sábado, 15 de junho de 2013

Protestos de rua: Ode à baderna!

Por Leandro Fortes, na revista CartaCapital:

Um dos discursos mais comuns à direita brasileira é esse: peçam o que quiserem, digam o que quiserem, mas não façam baderna. E, sobretudo, não atrapalhem o trânsito. Não por outra razão, qualquer cobertura da mídia nacional sobre passeatas, manifestações e grandes movimentações de massa acabam, sempre, em manchetes de trânsito. Os camponeses foram a Brasília pedir reforma agrária? Atrapalharam o trânsito. As mulheres da Marcha das Margaridas invadiram as Esplanada dos Ministérios para pedir saúde e educação no campo? Provocaram engarrafamentos. A moçada parou São Paulo para reclamar do aumento da tarifa do transporte público? O promotor mentecapto, parado no trânsito, pede a PM para espancar e matar os manifestantes. Afinal, o filhinho dele está na escola. Mas como chegar para pegá-lo a tempo, se os bárbaros impedem o trânsito?

Quando, além de parar o trânsito, os manifestantes fazem baderna, aí não! Aí já é demais! Não pode ter baderna. Tem que ser como aquelas passeatas pela paz na Zona Sul do Rio de Janeiro, todos de branco na Avenida Atlântica, copos-de-leite às mãos, o trânsito compreensivelmente parado para a procissão de cidadãos contritos. A polícia, claro, à distância, com as sirenes reverencialmente desligadas. Tudo assim, sem baderna, dentro da lei e da ordem. A manifestação do mundo ideal.

Pena que para quem pega quatro conduções por dia e gasta em média quatro horas dentro delas (ou esperando por elas) a realidade seja outra. No mundo do transporte público não tem hakuna matata. O pau come no ponto, no ônibus lotado, nas estações de trem e metrô diariamente conflagradas. Para o usuário de transporte coletivo, todo dia tem confusão e baderna, mas é difícil explicar isso para o mundo da Avenida Paulista. Para a classe média bem motorizada, as demandas do transporte coletivo são subterrâneas, confinadas a um universo específico sobre o qual só se tem notícia quando motoristas e cobradores entram em greve. É o dia em que a patroa de Higienópolis se inquieta porque a empregada vai chegar mais tarde ou, horror dos horrores, nem vem trabalhar. Quem vai fazer almoço? E os petizes, sob a guarda de quem ficarão no playground?

E, de repente, vem a baderna.

Multidões de cidadãos, jovens, velhos, brancos, negros, empregadas, office-boys, desempregados, professores, trabalhadores, trabalhadoras, desocupados. Baderneiros. Quebram ônibus, depredam vidraças, picham paredes, revolvem a cidade e deixam marcas no asfalto.

O horror, o horror!

Então, todos se unem contra a baderna. Podem pedir o que quiserem, podem se manifestar, cruzar as ruas com bandeiras, mas, por favor, não atrapalhem o trânsito. Políticos de todos os matizes se unem para bradar: baderna, não! Antigos militantes de esquerda que ainda acham um lindo momento histórico as barricadas de Paris, em 1968, estão, ora vejam, revoltados com a baderna. Pedras, paus, coquetéis molotov, é preciso conter os bárbaros e acabar com a baderna. Não interessa se eles vivem em panelas de pressão, amontoados em latas automotivas superlotadas, se ganham uma miséria e, agora, terão que pagar mais 20 centavos pelo mesmo sofrimento diário. O que importa é que eles, baderneiros, estão atrapalhando o trânsito.

Então, a solução é descer a porrada. Passar a borracha no lombo desses baderneiros, enfiar-lhes o cassetete na cuca, tocar o gado revoltado para o corredor polonês.

Que a violência policial contra os manifestantes venha do governo de São Paulo, não causa espécie a ninguém. O PSDB é um partido de direita, o governador Geraldo Alckmin é um numerário da Opus Dei, organização católica de extrema-direita, e a PM de São Paulo é um substrato intocável do aparato policial-militar herdado da ditadura. Os policiais que tomaram o centro da cidade para espancar e prender manifestantes e jornalistas são os cães de guarda desse sistema. Não há disfunção alguma no que estão fazendo: eles existem, basicamente, para isso. Para tocar a negrada a pau, para dar paz a Higienópolis e garantir a brisa fresca de domingo nos Jardins. Dessa gente e de sua guarda pretoriana devem cuidar, nas próximas eleições, o povo de São Paulo.

Mas, onde está o PT? Onde está o prefeito Fernando Haddad, este que já avisou, de Paris, pelo Twitter, que não irá “tolerar vandalismo”? Onde estão os vereadores, deputados e senadores do partido que nasceu nas monumentais greves do ABC paulista, em plena ditadura militar, que os chamava, ora vejam, de baderneiros? Nada. Ninguém de braços dados para enfrentar a tropa de choque. Todos quietinhos, com seus militantes sempre tão subordinados, para saber o que vai sair no Jornal Nacional e na Veja de domingo. Até lá, melhor deixar as barbas de molho. Para os que ainda têm barba, claro.

