Por Marcelo Zero
Que o Brasil virou um pária mundial, ninguém mais duvida.
Venho escrevendo sobre esse processo há anos, mas agora parece que tal avaliação, após o brilhante desempenho do governo Bolsonaro na pandemia do Covid-19, tornou-se praticamente unânime. Unanimidade inteligente, agregue-se.
Mas como se deu esse processo lamentável de transformação do cisne do soft power multilateralista no patinho feio de uma total subserviência unilateralista?
Não foi do dia para a noite. Não foi apenas Bolsonaro.
A chamada política externa ativa e altiva foi a que melhor se coadunou com os princípios constitucionais que regem a política externa brasileira.
Nenhuma outra política investiu tanto na soberania, na integração dos povos da América Latina, na solução pacífica dos conflitos, na igualdade entre os Estados, na autodeterminação dos povos, na defesa da paz etc.
Nenhuma outra política comprometeu-se tanto com o multilateralismo e com a busca ativa e independente de novos espaços para a afirmação dos interesses nacionais no cenário mundial.
Foi essa política que fortaleceu o Mercosul, que contribuiu para criar a Unasul e a Celac, que reaproximou o Brasil ao Oriente Médio e à África, que ajudou a articular os BRICS, que deu contribuição decisiva para gerar o G20, que conseguiu concertar os interesses dos países em desenvolvimento na OMC etc. etc.
Também foi essa política a mais exitosa política externa da história recente do país.
Nenhuma outra política aumentou de tal maneira o protagonismo internacional do país.
Nenhuma outra política deu tanto prestígio ao Brasil.
Lula, o monoglota, fez a voz do país ser ouvida em todos os idiomas. Não havia foro mundial em que o Brasil não tivesse protagonismo de primeira grandeza. Celso Amorim, com toda justiça, chegou a ser apontado como o melhor chanceler do mundo.
Ademais, tal política também produziu resultados comerciais e econômicos de peso.
As exportações aumentaram de cerca de US$ 60 bilhões para cerca de US$ 240 bilhões em poucos anos e os saldos que o comércio exterior produziu foram de fundamental importância para a superação da grande vulnerabilidade externa pretérita da nossa economia. Eliminamos a dívida externa e nos tornamos credores do FMI.
Ainda hoje, as reservas internacionais que acumulamos naquele período constituem-se na nossa tábua de salvação em meio à pior crise das últimas décadas. Fato.
Contudo, essa política externa exitosa sempre foi atacada por nossas oligarquias.
Nossas classes dominantes historicamente viram com desconfiança, ceticismo ou mesmo franca hostilidade o Mercosul e a aposta na integração regional, a articulação dos interesses dos países em desenvolvimento nos foros mundiais, a aproximação ao Oriente Médio e à África, a articulação dos grandes países emergentes no BRICS etc.
Classificavam essas ações independentes de “terceiro mundismo”, política externa “ideológica” etc.
Não havia um dia sequer em que a política independente do Brasil não fosse duramente criticada pelos que hoje se espantam com a extrema dependência proposta por Bolsonaro.
Eles sempre preferiram uma política externa mais alinhada aos EUA e aliados e a circunscrição do Brasil na geopolítica dessas nações.
Também uma política externa mais alinhada ao Consenso Washington e aos imperativos do capital financeiro internacional. Fato histórico.
Pois bem, foi após o golpe de Estado de 2016 que a política externa brasileira começou a adquirir as características agora plenamente conformadas na terraplanista e caricata gestão Bolsonaro.
Apenas chegado ao poder, Temer passou a desinvestir no MERCOSUL e na integração regional e a empenhar-se em objetivos contrários ao interesse do Brasil e favoráveis à geopolítica norte-americana, como a desestabilização da Venezuela, por exemplo.
Também na primeira gestão golpista se iniciou um processo de revisão da aproximação do Brasil à África e da vertente Sul-Sul da nossa política externa, muitas vezes utilizando como desculpa a necessidade de fechar embaixadas e fazer “economia”.
Da mesma forma, naquela época começou a ocorrer um desinvestimento no BRICS e na articulação dos interesses dos países emergentes e em desenvolvimento nos foros mundiais.
O compromisso do Brasil com o multilateralismo e com a cooperação Sul-Sul começaram a ser muito afetados.
Em sentido contrário, o Brasil do golpe passou a apostar no alinhamento dependente, em relação aos EUA.
