, contestando todos os demais institutos? Mas, além disso, será suficiente para barrar de vez algo de novo, e de preocupante, em gestação na chamada grande imprensa? Algo que não soa bem ao contexto democrático de um país que passou boa parte do último século sob regimes ditatoriais (de 1930 a 1945 e de 1964 a 1985).
Penso, notadamente, na última edição de Veja, com manchetes do tipo "Índio acerta o alvo", repercutindo a insistência dos candidatos do PSDB, José Serra e Índio da Costa, em centrar fogo na suposta "relação" do PT com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A intenção explícita é tentar ligar o PT com o tráfico de drogas, notadamente no Rio de Janeiro. Índio chegou a dizer em entrevistas que "todo mundo sabe que o PT é ligado às Farc, ligado ao narcotráfico, ligado ao que há de pior. Não tenho dúvida nenhuma disso". Assim como tentaram antes, quando Serra "denunciou" que a relação entre governos de Brasil e Bolívia "facilitaria" o tráfico. Mirando em "alvos" como esses, não compreendem o porquê da queda nas pesquisas?
De fato, parece que os tucanos e a mídia a eles aliada (quase toda a "grande" mídia) estão a perder o senso de realidade. Mas, ainda pior é estarem a forjar um discurso de matiz claramente fascista, e é essa a novidade nefasta. Fascista porque, diferente de outras ocasiões passadas em que carregou contra o governo Lula ou contra Dilma (o "dossiê" da "guerrilheira" na Folha, por exemplo), Veja e afins conclamam uma recusa ao processo democrático ao legitimar miragens como o conluio Farc-PT. Pois ainda há quem acredite nesses veículos informativos, por mais que tenha decrescido sua credibilidade.
Mentalidade pode crescer após as eleições
Em eleições anteriores, o discurso do "medo" já foi adotado, mas por protagonistas da disputa eleitoral, como Regina Duarte, em 2002, ou o presidente da Fiesp, em 1989, que prenunciou o abandono do Brasil pelos empresários caso Lula vencesse. Agora quem irradia o discurso é um conjunto reunindo boa parte da mídia, e não só um veículo isolado, como fez a Veja em 1989 com o "Brizula", quando uma hipotética aliança Brizola-Lula teria potencial para vencer.
O fascismo enquanto discurso de massa adotado por meios de comunicação de circulação nacional jamais emergiu com tamanha recorrência como vemos agora acontecer. E isso quando partidos assumidamente fascistas ascendem aos governos de vários países europeus (Holanda, Hungria, Itália etc). E mesmo em países onde residem governos de centro-esquerda, como Portugal e Espanha, se passa o que Boaventura Santos chama de "fascismo social" que, resumidamente, é quando o próprio Estado despromove conquistas sociais importantes, como direito universal à saúde, educação, subsídios-desemprego etc.
Convém lembrar que, cá no Brasil, persiste uma certa mentalidade de classe média que se refere a programas sociais europeus como "conquistas históricas" (e são, por mais agonizantes que estejam), mas encara congêneres como o Bolsa Família como "assistencialismo", "demagogia". Essa "classe média" certamente é o que a mídia neofascista quer espoletar e jogar contra o governo e sua candidata. Uma coisa é reconhecer que, por ora, tal estratégia não surte efeito, mas outra é dizer que tal mentalidade não é latente e que não pode vir a crescer após as eleições, seja quem for o vencedor.
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Saiu na sexta-feira (30/7) a última pesquisa do Ibope sobre as eleições presidenciais, demonstrando o óbvio: Dilma Rousseff já tem vantagem sobre José Serra para além da margem de erro. Entretanto, será o suficiente para desmontar a miragem que o Datafolha vem criando com seus resultados únicos e originais, contestando todos os demais institutos? Mas, além disso, será suficiente para barrar de vez algo de novo, e de preocupante, em gestação na chamada grande imprensa? Algo que não soa bem ao contexto democrático de um país que passou boa parte do último século sob regimes ditatoriais (de 1930 a 1945 e de 1964 a 1985).
Penso, notadamente, na última edição de Veja, com manchetes do tipo "Índio acerta o alvo", repercutindo a insistência dos candidatos do PSDB, José Serra e Índio da Costa, em centrar fogo na suposta "relação" do PT com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A intenção explícita é tentar ligar o PT com o tráfico de drogas, notadamente no Rio de Janeiro. Índio chegou a dizer em entrevistas que "todo mundo sabe que o PT é ligado às Farc, ligado ao narcotráfico, ligado ao que há de pior. Não tenho dúvida nenhuma disso". Assim como tentaram antes, quando Serra "denunciou" que a relação entre governos de Brasil e Bolívia "facilitaria" o tráfico. Mirando em "alvos" como esses, não compreendem o porquê da queda nas pesquisas?
De fato, parece que os tucanos e a mídia a eles aliada (quase toda a "grande" mídia) estão a perder o senso de realidade. Mas, ainda pior é estarem a forjar um discurso de matiz claramente fascista, e é essa a novidade nefasta. Fascista porque, diferente de outras ocasiões passadas em que carregou contra o governo Lula ou contra Dilma (o "dossiê" da "guerrilheira" na Folha, por exemplo), Veja e afins conclamam uma recusa ao processo democrático ao legitimar miragens como o conluio Farc-PT. Pois ainda há quem acredite nesses veículos informativos, por mais que tenha decrescido sua credibilidade.
Mentalidade pode crescer após as eleições
Em eleições anteriores, o discurso do "medo" já foi adotado, mas por protagonistas da disputa eleitoral, como Regina Duarte, em 2002, ou o presidente da Fiesp, em 1989, que prenunciou o abandono do Brasil pelos empresários caso Lula vencesse. Agora quem irradia o discurso é um conjunto reunindo boa parte da mídia, e não só um veículo isolado, como fez a Veja em 1989 com o "Brizula", quando uma hipotética aliança Brizola-Lula teria potencial para vencer.
O fascismo enquanto discurso de massa adotado por meios de comunicação de circulação nacional jamais emergiu com tamanha recorrência como vemos agora acontecer. E isso quando partidos assumidamente fascistas ascendem aos governos de vários países europeus (Holanda, Hungria, Itália etc). E mesmo em países onde residem governos de centro-esquerda, como Portugal e Espanha, se passa o que Boaventura Santos chama de "fascismo social" que, resumidamente, é quando o próprio Estado despromove conquistas sociais importantes, como direito universal à saúde, educação, subsídios-desemprego etc.