Nessa vergonhosa escalada de violência tocada pelo governo tucano de São Paulo, não podia faltar, claro, o apoio da mídia. Não há manifestantes para a ela, mas só baderneiros. Manifestantes são franceses, suecos, turcos, chineses. No Brasil, são vândalos e desocupados interessados em depredar o patrimônio público, como se a imprensa brasileira, hoje povoada de engomadinhos formados em cursinhos de trainee, alguma vez tenha se preocupado, de fato, com a segurança física dos ônibus usados pelos pobres.

Perdão, gente indignada com os vândalos. Mas entre a hipocrisia e a baderna, eu fico, alegremente, com a segunda.

2 comentários:

  1. Caro Sr prefeito do município de São Paulo Fernando Haddad,
    (Ao amigo Rogério)

    As primeiras manifestações contra os aumentos de tarifas do transporte público em São Paulo ocorreram quando o Sr estava em Paris preparando a candidatura da Cidade de São Paulo a um importante e histórico megaevento internacional.
    Gostaria de dizer, Sr. Haddad, que não o elegemos para comprometer a cidade com tais eventos. Nós o elegemos com a esperança que a administração pública paulistana voltasse a cuidar de uma cidade que havia sido abandonada por duas administrações seguidas que contemplaram apenas os interesses de lobby organizados, principalmente da especulação imobiliária.
    Nós o elegemos com a esperança de que o Senhor dedicasse sua administração à recuperação dos serviços essenciais da cidade. Nós o elegemos com a esperança que o Senhor com a autoridade dos votos concedidos, refizessem os danosos contratos que foram assinados pelas duas administrações passadas.
    Um dos serviços essenciais por meio do qual os cidadãos paulistanos vinham sendo constantemente vilipendiados eram justamente os serviços de transporte coletivo, do qual o sistema de ônibus, sob sua responsabilidade, é o mais deteriorado.
    Ônibus velhos circulando por trajetos excessivamente longos e mal planejados, circulando por ruas estreitas e com pavimentos mal conservados, tornaram a vida do paulistano um verdadeiro suplício. Em alguns casos o cidadão paulista passa entre seis e oito horas dentro desses veículos no trajeto casa/trabalho, trabalho/casa. Tudo isso, e por isso a um preço já excessivamente elevado em relação aos ganhos médios do trabalhador assalariado paulistano.
    No caso específico do transporte público municipal o Senhor foi eleito em um momento especial. Dentro de seus primeiros cem dias de governo venceriam os contratos de concessão do transporte coletivo em, são Paulo. Este fato administrativo dava ao Senhor As condições ideais para uma reformulação total do serviço de transporte público coletivo de São Paulo.
    Porém não foi isto que vimos. O tempo passou, os primeiros cem dias se encerraram, os contratos de concessão de serviços de transportes públicos foram renovados com as mesmíssimas empresas, entre as quais péssimas prestadoras de serviços. Os cem dias se encerraram, os contratos de concessão do serviço de transporte coletivo público, venceram e foram renovados e as mesmas linhas e os mesmíssimos trajetos foram mantidos sem quaisquer modificações.
    A população desapontada já havia se resignado a viver pelo menos mais quatro anos de maus serviços, quando o Senhor teve inabilidade política de coroar sua inação administrativa frente aos problemas do transporte público paulistano, com o aumento da tarifa enquanto o Senhor estava fora de sua cidade.
    Quando as manifestações explodiram o Senhor bateu continência ao pensamento conservador e justificou a desmedida violência policial que a população paulistana que manifestou sua indignação com a situação.
    O Senhor nos decepcionou duas vezes, por não agir administrativamente, e por se alinhar ao que de pior o conservadorismo político brasileiro tem.
    A decepção com o Senhor e seu partido, contribuiu par que as manifestações ocorressem do modo que ocorreram, pois é da lógica política que a população civil, quando não se vê representada tanto no poder legislativo, quanto no poder administrativo, só lhe resta manifestar-se, com ou sem excessos, nas ruas. Afinal com diz o slogan publicitário: "A rua é maior que qualquer arquibancada." Ou de que qualquer facebook.

    Abraços,
    Cidadão paulistano.

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  2. Como usuária do transporte urbano concordo com o fato de o transporte coletivo criar grandes problemas para nós que o utilizamos. Acho essencial as mobilizações. Creio que chegará a hora de encaminhar soluções através dos meios institucionais. Senão todas as mobilizações servirão apenas para a mídia conservadora - rádio, TV, jornal e internet - se munir de 'notícias' e afirmar sua ortodoxia liberal com muita conversa vazia. Nesta cidade circulam 22 milhões de pessoas por dia. Será que seria possível romper com o 'clã' de empresas que fornecem o transporte urbano, imediatamente? O deslocamento seria à pé? O Conselho das Cidades foi criado para que se discutisse os problemas do município. Fernando Haddad já afirmou que quer receber os manifestantes nesta terça-feira (18/06). Parece-me que continua a ser o mesmo defensor dos Direitos e um apaixonado por São Paulo. De que adianta o Direito de Protestar se não beneficiar o cidadão? De que adianta ficar só nas ruas? E a eficácia desse protesto vai pra onde? Será que não é hora de cobrar de forma concreta, por vias Institucionais, também? De que adianta sair e levar porrada da PM se nada é encaminhado para solucionar qualquer questão? Tomara que um dia se possa, também, mobilizar milhões por vitórias obtidas, e pelo direito de defendê-las!

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