Data também dessa época o enquadramento da política defesa do Brasil na geoestratégia dos EUA.
Assim, foi no governo Temer que foram convidadas forças dos EUA para participarem de exercícios militares na Amazônia, que se renegociou o acordo de Alcântara etc.
Como consequência, já no governo Temer o Brasil viu seu protagonismo regional e mundial regredir assustadoramente.
Se Bolsonaro é pária mundial, Temer já era um anão diplomático.
Claro está que a irracionalidade e o terraplanismo ideológico de Bolsonaro/Araújo acentuaram grosseiramente aquela nova opção por uma política externa dependente da geopolítica dos EUA e aliados.
Além disso, Bolsonaro introduziu uma nova e extrema relação de dependência, que é o alinhamento a uma força política específica dos EUA, o “trumpismo”. No mesmo diapasão, Bolsonaro/Araújo empenharam-se em regressões antes inimagináveis em nossa política externa, como a relativa às questões ambientais e aos direitos humanos fundamentais.
Também seriam inimagináveis, em épocas não tão distanciadas do Iluminismo, agressões ideológicas e gratuitas a importantes parceiros do Brasil, como China, Alemanha, França, Noruega etc.
Não se pode dizer, porém, que os retrocessos na anteriormente exitosa política externa do Brasil e no protagonismo internacional do nosso país foram iniciados no governo desastroso do capitão.
Na realidade, esse processo começou por iniciativa das oligarquias que deram o golpe de Estado de 2016 e que posteriormente apoiaram a ascensão de Bolsonaro ao poder.
O capitão e seu singular chanceler, que afirma estar em contato com Deus, perderam, no entanto, todo contato com a racionalidade, com o bom senso e com o interesse nacional, o que transformou um dano reversível numa catástrofe monumental, que tende a produzir danos profundos de longo prazo ao Brasil.
É bom ver que, hoje, muitos críticos da política externa ativa e altiva e apoiadores do golpe e do próprio Bolsonaro percebem finalmente a extensão do dano causado ao país por políticas externa desassociadas do interesse nacional e da soberania.
Seria melhor, entretanto, que todos reconhecessem suas responsabilidades históricas nesse processo.
Não foi apenas Bolsonaro.
Que o Brasil virou um pária mundial, ninguém mais duvida.
Venho escrevendo sobre esse processo há anos, mas agora parece que tal avaliação, após o brilhante desempenho do governo Bolsonaro na pandemia do Covid-19, tornou-se praticamente unânime. Unanimidade inteligente, agregue-se.
Mas como se deu esse processo lamentável de transformação do cisne do soft power multilateralista no patinho feio de uma total subserviência unilateralista?
Não foi do dia para a noite. Não foi apenas Bolsonaro.
A chamada política externa ativa e altiva foi a que melhor se coadunou com os princípios constitucionais que regem a política externa brasileira.
Nenhuma outra política investiu tanto na soberania, na integração dos povos da América Latina, na solução pacífica dos conflitos, na igualdade entre os Estados, na autodeterminação dos povos, na defesa da paz etc.
Nenhuma outra política comprometeu-se tanto com o multilateralismo e com a busca ativa e independente de novos espaços para a afirmação dos interesses nacionais no cenário mundial.
Foi essa política que fortaleceu o Mercosul, que contribuiu para criar a Unasul e a Celac, que reaproximou o Brasil ao Oriente Médio e à África, que ajudou a articular os BRICS, que deu contribuição decisiva para gerar o G20, que conseguiu concertar os interesses dos países em desenvolvimento na OMC etc. etc.
Também foi essa política a mais exitosa política externa da história recente do país.
Nenhuma outra política aumentou de tal maneira o protagonismo internacional do país.
Nenhuma outra política deu tanto prestígio ao Brasil.
Lula, o monoglota, fez a voz do país ser ouvida em todos os idiomas. Não havia foro mundial em que o Brasil não tivesse protagonismo de primeira grandeza. Celso Amorim, com toda justiça, chegou a ser apontado como o melhor chanceler do mundo.
Ademais, tal política também produziu resultados comerciais e econômicos de peso.
As exportações aumentaram de cerca de US$ 60 bilhões para cerca de US$ 240 bilhões em poucos anos e os saldos que o comércio exterior produziu foram de fundamental importância para a superação da grande vulnerabilidade externa pretérita da nossa economia. Eliminamos a dívida externa e nos tornamos credores do FMI.