Convém lembrar que, cá no Brasil, persiste uma certa mentalidade de classe média que se refere a programas sociais europeus como "conquistas históricas" (e são, por mais agonizantes que estejam), mas encara congêneres como o Bolsa Família como "assistencialismo", "demagogia". Essa "classe média" certamente é o que a mídia neofascista quer espoletar e jogar contra o governo e sua candidata. Uma coisa é reconhecer que, por ora, tal estratégia não surte efeito, mas outra é dizer que tal mentalidade não é latente e que não pode vir a crescer após as eleições, seja quem for o vencedor.
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Serra e a geopolítica do crepúsculo
Reproduzo artigo de Gilson Caroni Filho, publicado no sítio Carta Maior:
Fala-se que a política externa de um país é a expressão de sua política interna, da dinâmica de forças sociais que expressam um projeto de inserção no cenário mundial. Se for assim, como devem ser vistas as críticas de setores neoliberais que, em sintonia com a retórica de britânicos e estadunidenses, classificam-na como desastrosa, “sem uma avaliação adequada de nossas possibilidades e reais interesses"? A questão é importante, pois revela que, em uma eventual vitória da oposição na eleição de outubro, o Brasil sofrerá um processo de continuidade nessa área. Um lamentável retorno a teses e conceitos de uma geopolítica de vice-reinado.
As declarações de ex-chanceleres do governo FHC denunciam, com toda a clareza possível, a natureza e orientação da subalternidade planejada. Seríamos reduzidos a uma máquina de segurança mercadológica dos produtos exportáveis, relegando a meras cerimônias aspectos substantivos que, nos últimos oito anos, passaram a refletir um país democrático e maduro.
A integração regional soberana daria lugar ao antigo alinhamento com o capitalismo central, recolocando o país no segundo plano do jogo internacional das nações. As diretrizes e os meios de ação desse retrocesso são esboçados no discurso de José Serra e na linha editorial das corporações midiáticas que lhe dão sustentação.
O objetivo é continuar silenciando inspirações e práticas brilhantes que têm origem no pensamento altivo de Araujo Castro e San Thiago Dantas, entre outros. O Itamaraty, como lugar ideal de formulação e execução de políticas soberanas não é compatível com o ideário mercantil dos velhos sedimentos estamentais.
Convém lembrar a história do Brasil, em particular, sua independência. A ruptura dos laços com a metrópole portuguesa, sob o bafejo do capital inglês, não redundou na criação de um Estado nacional de corte burguês. Antes, permitiu que uma oligarquia fundiária e escravocrata articulasse um tipo de dominação senhorial que impôs à emergente sociedade brasileira uma superestrutura política, liquidada apenas no século XX.
A estratégia das nossas elites, desde então, operou no sentido de frustrar a democratização social, realizando a exclusão do povo da cena pública. A construção do Estado Nacional, entre nós, realizou-se sistematicamente com o controle e a manipulação, pelo alto, da intervenção popular. Mesmo as mais notáveis inflexões no processo de constituição e desenvolvimento desse Estado não conseguiram reverter essa tendência. Aliás, todas as vezes em que a ameaça de reversão se fez sentir, como em 1964, as classes dominantes não hesitaram em recorrer à violência.
É por tudo isso que o discurso da direita deve merecer uma atenção especial. Mais do que nunca é preciso motivar a reflexão e a análise de todos. A integridade e a soberania nacional só se fundem em um Estado que expresse os interesses da maioria dos seus cidadãos. Ainda recente e inconclusa, a superação das mais sérias patologias de nossa formação histórica tem sido pedagógica. Aprendemos, em pouco tempo, que a independência de um país só pode se fundamentar na legitimidade do seu regime político e na participação social dos setores organizados.
A política externa multilateralista do governo Lula, por afirmar interesses nacionais, amplia áreas de atrito com grandes potências. Por isso mesmo é alvo da "retórica do medo", por parte dos que advogam o retorno do alinhamento incondicional com os Estados Unidos, Europa e Japão.
Como os caminhos da política externa são indissociáveis dos rumos das opções internas, ficam claras as marcas constitutivas das frações de classe que apóia a candidatura de José Serra: subalternidade nas relações internacionais e retomada, no âmbito interno, de políticas excludentes. Nas frestas de velhos pactos coloniais, o retrocesso sempre se apresenta como crepúsculo e destino.
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Fala-se que a política externa de um país é a expressão de sua política interna, da dinâmica de forças sociais que expressam um projeto de inserção no cenário mundial. Se for assim, como devem ser vistas as críticas de setores neoliberais que, em sintonia com a retórica de britânicos e estadunidenses, classificam-na como desastrosa, “sem uma avaliação adequada de nossas possibilidades e reais interesses"? A questão é importante, pois revela que, em uma eventual vitória da oposição na eleição de outubro, o Brasil sofrerá um processo de continuidade nessa área. Um lamentável retorno a teses e conceitos de uma geopolítica de vice-reinado.
As declarações de ex-chanceleres do governo FHC denunciam, com toda a clareza possível, a natureza e orientação da subalternidade planejada. Seríamos reduzidos a uma máquina de segurança mercadológica dos produtos exportáveis, relegando a meras cerimônias aspectos substantivos que, nos últimos oito anos, passaram a refletir um país democrático e maduro.
A integração regional soberana daria lugar ao antigo alinhamento com o capitalismo central, recolocando o país no segundo plano do jogo internacional das nações. As diretrizes e os meios de ação desse retrocesso são esboçados no discurso de José Serra e na linha editorial das corporações midiáticas que lhe dão sustentação.
O objetivo é continuar silenciando inspirações e práticas brilhantes que têm origem no pensamento altivo de Araujo Castro e San Thiago Dantas, entre outros. O Itamaraty, como lugar ideal de formulação e execução de políticas soberanas não é compatível com o ideário mercantil dos velhos sedimentos estamentais.
Convém lembrar a história do Brasil, em particular, sua independência. A ruptura dos laços com a metrópole portuguesa, sob o bafejo do capital inglês, não redundou na criação de um Estado nacional de corte burguês. Antes, permitiu que uma oligarquia fundiária e escravocrata articulasse um tipo de dominação senhorial que impôs à emergente sociedade brasileira uma superestrutura política, liquidada apenas no século XX.
