Foto: Jonas Santos |
Quando se fala em agronegócio no Brasil, a tendência é pensar que esse é um setor que produz comida, mas isso é uma meia verdade. O setor agrícola comporta cerca de quatro milhões de propriedades rurais e a maioria delas, 84,4%, é comandada pela agricultura familiar. Só que no conjunto das propriedades, esses 84% representam apenas 24% da área ocupada para a agropecuária. Isso dá conta do imenso abismo que existe entre o latifúndio e a pequena propriedade familiar, que é a que efetivamente produz a comida que está na mesa do brasileiro. As grandes propriedades, em torno de 16%, geralmente produzem para exportação.
Ao lançar um olhar sobre o investimento que o estado brasileiro faz no setor agrícola o abismo também aparece: no plano de safra do binômio 2011/2012, por exemplo, o governo destinou 107 bilhões para a agricultura empresarial enquanto que a familiar ficou com apenas 16 bilhões. E essa diferença tremenda se repete ano a ano, mesmo que seja justamente o setor da agricultura familiar o que gera cerca de 74% dos empregos no campo. O plano safra 2020/2021, lançado esse ano, que garantiu aumento nos recursos, prevê 236 bilhões, sendo que para a agricultura familiar serão apenas 33 bilhões. Mais de 200 bilhões ficarão nas mãos dos empresários rurais exportadores.
No que diz respeito ao que está na mesa do brasileiro é o setor da agricultura familiar que garante 80% da mandioca, 70% do feijão, 58% do leite, 59% dos suínos, 50% das aves e 30% do gado bovino. Os dados são do censo do IBGE de 2006. Já o latifúndio, que detêm quase 75% das terras, é pródigo em produzir grãos e carne de corte para exportação. Praticamente tudo vai para fora do país. O Brasil é o segundo país do mundo em exportação de carne bovina e o maior em exportação de aves.
O governo federal tem sido pródigo com os latifundiários e extremamente duro com a agricultura familiar. Tanto que vários programas para esse setor foram extintos, como por exemplo o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que tinha recebido mais de um bilhão de reais no plano safra anterior e agora ficou sem nada. Outro programa que foi reduzido foi o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que garantia a aquisição de produtos da agricultura familiar para creches, escolas e asilos que ficou com apenas 220 milhões, quando a proposta era de um bilhão.
Ao que parece o governo federal está muito pouco preocupado com o setor que produz comida, preferindo jogar confete na agricultura empresarial que produz para exportar e eleva o PIB na balança comercial.
Agora, não bastasse todo o processo de desmonte da agricultura familiar no que diz respeito a políticas públicas, o governo federal vetou a proposta que previa durante a pandemia um auxílio emergencial de 600 reais, por cinco meses, para os agricultores, bem como a prorrogação de dívidas e linhas de crédito. A medida beneficiaria mais de 700 mil famílias que não receberam qualquer apoio até agora. O argumento usado pelo presidente para mais esse golpe na agricultura familiar foi de que o projeto não especificava a fonte dos recursos, desculpa já usada para vetar o auxílio sanitário aos povos indígenas.
O presidente alegou que os agricultores devem se inscrever no auxílio emergencial geral, mas segundo os dirigentes das entidades organizativas dos agricultores isso pode ser uma armadilha visto que não há no aplicativo a opção agricultor e se for colocado como autônomo isso pode gerar problemas na hora de acessar outras políticas públicas voltadas para a agricultura. Ou seja, os produtores familiares foram deixados a sua própria sorte.
Os vetos presidenciais ainda passarão por análise na Câmara dos Deputados e no Senado, e os movimentos ligados aos agricultores já se mobilizam no sentido de pressionar as casas legislativas. Mas, a considerar o domínio do governo em cada uma delas, as esperanças são pequenas.
Como a agricultura familiar é a que garante a comida na mesa do brasileiro, os agricultores esperam também o engajamento dos demais movimentos sindicais e populares para mais essa batalha. Caso contrário, a produção encolhe e o resultado é aumento dos preços dos alimentos.
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