Ainda hoje, as reservas internacionais que acumulamos naquele período constituem-se na nossa tábua de salvação em meio à pior crise das últimas décadas. Fato.
Contudo, essa política externa exitosa sempre foi atacada por nossas oligarquias.
Nossas classes dominantes historicamente viram com desconfiança, ceticismo ou mesmo franca hostilidade o Mercosul e a aposta na integração regional, a articulação dos interesses dos países em desenvolvimento nos foros mundiais, a aproximação ao Oriente Médio e à África, a articulação dos grandes países emergentes no BRICS etc.
Classificavam essas ações independentes de “terceiro mundismo”, política externa “ideológica” etc.
Não havia um dia sequer em que a política independente do Brasil não fosse duramente criticada pelos que hoje se espantam com a extrema dependência proposta por Bolsonaro.
Eles sempre preferiram uma política externa mais alinhada aos EUA e aliados e a circunscrição do Brasil na geopolítica dessas nações.
Também uma política externa mais alinhada ao Consenso Washington e aos imperativos do capital financeiro internacional. Fato histórico.
Pois bem, foi após o golpe de Estado de 2016 que a política externa brasileira começou a adquirir as características agora plenamente conformadas na terraplanista e caricata gestão Bolsonaro.
Apenas chegado ao poder, Temer passou a desinvestir no MERCOSUL e na integração regional e a empenhar-se em objetivos contrários ao interesse do Brasil e favoráveis à geopolítica norte-americana, como a desestabilização da Venezuela, por exemplo.
Também na primeira gestão golpista se iniciou um processo de revisão da aproximação do Brasil à África e da vertente Sul-Sul da nossa política externa, muitas vezes utilizando como desculpa a necessidade de fechar embaixadas e fazer “economia”.
Da mesma forma, naquela época começou a ocorrer um desinvestimento no BRICS e na articulação dos interesses dos países emergentes e em desenvolvimento nos foros mundiais.
O compromisso do Brasil com o multilateralismo e com a cooperação Sul-Sul começaram a ser muito afetados.
Em sentido contrário, o Brasil do golpe passou a apostar no alinhamento dependente, em relação aos EUA.
Data também dessa época o enquadramento da política defesa do Brasil na geoestratégia dos EUA.
Assim, foi no governo Temer que foram convidadas forças dos EUA para participarem de exercícios militares na Amazônia, que se renegociou o acordo de Alcântara etc.
Como consequência, já no governo Temer o Brasil viu seu protagonismo regional e mundial regredir assustadoramente.
Se Bolsonaro é pária mundial, Temer já era um anão diplomático.
Claro está que a irracionalidade e o terraplanismo ideológico de Bolsonaro/Araújo acentuaram grosseiramente aquela nova opção por uma política externa dependente da geopolítica dos EUA e aliados.
Além disso, Bolsonaro introduziu uma nova e extrema relação de dependência, que é o alinhamento a uma força política específica dos EUA, o “trumpismo”. No mesmo diapasão, Bolsonaro/Araújo empenharam-se em regressões antes inimagináveis em nossa política externa, como a relativa às questões ambientais e aos direitos humanos fundamentais.
Também seriam inimagináveis, em épocas não tão distanciadas do Iluminismo, agressões ideológicas e gratuitas a importantes parceiros do Brasil, como China, Alemanha, França, Noruega etc.
Não se pode dizer, porém, que os retrocessos na anteriormente exitosa política externa do Brasil e no protagonismo internacional do nosso país foram iniciados no governo desastroso do capitão.
Na realidade, esse processo começou por iniciativa das oligarquias que deram o golpe de Estado de 2016 e que posteriormente apoiaram a ascensão de Bolsonaro ao poder.
O capitão e seu singular chanceler, que afirma estar em contato com Deus, perderam, no entanto, todo contato com a racionalidade, com o bom senso e com o interesse nacional, o que transformou um dano reversível numa catástrofe monumental, que tende a produzir danos profundos de longo prazo ao Brasil.
É bom ver que, hoje, muitos críticos da política externa ativa e altiva e apoiadores do golpe e do próprio Bolsonaro percebem finalmente a extensão do dano causado ao país por políticas externa desassociadas do interesse nacional e da soberania.
Seria melhor, entretanto, que todos reconhecessem suas responsabilidades históricas nesse processo.
Não foi apenas Bolsonaro.
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