A estratégia das nossas elites, desde então, operou no sentido de frustrar a democratização social, realizando a exclusão do povo da cena pública. A construção do Estado Nacional, entre nós, realizou-se sistematicamente com o controle e a manipulação, pelo alto, da intervenção popular. Mesmo as mais notáveis inflexões no processo de constituição e desenvolvimento desse Estado não conseguiram reverter essa tendência. Aliás, todas as vezes em que a ameaça de reversão se fez sentir, como em 1964, as classes dominantes não hesitaram em recorrer à violência.
É por tudo isso que o discurso da direita deve merecer uma atenção especial. Mais do que nunca é preciso motivar a reflexão e a análise de todos. A integridade e a soberania nacional só se fundem em um Estado que expresse os interesses da maioria dos seus cidadãos. Ainda recente e inconclusa, a superação das mais sérias patologias de nossa formação histórica tem sido pedagógica. Aprendemos, em pouco tempo, que a independência de um país só pode se fundamentar na legitimidade do seu regime político e na participação social dos setores organizados.
A política externa multilateralista do governo Lula, por afirmar interesses nacionais, amplia áreas de atrito com grandes potências. Por isso mesmo é alvo da "retórica do medo", por parte dos que advogam o retorno do alinhamento incondicional com os Estados Unidos, Europa e Japão.
Como os caminhos da política externa são indissociáveis dos rumos das opções internas, ficam claras as marcas constitutivas das frações de classe que apóia a candidatura de José Serra: subalternidade nas relações internacionais e retomada, no âmbito interno, de políticas excludentes. Nas frestas de velhos pactos coloniais, o retrocesso sempre se apresenta como crepúsculo e destino.
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O dia em que a ‘Veja’ sumiu
Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no blog Cidadania:
Sábado, 7 de agosto de 2010, 8h30m. Desjejuo e vou à banca de jornal da esquina para começar a cumprir promessa que fiz aos meus leitores de reproduzir para eles o direito de resposta que o PT conseguiu na Justiça Eleitoral contra a revista “Veja” por esta ter endossado acusação sem provas de Índio da Costa, candidato a vice-presidente na chapa de José Serra. Índio afirmou que o partido adversário é ligado ao “narcotráfico”.
Às nove horas da manhã, a Veja ainda não havia chegado à banca de jornal da “loja de conveniência” do posto de gasolina da esquina da rua em que resido. Vale anotar que resido na região urbana do país que concentra o maior coeficiente de leitores da Veja por quilômetro quadrado, pois minha residência fica a três quadras da avenida Paulista.
Como a banca de jornais e revistas que fica na tal “loja de conveniência” não é exatamente uma banca de jornal decidi andar uma quadra mais, até a banca de fato na próxima esquina. “A Veja ainda não chegou; está atrasada”, disse-me a senhora oriental de óculos.
Aqui embaixo, a algumas quadras da avenida Paulista, as revistas e jornais chegam mesmo mais tarde, mas na Avenida deveria conseguir um exemplar da Veja porque a região em que resido é onde as distribuidoras de jornais e revistas primeiro despejam publicações do mundo inteiro. Decido radicalizar, portanto. Irei a uma das bancas mais sortidas do país.
Fica na esquina da Alameda Santos com a Doutor Rafael de Barros, no bairro do Paraíso, onde resido. Pode-se comprar jornais e revistas do mundo inteiro, ali. Das publicações nacionais, então, nem se fala. Há de tudo. É uma particularidade desta região devido a ela receber intenso turismo de negócios oriundo dos quatro cantos da Terra. Trata-se da região mais cosmopolita do Brasil.
Já eram 10h45m de sábado e nada da Veja nas bancas. Já percorrera umas 14 bancas de jornal. Aquela mais sortida, que mencionei acima, informou-me que a revista costuma chegar às 9 horas, mas, neste sábado, recebera a visita de um motoqueiro dizendo que a entrega da revista iria “atrasar”.
Volto para casa porque a minha senhora me comunicara que desejava ir fazer compras comigo, para variar, de forma que decidi esperar um pouco mais para relatar a caça à Veja, que só acabou aportando a uma banca ao lado da estação Paraíso do metrô por volta das 12h17m. O vendedor da banca me informou que chegara havia “meia hora”, mas que não recebera visita nenhuma avisando do atraso.
Segundo informações do Portal Vermelho, “Por unanimidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou, na noite desta quinta-feira (5), o recurso da revista Veja contra decisão do próprio TSE que, na segunda-feira (2), assegurou direito de resposta para o PT e sua candidata a presidente da República, Dilma Rousseff. O TSE entendeu que a publicação extrapolou o limite da informação ao publicar a matéria ‘Indio acertou o alvo’”.
Folheei avidamente a revista em busca do direito de resposta do PT e do que a revista diria sobre o fato. Após uma avalanche de publicidade, fui encontrar a nota na página 80, duas páginas depois do centro da revista.
A redação da nota do PT que encontrei foi a aprovada pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral depois de este ter rejeitado redação inicial. Foi publicada no centro de uma página em branco, contendo uma margem delineada em traço preto e, no canto inferior esquerdo, a seguinte legenda: 80 / 11 de agosto, 2010 / VEJA
Abaixo, o teor da nota “Direito de Resposta” que o PT obrigou a Veja na Justiça a publicar em sua edição impressa de número 2177, duas semanas após a divulgação ilegal de acusação ao PT de ser um partido de traficantes.
Ao reproduzir declarações de candidato a vice-presidente, a revista endossa e amplifica ofensas ao PT que foram objeto de sanção da Justiça Eleitoral ao PSDB.
Em defesa de sua honra, de seus dirigentes, filiados e militantes, e em respeito à população brasileira, que tem o direito de ser cofrretamente informada, o Partido dos Trabalhadores vem desfazer inverdades publicadas pela revista Veja, na Edição 2.175.
O PT é um partido político democrático, registrado desde 1980 no Tribunal Superior Eleitoral, que defende a Constituição e cumpre rigorosamente a lei.
O PT condena o terrorismo, repudia a violência, pratica e defende a via democrática para a solução de conflitos.
As relações do PT com partidos políticos de diversos outros países são pautadas pela busca da cooperação entre os povos e pela construção da paz mundial.
