domingo, 11 de outubro de 2015

O discurso e o método dos golpistas

Por Geniberto Paiva Campos, no site Vermelho:

1.“Não discuta, não argumente, é desnecessário. Apenas repita, eles acabam entendendo”. Esta foi a recomendação enfática, anunciada num inglês perfeito, com legendas em português, por um jovem brasileiro aparentemente de classe média, em um vídeo de estética impecável, produzido profissionalmente, tendo como público alvo presumido outros jovens brasileiros e segmentos da classe média do país.

A oposição não tinha Plano B no caso de derrota. Elaborado aos 45 minutos do 2º tempo, consiste em impedir o pleno funcionamento do governo reeleito, enquanto se busca um pretexto para o impedimento da presidenta. Corria o ano de 2013. O Brasil se preparava para no ano seguinte sediar a Copa do Mundo de Futebol. E realizar eleições gerais. Nesta ordem.

O que era recomendado a nós brasileiros? E por que em inglês? São mistérios banais, hoje facilmente identificáveis. Os mais atentos perceberam logo de início: começava ali uma campanha política, planejada em seus mínimos detalhes. Com qual objetivo? Desgastar o governo da presidente Dilma Rousseff e evitar a sua reeleição em outubro de 2014. A cereja do bolo: a eleição de um Congresso hostil à presidente, dócil a comandos externos, votando em bloco e disposto a tumultuar a o processo democrático. Praticando um jogo político tosco e rasteiro. Em verdade, a antipolítica.

Na realidade, era mais uma aposta das forças conservadoras e seus infalíveis marqueteiros, daquém e dalém mar, na ingenuidade política dos brasileiros. Que em eleições presidenciais em passado recente, acreditaram no mito do “homem da vassoura” e nas promessas do “caçador de marajás”. No caso da reeleição da presidente, seria suficiente a desconstrução da sua imagem, a criação do conhecido clima de “crise e instabilidade” e aí, qualquer candidato oposicionista ganharia facilmente as eleições. Como de costume, contando com o decisivo apoio do aparato midiático e de segmentos ativos do judiciário. A pauta elaborada, prevista para nada menos que a Vitória – daí a dispensa de um plano B - não continha requintes ou sofisticação. Evidenciava a exploração da crença popular - absoluta - dos brasileiros, em mitos e a aposta na sua proverbial falta de percepção política. Eis a pauta, em ordem cronológica:

a) O Plano começa, em junho de 2013, com a convocação da classe média politizada para sair às ruas. As chamadas “Marchas de Junho”. Qual a palavra de ordem do movimento? À falta de coisa melhor, o pretexto foi –pasmem – o aumento de 20 (vinte!) centavos nas passagens dos ônibus urbanos. Nem o mais crédulo dos brasileiros iria acreditar em tal disparate. Pois, rapidamente, surgiram os movimentos “Passe Livre”, “Catraca Livre”; pressurosos colunistas da imprensa hegemônica nativa e os aguçados teóricos da Academia, para explicar o absurdo desse “aumento escorchante”. Até um livro – em alentado volume – foi publicado para dar fundamento ao justo protesto. E já indicava uma pista, anunciando no seu título: “Não era pelos 20 centavos”… Com o natural e esperado esvaziamento dessa insustentável reivindicação, a violência sem causa tomou conta das ruas. Lojas foram depredadas, carros destruídos. Quando alguns teóricos de plantão já começavam a atribuir conotações “anarquistas” a esta fase do Movimento, o primeiro resultado já aparecia nos radares oposicionistas: ocorrera um declínio significativo na popularidade presidencial. Ainda foram ensaiadas discussões e audiências públicas sobre “mobilidade urbana”, mas ficaram por isso mesmo.

b) A segunda parte do Plano infalível, iniciada no final de 2013, foi direcionada para os protestos contra a realização da Copa do Mundo de Futebol. Não vai ter Copa! repetiam, alucinados, os novos militantes políticos da classe média. Alegavam que as despesas para a realização da Copa reduziriam os recursos para a Saúde, para Educação, Mobilidade Urbana e em que mais os brasileiros crédulos viessem a acreditar. Uma ousadia sem limites. Considerando, no entanto, a importância e a envergadura da Copa do Mundo, um torneio de enorme repercussão internacional, ficou evidente a impossibilidade de suspensão do evento.

Mas o “clima ruim” contra a Copa havia sido criado. Continuando com a incrível ousadia, o foco foi então desviado para o fracasso futebolístico da seleção canarinho. O que de fato veio a ocorrer com a acachapante – e misteriosa – derrota (7 x 1) do sonolento Brasil para a seleção alemã. Comemorada com indisfarçado regozijo patriótico por alguns brasileiros mais petulantes. Derrota que tirou a chance da Taça do Mundo ficar com o Brasil. E, novamente, os radares da Oposição registraram mais um declínio da popularidade presidencial. A Campanha, de extrema agressividade e surpreendente ousadia, havia sido realizada no “país do futebol”. Que via escorrer por entre os dedos a chance de levantar a Taça do Mundo, carregada de simbologia, pela sexta vez. Éramos de fato um país de “vira latas”… E ingênuos incorrigíveis.

c) Completado o esforço da Campanha, com o evidente desgaste político das forças governistas, restava à Oposição ganhar as eleições e “correr para o abraço”, como se diz na gíria futebolística. Por motivos a serem explicados futuramente pelos analistas políticos, sociólogos e pelos acadêmicos da área, numa renhida disputa no 2º turno a presidente Dilma Rousseff foi reeleita. Faltaram votos ao candidato oposicionista. O Plano falhou. O que teria havido com a esperada ingenuidade política dos eleitores brasileiros? Outra explicação a ser cobrada no futuro. Quem sabe, as redes sociais? Os “blogs sujos”? Uma nova consciência política apoiando governos progressistas, com os quais passou a se identificar?