O repúdio ao narcotráfico, que corrói a juventude, atemoriza a população e corrompe a sociedade, é parte constitutiva do ideário e da prática do PT desde a fundação do partido.
O PT combate com firmeza o narcotráfico e o crime organizado, por meio de sua representação no Poder Legislativo, de suas administrações municipais, estaduais e, especialmente, na Presidência da República.
Ao longo de sua existência, o PT demonstrou que não transige com o crime nem se relaciona com o narcotráfico. Afirmar o contrário, como fez a revista Veja, é transigir com a verdade.
Veja comenta a nota na página ao lado, de número 81, com foto do plenário do Tribunal Superior Eleitoral. A matéria vai até a página 82. O título é “A resposta do direito”. No texto, a revista tenta atribuir alguma inconstitucionalidade à decisão da Justiça Eleitoral, previsivelmente tentando caracterizar como censura o direito que o PT exerceu de dar a sua versão sobre uma acusação sem provas que lhe foi feita.
Em seguida, Veja enumera os membros do TSE que votaram desta ou daquela forma e reproduz o que chama de “repercussão”, que nada mais é do que uma seleção de juristas e advogados amigos escalados para sustentar o ponto de vista que a Justiça Eleitoral rejeitou ao dar razão à queixa do PT, como não poderia deixar de ser diante de ataque tão baixo.
O que resta dos fatos que relatei é que julgo que a Justiça Eleitoral deveria auditar a distribuição da edição de número 2.177 da revista Veja, datada previamente, na capa da publicação, como sendo de 11 de agosto, apesar de ter chegado às bancas quatro dias antes, o que é uma estratégia para tornar a revista “atual” fraudulentamente, pois as informações ali contidas já terão envelhecido na data anunciada.
Não deveria haver motivo para a distribuição da revista se atrasar, haja vista que a decisão do TSE sobre o recurso da Veja aconteceu na quinta-feira. Os vendedores das bancas de jornal com os quais conversei durante a via crúcis que fiz para encontrar publicação pela qual despendi exorbitantes R$ 8,90, disseram-me que não se lembravam de a entrega dessa revista ter se atrasado assim anteriormente…
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Sábado, 7 de agosto de 2010, 8h30m. Desjejuo e vou à banca de jornal da esquina para começar a cumprir promessa que fiz aos meus leitores de reproduzir para eles o direito de resposta que o PT conseguiu na Justiça Eleitoral contra a revista “Veja” por esta ter endossado acusação sem provas de Índio da Costa, candidato a vice-presidente na chapa de José Serra. Índio afirmou que o partido adversário é ligado ao “narcotráfico”.
Às nove horas da manhã, a Veja ainda não havia chegado à banca de jornal da “loja de conveniência” do posto de gasolina da esquina da rua em que resido. Vale anotar que resido na região urbana do país que concentra o maior coeficiente de leitores da Veja por quilômetro quadrado, pois minha residência fica a três quadras da avenida Paulista.
Como a banca de jornais e revistas que fica na tal “loja de conveniência” não é exatamente uma banca de jornal decidi andar uma quadra mais, até a banca de fato na próxima esquina. “A Veja ainda não chegou; está atrasada”, disse-me a senhora oriental de óculos.
Aqui embaixo, a algumas quadras da avenida Paulista, as revistas e jornais chegam mesmo mais tarde, mas na Avenida deveria conseguir um exemplar da Veja porque a região em que resido é onde as distribuidoras de jornais e revistas primeiro despejam publicações do mundo inteiro. Decido radicalizar, portanto. Irei a uma das bancas mais sortidas do país.
Fica na esquina da Alameda Santos com a Doutor Rafael de Barros, no bairro do Paraíso, onde resido. Pode-se comprar jornais e revistas do mundo inteiro, ali. Das publicações nacionais, então, nem se fala. Há de tudo. É uma particularidade desta região devido a ela receber intenso turismo de negócios oriundo dos quatro cantos da Terra. Trata-se da região mais cosmopolita do Brasil.
Já eram 10h45m de sábado e nada da Veja nas bancas. Já percorrera umas 14 bancas de jornal. Aquela mais sortida, que mencionei acima, informou-me que a revista costuma chegar às 9 horas, mas, neste sábado, recebera a visita de um motoqueiro dizendo que a entrega da revista iria “atrasar”.
Volto para casa porque a minha senhora me comunicara que desejava ir fazer compras comigo, para variar, de forma que decidi esperar um pouco mais para relatar a caça à Veja, que só acabou aportando a uma banca ao lado da estação Paraíso do metrô por volta das 12h17m. O vendedor da banca me informou que chegara havia “meia hora”, mas que não recebera visita nenhuma avisando do atraso.
Segundo informações do Portal Vermelho, “Por unanimidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou, na noite desta quinta-feira (5), o recurso da revista Veja contra decisão do próprio TSE que, na segunda-feira (2), assegurou direito de resposta para o PT e sua candidata a presidente da República, Dilma Rousseff. O TSE entendeu que a publicação extrapolou o limite da informação ao publicar a matéria ‘Indio acertou o alvo’”.
Folheei avidamente a revista em busca do direito de resposta do PT e do que a revista diria sobre o fato. Após uma avalanche de publicidade, fui encontrar a nota na página 80, duas páginas depois do centro da revista.
A redação da nota do PT que encontrei foi a aprovada pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral depois de este ter rejeitado redação inicial. Foi publicada no centro de uma página em branco, contendo uma margem delineada em traço preto e, no canto inferior esquerdo, a seguinte legenda: 80 / 11 de agosto, 2010 / VEJA
Abaixo, o teor da nota “Direito de Resposta” que o PT obrigou a Veja na Justiça a publicar em sua edição impressa de número 2177, duas semanas após a divulgação ilegal de acusação ao PT de ser um partido de traficantes.
Ao reproduzir declarações de candidato a vice-presidente, a revista endossa e amplifica ofensas ao PT que foram objeto de sanção da Justiça Eleitoral ao PSDB.
Em defesa de sua honra, de seus dirigentes, filiados e militantes, e em respeito à população brasileira, que tem o direito de ser cofrretamente informada, o Partido dos Trabalhadores vem desfazer inverdades publicadas pela revista Veja, na Edição 2.175.
O PT é um partido político democrático, registrado desde 1980 no Tribunal Superior Eleitoral, que defende a Constituição e cumpre rigorosamente a lei.