Um arriscado Plano B, elaborado aos 45 minutos do 2º tempo, foi então posto em prática. Consistia, basicamente, em impedir o pleno funcionamento do governo reeleito, enquanto se buscava um motivo, ou vá lá, um pretexto para o impedimento da presidente, com perda do cargo para o qual fora novamente eleita. Não importando a que preço. A ousadia continuava.

2. Há cerca de um ano foi montado o cerco ao Governo Federal e promovida a paralisia política e administrava do país, enquanto se buscava a fórmula jurídica que daria conotações aceitáveis ao Golpe. A eleição, em fevereiro de 2015, de um representante do PMDB, partido da base do governo, para a presidência da Câmara dos Deputados, tornou-se um inquietante fator de instabilidade institucional. O Congresso Nacional tornou-se um foco permanente de oposicionistas alucinados, dispostos a fazer qualquer loucura para defenestrar a presidente do seu cargo.

O aparato midiático mostrou as suas garras, a classe média “indignada” saiu às ruas ou bateu panelas, segmentos do judiciário cumpriram o roteiro tentando criar fatos, mas apresentando apenas factoides jurídicos. Por várias razões, o Brasil, enfim, chegou ao mês de outubro sem que a Oposição houvesse conseguido consumar o Golpe. Mas com o país enfrentando enormes dificuldades no campo político e administrativo – reais e criadas por lideranças irresponsáveis – dispostas a tocar fogo no Brasil para impedir, a qualquer custo, a continuidade no poder da coalizão que governa o país desde 2003.

Quais as causas possíveis para tanto açodamento e precipitação, sem medir consequências, uma irresponsabilidade sem limites? De onde seriam emanadas as ordens para insistir na empreitada golpista, ainda que às custas da quebra total da normalidade democrática, com graves desdobramentos em áreas críticas, vitais para o país, enfrentando há quase uma década – até agora com relativo êxito – sobrevivendo a uma das mais graves e profundas crises do Capitalismo Internacional?

São questões que, talvez, somente a História responderá.

De maneira especulativa, pode-se presumir que o cérebro e o cofre do movimento estão localizados à distância. Longe, muito longe do foco de ação.

Mas caberia, ainda, uma pergunta sobre essa questão intrigante: como o PSDB, um partido político sério, que já exerceu por 2 vezes a presidência da república, após perder assim tão facilmente quatro eleições seguidas, adere a um atribulado – e incompetente – esquema golpista, capaz de jogar o país de volta a já superada fase de “república de bananas”? Um país situado entre as dez maiores economias do mundo. Um grande mercado consumidor. Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes. Um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. Dispondo de energia limpa e renovável para o seu desenvolvimento. Autosuficiente em petróleo. Dono de invejável parque industrial, um dos maiores do mundo. Que responde por mais da metade da produção cientifica da América Latina, pode ficar sujeito a tal grau de instabilidade político-institucional? Qual a lógica de tal situação?

3. Assumindo o risco de cometer algumas injustiças, pode-se afirmar que o Brasil estaria fazendo a opção preferencial pela Baixa Política. Na qual as relações interpessoais civilizadas tendem a desaparecer. Onde prevalece o vale tudo no jogo político. O importante é atingir os objetivos, não importando o método. E talvez o mais inquietante, são convocadas as “Milícias Obscurantistas”, eternamente intolerantes e sempre dispostas, em nome dos seus propósitos, ao uso incontido da violência extrema, na certeza da impunidade. Saudosas da prática da tortura nos porões – não importa se contra inocentes, desde que “suspeitos”.

Causa espanto, por outro lado, o silêncio e a omissão – quase cúmplice – de pessoas e organizações que por dever de ofício, teriam a obrigação de se manifestar em defesa do Estado de Direito e da Democracia. Por conta da irresponsabilidade de políticos, ditos representantes do Povo, o Brasil caminha em direção ao abismo e à incerteza, situação em que é fácil de ingressar, mas cuja porta de saída pode estar distante. Cujo retorno à normalidade é complexo e difícil.

Fica pois, registrado o alerta, talvez inútil. Mas carregado de esperanças. Que se volte a fazer Política, respeitando as suas regras e cânones universais. Vamos falar sério. Que sejam revistos, Senhores, já! o discurso e o método.

* Geniberto Paiva Campos é médico e membro da Comissão de Justiça e Paz da CNBB.

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