O PT condena o terrorismo, repudia a violência, pratica e defende a via democrática para a solução de conflitos.
As relações do PT com partidos políticos de diversos outros países são pautadas pela busca da cooperação entre os povos e pela construção da paz mundial.
O repúdio ao narcotráfico, que corrói a juventude, atemoriza a população e corrompe a sociedade, é parte constitutiva do ideário e da prática do PT desde a fundação do partido.
O PT combate com firmeza o narcotráfico e o crime organizado, por meio de sua representação no Poder Legislativo, de suas administrações municipais, estaduais e, especialmente, na Presidência da República.
Ao longo de sua existência, o PT demonstrou que não transige com o crime nem se relaciona com o narcotráfico. Afirmar o contrário, como fez a revista Veja, é transigir com a verdade.
Veja comenta a nota na página ao lado, de número 81, com foto do plenário do Tribunal Superior Eleitoral. A matéria vai até a página 82. O título é “A resposta do direito”. No texto, a revista tenta atribuir alguma inconstitucionalidade à decisão da Justiça Eleitoral, previsivelmente tentando caracterizar como censura o direito que o PT exerceu de dar a sua versão sobre uma acusação sem provas que lhe foi feita.
Em seguida, Veja enumera os membros do TSE que votaram desta ou daquela forma e reproduz o que chama de “repercussão”, que nada mais é do que uma seleção de juristas e advogados amigos escalados para sustentar o ponto de vista que a Justiça Eleitoral rejeitou ao dar razão à queixa do PT, como não poderia deixar de ser diante de ataque tão baixo.
O que resta dos fatos que relatei é que julgo que a Justiça Eleitoral deveria auditar a distribuição da edição de número 2.177 da revista Veja, datada previamente, na capa da publicação, como sendo de 11 de agosto, apesar de ter chegado às bancas quatro dias antes, o que é uma estratégia para tornar a revista “atual” fraudulentamente, pois as informações ali contidas já terão envelhecido na data anunciada.
Não deveria haver motivo para a distribuição da revista se atrasar, haja vista que a decisão do TSE sobre o recurso da Veja aconteceu na quinta-feira. Os vendedores das bancas de jornal com os quais conversei durante a via crúcis que fiz para encontrar publicação pela qual despendi exorbitantes R$ 8,90, disseram-me que não se lembravam de a entrega dessa revista ter se atrasado assim anteriormente…
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A FLIP consagra a cultura do espetáculo
Reproduzo artigo de Breno Altman, publicado no sítio Opera Mundi:
A Festa Literária Internacional de Paraty, que realiza sua oitava edição entre 4 e 8 de agosto, transformou-se em acontecimento marcante da vida cultural brasileira. Considerada um dos principais festivais mundiais do gênero, atrai milhares de participantes, atenção da imprensa e convidados ilustres. Nas devidas proporções, é um pequeno Woodstock das letras, que anualmente toma de assalto a aprazível cidade fluminense.
Apesar dos perrengues, pois a infraestrutura do município-sede costuma sucumbir ao excesso de visitantes, a diversão é garantida. Quem gosta de livros e ideias tem a chance de conviver com uma penca de bons autores e usufruir de opiniões sobre os mais diversos assuntos. Não é todo dia, afinal, que intelectuais renomados descem à planície e transitam entre o distinto público.
Mas há outras abordagens possíveis sobre a FLIP, além do entretenimento. Uma delas, quase irresistível, é comparar atividades nas quais essa intelectualidade antes se envolvia com seu papel atual, na era do avassalador predomínio da indústria cultural. A acareação talvez seja ilustrativa da reviravolta de sua função social após a crise dos projetos-mundo, no poente da Guerra Fria.
Escritores e artistas normalmente se reuniam, até então, para se posicionar diante de situações que alarmavam a sociedade e afetavam o mundo da cultura. Suas ferramentas eram congressos, simpósios e conferências que articulavam os intelectuais como agente coletivo. Os produtos dessas iniciativas - resoluções, manifestos ou declarações - buscavam a comunicação com outros setores sociais. O objetivo era utilizar talento e prestígio para construir vontades públicas.
Os exemplos brasileiros mais conhecidos, nesta lógica, foram o I Congresso Brasileiro de Escritores (1945) e as diversas reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência durante os anos 70. Mas são inúmeros os eventos que, durante décadas, expressavam o esforço autônomo da intelectualidade para forjar conexões com a sociedade, vertebrados por entidades representativas.
Marketing como ciência
Mesmo movimentos de ordem estética, como a Semana de Arte Moderna (1922), cuja estrutura era semelhante a um festival, faziam parte do reposicionamento político-cultural e procuravam um discurso criativo que se fundisse a determinados programas de país. Esse também foi o caso dos Centros Populares de Cultura, do Cinema Novo e do Tropicalismo, para falarmos de outras experiências notórias.
A intelectualidade e os artistas eram, como hoje, produtores de bens culturais, inseridos no mercado e concentrados em conseguir o ganha-pão através da comercialização de suas obras. Mas a esfera de cidadania, política ou estética, era razoavelmente protegida contra o assédio das razões mercantis, graças a uma rede de instituições estatais, partidárias e associativas que respaldava a cultura orgânica.
No entanto, o predomínio das ideias liberais, chancelado com o colapso do socialismo no Leste Europeu, foi limando essa blindagem e criando as condições para que o mercado estendesse seus tentáculos sobre espaços outrora salvaguardados. Apenas deveriam sobreviver criações que pudessem ser transformadas em mercadoria rentável, submetidas à lógica do espetáculo e regidas pelas normas do marketing, a principal ciência social dos novos tempos.
Darwinismo cultural
Ainda que diversas organizações, ligadas à arte e à ciência, continuem a promover encontros relevantes, essas realizações são cada vez menos divulgadas pela imprensa. O jornalismo cultural, aos poucos, também terminou capturado pelos interesses empresariais, que demandam aval midiático para acelerar a rotação de seus estoques.
O ímpeto dessa mudança mergulhou artistas e intelectuais em uma espécie de darwinismo cultural, marcado pelo medo de sucumbir em um ambiente no qual somente os escolhidos pelo mercado poderiam sobreviver. A competição e o individualismo derivados desse temor acomodatício acabaram por minar formas coletivas de organização e a própria integração da intelectualidade ao processo histórico.
Assim chegamos à FLIP. No lugar de entidades do ramo, o comando cabe a uma organização não-governamental alimentada com recursos de editoras e seus patrocinadores. Os escritores, de protagonistas, viraram atração. Cada autor ou cada patota em seu quadrado, opiniões e inspirações são exibidas à assistência, e acaba por aí a sinergia com os plebeus.
Casamata do liberalismo
Tudo é bem pensado. Não há estandes emporcalhando as ruas de Paraty. O festival é como um showroom a céu aberto: os produtores e suas obras podem ser vistos, ouvidos e tocados, mas não comprados. O mercado toma conta da cultura, porém preserva seu verniz de forma elegante, de tal sorte que os diletos visitantes não se sintam consumidores, mas personagens.
O simbólico dessa edição da FLIP talvez esteja no convite a Fernando Henrique Cardoso para fazer a palestra de abertura. Um dos maiores intelectuais da história brasileira, antigo cardeal do pensamento crítico, havia antes se convertido em presidente da República para fazer reformas pleiteadas por forças de mercado. Na feira de Paraty, colocou sua biografia e inteligência a serviço da indústria cultural.
O país vive mudanças econômicas, sociais e até políticas de relevância. A duras penas, a soberania pública tenta recuperar o terreno perdido ao espaço privado nos anos 90. Mas o mundo da cultura, cujo centro de gravidade deslocou-se para o eixo formado por empresas e mídia, aparece ironicamente como casamata de um liberalismo agonizante. Ainda que, nas calçadas paratienses, esse conservadorismo moderno transborde de charme, beleza e erudição.
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A Festa Literária Internacional de Paraty, que realiza sua oitava edição entre 4 e 8 de agosto, transformou-se em acontecimento marcante da vida cultural brasileira. Considerada um dos principais festivais mundiais do gênero, atrai milhares de participantes, atenção da imprensa e convidados ilustres. Nas devidas proporções, é um pequeno Woodstock das letras, que anualmente toma de assalto a aprazível cidade fluminense.
Apesar dos perrengues, pois a infraestrutura do município-sede costuma sucumbir ao excesso de visitantes, a diversão é garantida. Quem gosta de livros e ideias tem a chance de conviver com uma penca de bons autores e usufruir de opiniões sobre os mais diversos assuntos. Não é todo dia, afinal, que intelectuais renomados descem à planície e transitam entre o distinto público.
Mas há outras abordagens possíveis sobre a FLIP, além do entretenimento. Uma delas, quase irresistível, é comparar atividades nas quais essa intelectualidade antes se envolvia com seu papel atual, na era do avassalador predomínio da indústria cultural. A acareação talvez seja ilustrativa da reviravolta de sua função social após a crise dos projetos-mundo, no poente da Guerra Fria.
Escritores e artistas normalmente se reuniam, até então, para se posicionar diante de situações que alarmavam a sociedade e afetavam o mundo da cultura. Suas ferramentas eram congressos, simpósios e conferências que articulavam os intelectuais como agente coletivo. Os produtos dessas iniciativas - resoluções, manifestos ou declarações - buscavam a comunicação com outros setores sociais. O objetivo era utilizar talento e prestígio para construir vontades públicas.
Os exemplos brasileiros mais conhecidos, nesta lógica, foram o I Congresso Brasileiro de Escritores (1945) e as diversas reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência durante os anos 70. Mas são inúmeros os eventos que, durante décadas, expressavam o esforço autônomo da intelectualidade para forjar conexões com a sociedade, vertebrados por entidades representativas.
Marketing como ciência
Mesmo movimentos de ordem estética, como a Semana de Arte Moderna (1922), cuja estrutura era semelhante a um festival, faziam parte do reposicionamento político-cultural e procuravam um discurso criativo que se fundisse a determinados programas de país. Esse também foi o caso dos Centros Populares de Cultura, do Cinema Novo e do Tropicalismo, para falarmos de outras experiências notórias.
A intelectualidade e os artistas eram, como hoje, produtores de bens culturais, inseridos no mercado e concentrados em conseguir o ganha-pão através da comercialização de suas obras. Mas a esfera de cidadania, política ou estética, era razoavelmente protegida contra o assédio das razões mercantis, graças a uma rede de instituições estatais, partidárias e associativas que respaldava a cultura orgânica.
No entanto, o predomínio das ideias liberais, chancelado com o colapso do socialismo no Leste Europeu, foi limando essa blindagem e criando as condições para que o mercado estendesse seus tentáculos sobre espaços outrora salvaguardados. Apenas deveriam sobreviver criações que pudessem ser transformadas em mercadoria rentável, submetidas à lógica do espetáculo e regidas pelas normas do marketing, a principal ciência social dos novos tempos.
Darwinismo cultural
Ainda que diversas organizações, ligadas à arte e à ciência, continuem a promover encontros relevantes, essas realizações são cada vez menos divulgadas pela imprensa. O jornalismo cultural, aos poucos, também terminou capturado pelos interesses empresariais, que demandam aval midiático para acelerar a rotação de seus estoques.
O ímpeto dessa mudança mergulhou artistas e intelectuais em uma espécie de darwinismo cultural, marcado pelo medo de sucumbir em um ambiente no qual somente os escolhidos pelo mercado poderiam sobreviver. A competição e o individualismo derivados desse temor acomodatício acabaram por minar formas coletivas de organização e a própria integração da intelectualidade ao processo histórico.
Assim chegamos à FLIP. No lugar de entidades do ramo, o comando cabe a uma organização não-governamental alimentada com recursos de editoras e seus patrocinadores. Os escritores, de protagonistas, viraram atração. Cada autor ou cada patota em seu quadrado, opiniões e inspirações são exibidas à assistência, e acaba por aí a sinergia com os plebeus.
Casamata do liberalismo
Tudo é bem pensado. Não há estandes emporcalhando as ruas de Paraty. O festival é como um showroom a céu aberto: os produtores e suas obras podem ser vistos, ouvidos e tocados, mas não comprados. O mercado toma conta da cultura, porém preserva seu verniz de forma elegante, de tal sorte que os diletos visitantes não se sintam consumidores, mas personagens.
O simbólico dessa edição da FLIP talvez esteja no convite a Fernando Henrique Cardoso para fazer a palestra de abertura. Um dos maiores intelectuais da história brasileira, antigo cardeal do pensamento crítico, havia antes se convertido em presidente da República para fazer reformas pleiteadas por forças de mercado. Na feira de Paraty, colocou sua biografia e inteligência a serviço da indústria cultural.
O país vive mudanças econômicas, sociais e até políticas de relevância. A duras penas, a soberania pública tenta recuperar o terreno perdido ao espaço privado nos anos 90. Mas o mundo da cultura, cujo centro de gravidade deslocou-se para o eixo formado por empresas e mídia, aparece ironicamente como casamata de um liberalismo agonizante. Ainda que, nas calçadas paratienses, esse conservadorismo moderno transborde de charme, beleza e erudição.
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Serra: obscurantismo e hipocrisia
Reproduzo artigo do professor João Quartim de Moraes, publicado no sítio Vermelho:
Comparecendo no dia 1º de maio passado a uma reunião de evangélicos, José Serra exibiu a dimensão teológica de sua Cruzada contra a fumaça. “A pessoa que fuma sabe que o cigarro vai fazer mal, mas continua assim mesmo. Depois, adoece e mesmo assim continua fumando. Assim é uma pessoa sem Deus. Sabe que ele está ali, mas não o procura”. Não era muito conhecido esse pendor místico do candidato da direita à presidência. Seria sincero ou isso não passaria de mais uma de suas charlatanices reacionárias? Ele diz saber que Deus está ali. Ali onde? Nos lugares que freqüenta? Entre os ricaços que o apóiam? Na Bolsa de Valores? Na Daslu, tão ligada a seu parceiro Alquimim? Quem souber diga onde fica.
Mas o pior é a comparação do fumante ao ateu, que suscitou réplica indignada da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea): “Ou ele (Serra) não acredita nisso e estava jogando para a platéia, ou ele acredita, o que é pior ainda. Como você vai esperar uma declaração tão flagrantemente preconceituosa de um candidato? [...] Esse tipo de comportamento é inadmissível em qualquer cidadão civilizado, quanto mais de um pretendente ao cargo mais alto da nação. O contexto sugere que Serra teria feito esse tipo de declaração para satisfazer uma platéia que ele aparentemente imaginava ser tão preconceituosa quanto ele, o que é ainda mais embaraçoso”.
Os fundamentalistas mais fanáticos sustentam a mesma tese de Serra: quem não “vê” Deus é um doente. A diferença é que os fanáticos pensam o que dizem, ao passo que o candidato da direita diz o que pensa lhe render votos. Se imagina mesmo ver Deus em cada esquina, é assunto irrelevante: o foro íntimo e os delírios místicos são assuntos estritamente privados. Já a carência de cultura republicana do candidato da direita, que discrimina cidadãos por suas convicções, é uma tara política extremamente preocupante.
A caminhada dos “tucanos” rumo a Deus tem uma curiosa história, que remonta aos tempos em que eles ainda estavam no PMDB. Em 12 de dezembro de 1985, FH Cardoso, disputando a prefeitura de São Paulo, travou com o “comunicador” ultra-reacionário Bóris Casoy o seguinte diálogo na TV:
Casoy - Senador, o senhor acredita em Deus?
Cardoso - Essa pergunta o senhor disse que não me faria.
Casoy - Eu não disse nada.
Cardoso - Perdão, foi num almoço sobre este mesmo debate.
Casoy - Mas eu não disse se faria ou não.
Cardoso - É uma pergunta típica de alguém que quer levar uma questão íntima para o público...
Entende-se o embaraço do entrevistado. Festejado sociólogo, exibindo imagem de pensador avançado, FH Cardoso não queria nem perder prestígio diante dos intelectuais de espírito crítico, nem perder os votos dos fiéis a Deus. Daí sua cômica perplexidade diante da pergunta do jornalista provocador. Mas no ano e na campanha seguinte (para o Senado, dessa vez), tratou de abrir espaço para Deus em sua plataforma: “Ateísmo é coisa ultrapassada. Existe o infinito, o amor, o mistério. Não há nenhuma razão para ser contra a idéia de Deus”. Peregrinou ao santuário de Aparecida, onde rezou (em latim, segundo a imprensa) um padre-nosso, explicando que “crença é uma coisa que se guarda no coração, o que vale é a prática”. Como brinde ganhou uma imagem da Padroeira do Brasil benzida pelo arcebispo d. Geraldo Penido, um dos mais reacionários do clero brasileiro. A miraculosa conversão provavelmente ajudou-o a conquistar a segunda vaga para o Senado. Brasília vale bem uma missa!
Vimos que a religião de Serra é mais agressiva: está mais para Casoy do que para FHC. O ateu deve ser tratado como um fumante e reciprocamente o fumante deve ser tratado como um ateu. A Cruzada contra a fumaça empreendida pelo chefe da tucanagem quando governador de São Paulo deturpou um objetivo justo (impedir que o não fumante seja constrangido a engolir a fumaça alheia) com o carimbo da intolerância. A lei contra os fumantes que ele fez aprovar na Assembléia Legislativa de São Paulo pelo método do rolo compressor é digna das cruzadas fundamentalistas contra o álcool que conduziram à “lei seca” nos Estados Unidos. Ela leva a atos de estupidez pura e simples. Por exemplo, nos aeroportos paulistas os leões de chácara do governador proíbem os fumantes de ficarem embaixo da marquise que cobre parcialmente a calçada. Se chover, que fumem na chuva.
Não se vê isso em nenhum país europeu onde a segurança do cidadão é de fato levada a sério. Lá pode-se fumar não somente embaixo de toldos, mas também em terraços de bares e restaurantes. Grandes aeroportos, como os de Amsterdã, Frankfurt, Paris, etc. mantêm áreas para fumantes, em vez de empurrá-los para o meio-fio. Estariam menos preocupados com saúde pública do que a tucanagem? Se a preocupação de Serra e parceiros do consórcio PSDEMB fosse mesmo garantir a saúde e a vida, teriam mostrado algum empenho sério em proteger os pedestres dos atropelamentos, que voltaram a aumentar na cidade e no Estado de São Paulo. Cigarro pode provocar câncer ou infarto, ao longo de algumas décadas, mas atropelamento aleija ou mata instantaneamente. (Sem esquecer que a fumaça dos caminhões e automóveis que entopem a Marginal impermeabilizada por Serra também é muito cancerígena e agride mais os pulmões do que a fumaça dos cigarros).
Algumas cidades de nosso país, Brasília, por exemplo, tomaram medidas para impor respeito ao Código de Trânsito, coibir os motoristas mais truculentos e preservar a integridade física dos que andam a pé. O fato muito preocupante de que na megalópolis paulistana a barbárie motorizada siga prosperando mostra o fracasso da política de saúde pública do governo do PSDEMB, frente bicéfala da direita.
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Comparecendo no dia 1º de maio passado a uma reunião de evangélicos, José Serra exibiu a dimensão teológica de sua Cruzada contra a fumaça. “A pessoa que fuma sabe que o cigarro vai fazer mal, mas continua assim mesmo. Depois, adoece e mesmo assim continua fumando. Assim é uma pessoa sem Deus. Sabe que ele está ali, mas não o procura”. Não era muito conhecido esse pendor místico do candidato da direita à presidência. Seria sincero ou isso não passaria de mais uma de suas charlatanices reacionárias? Ele diz saber que Deus está ali. Ali onde? Nos lugares que freqüenta? Entre os ricaços que o apóiam? Na Bolsa de Valores? Na Daslu, tão ligada a seu parceiro Alquimim? Quem souber diga onde fica.
Mas o pior é a comparação do fumante ao ateu, que suscitou réplica indignada da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea): “Ou ele (Serra) não acredita nisso e estava jogando para a platéia, ou ele acredita, o que é pior ainda. Como você vai esperar uma declaração tão flagrantemente preconceituosa de um candidato? [...] Esse tipo de comportamento é inadmissível em qualquer cidadão civilizado, quanto mais de um pretendente ao cargo mais alto da nação. O contexto sugere que Serra teria feito esse tipo de declaração para satisfazer uma platéia que ele aparentemente imaginava ser tão preconceituosa quanto ele, o que é ainda mais embaraçoso”.
Os fundamentalistas mais fanáticos sustentam a mesma tese de Serra: quem não “vê” Deus é um doente. A diferença é que os fanáticos pensam o que dizem, ao passo que o candidato da direita diz o que pensa lhe render votos. Se imagina mesmo ver Deus em cada esquina, é assunto irrelevante: o foro íntimo e os delírios místicos são assuntos estritamente privados. Já a carência de cultura republicana do candidato da direita, que discrimina cidadãos por suas convicções, é uma tara política extremamente preocupante.
A caminhada dos “tucanos” rumo a Deus tem uma curiosa história, que remonta aos tempos em que eles ainda estavam no PMDB. Em 12 de dezembro de 1985, FH Cardoso, disputando a prefeitura de São Paulo, travou com o “comunicador” ultra-reacionário Bóris Casoy o seguinte diálogo na TV:
Casoy - Senador, o senhor acredita em Deus?
Cardoso - Essa pergunta o senhor disse que não me faria.
Casoy - Eu não disse nada.
Cardoso - Perdão, foi num almoço sobre este mesmo debate.
Casoy - Mas eu não disse se faria ou não.
Cardoso - É uma pergunta típica de alguém que quer levar uma questão íntima para o público...
Entende-se o embaraço do entrevistado. Festejado sociólogo, exibindo imagem de pensador avançado, FH Cardoso não queria nem perder prestígio diante dos intelectuais de espírito crítico, nem perder os votos dos fiéis a Deus. Daí sua cômica perplexidade diante da pergunta do jornalista provocador. Mas no ano e na campanha seguinte (para o Senado, dessa vez), tratou de abrir espaço para Deus em sua plataforma: “Ateísmo é coisa ultrapassada. Existe o infinito, o amor, o mistério. Não há nenhuma razão para ser contra a idéia de Deus”. Peregrinou ao santuário de Aparecida, onde rezou (em latim, segundo a imprensa) um padre-nosso, explicando que “crença é uma coisa que se guarda no coração, o que vale é a prática”. Como brinde ganhou uma imagem da Padroeira do Brasil benzida pelo arcebispo d. Geraldo Penido, um dos mais reacionários do clero brasileiro. A miraculosa conversão provavelmente ajudou-o a conquistar a segunda vaga para o Senado. Brasília vale bem uma missa!
Vimos que a religião de Serra é mais agressiva: está mais para Casoy do que para FHC. O ateu deve ser tratado como um fumante e reciprocamente o fumante deve ser tratado como um ateu. A Cruzada contra a fumaça empreendida pelo chefe da tucanagem quando governador de São Paulo deturpou um objetivo justo (impedir que o não fumante seja constrangido a engolir a fumaça alheia) com o carimbo da intolerância. A lei contra os fumantes que ele fez aprovar na Assembléia Legislativa de São Paulo pelo método do rolo compressor é digna das cruzadas fundamentalistas contra o álcool que conduziram à “lei seca” nos Estados Unidos. Ela leva a atos de estupidez pura e simples. Por exemplo, nos aeroportos paulistas os leões de chácara do governador proíbem os fumantes de ficarem embaixo da marquise que cobre parcialmente a calçada. Se chover, que fumem na chuva.
Não se vê isso em nenhum país europeu onde a segurança do cidadão é de fato levada a sério. Lá pode-se fumar não somente embaixo de toldos, mas também em terraços de bares e restaurantes. Grandes aeroportos, como os de Amsterdã, Frankfurt, Paris, etc. mantêm áreas para fumantes, em vez de empurrá-los para o meio-fio. Estariam menos preocupados com saúde pública do que a tucanagem? Se a preocupação de Serra e parceiros do consórcio PSDEMB fosse mesmo garantir a saúde e a vida, teriam mostrado algum empenho sério em proteger os pedestres dos atropelamentos, que voltaram a aumentar na cidade e no Estado de São Paulo. Cigarro pode provocar câncer ou infarto, ao longo de algumas décadas, mas atropelamento aleija ou mata instantaneamente. (Sem esquecer que a fumaça dos caminhões e automóveis que entopem a Marginal impermeabilizada por Serra também é muito cancerígena e agride mais os pulmões do que a fumaça dos cigarros).
Algumas cidades de nosso país, Brasília, por exemplo, tomaram medidas para impor respeito ao Código de Trânsito, coibir os motoristas mais truculentos e preservar a integridade física dos que andam a pé. O fato muito preocupante de que na megalópolis paulistana a barbárie motorizada siga prosperando mostra o fracasso da política de saúde pública do governo do PSDEMB, frente bicéfala da direita.
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